Eugênio Aragão: Bretas e os juízes linguarudos que gostam de ser reverenciados
Professor da UNB afirma: “Juízes precisam se submeter a rigorosa liturgia do cargo. Trata-se de medida essencial para resguardo da própria segurança”
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Ainda sou de uma época em que juízes despachavam em autos e costumavam ser sisudos, pouco falantes. A satisfação que davam à sociedade estava na fundamentação de seus julgados. Não era preciso mais. Nunca se via Célio Borja, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Aldir Passarinho e tantos outros externarem palpites sobre tudo e sobre todos, apaixonando-se narcisistamente por suas próprias palavras.
O comedimento e o decoro público eram as marcas de um judiciário que podia ser falho, afinal era humano, mas que não era falastrão e nem espalhafatoso. Um judiciário que se dava o respeito e, de um modo geral, não infenso a crítica, mas respeitado.
Digo isso numa época em que juízes, eventualmente suas esposas ou esposos e seus auxiliares mais próximos mantêm perfis em rede sociais, onde, além de se exibirem de calção ou biquíni de férias, falam pelos cotovelos, seja para jogarem confete ou criticarem atuação de pares, seja para assumirem posição política em relação a fatos que estão ou podem vir a estar sob sua jurisdição.
Outros adoram ser procurados pela imprensa e apreciam ser por ela pautados. Falam para receberem aplausos. Fazem biquinho e cara de inteligente. Vão a estreia de filme sobre si e recebem galhardamente prêmios de empresários ou empresas de comunicação. São juízes tagarelas, boquirrotos ou simplesmente sem decoro. Juízes que não têm respeito pelo cargo e nem pelos jurisdicionados. De alguns pode-se dizer mesmo que são moleques.
Pois bem. Marcelo Bretas, o alterego de Sérgio Moro no piso do Rio de Janeiro, quer, em seu gorjeio virtual, que a justiça seja reverenciada por todos e temida pelos criminosos. Diz isso a propósito de declaração do presidente parlapatão do TRF da 4ª Região a parlamentares que o visitaram para tratar do julgamento da apelação de Lula no dia 24 vindouro, de que, com medo, juízes estariam a retirar suas famílias de Porto Alegre.
O mais curioso nisso tudo é que, quando o discreto e circunspecto Ministro Teori Zavascki vinha sendo ameaçado e tendo a casa de seu filho na mesma capital gaúcha cercada por fascistas celerados, não se ouviu uma única palavra de solidariedade ou, ao menos, de preocupação desse hoje presidente do tribunal.
Teori, o relator dos processos da operação Lava-Jato no STF, foi escrachado porque se recusava a ser juiz por graça da malta barulhenta, para se submeter silencioso a seus misteres constitucionais, com o decoro que o cargo lhe exigia. Seu filho não se mudou de Porto Alegre por causa disso e nem deixou, Teori, de manter sua rotina de vida entre Brasília e aquela cidade.
Aliás, resistia o magistrado enormemente a qualquer medida que lhe garantisse segurança às custas do erário. Foi preciso o não menos discreto Ministro Ricardo Lewandowski, então na presidência do STF, convencê-lo a aceitar a vigilância de sua casa e de seus passos no Rio Grande do Sul, bem como usar, para sua locomoção, o avião da FAB posto a sua disposição, dentro da lei e para salvaguarda de sua integridade, pela Presidenta Dilma Rousseff.
Não se via, jamais, Teori choramingando por aí, dizendo-se ameaçado. E olha que os tempos eram difíceis e estava, ele, no olho do furacão.
O tempora, o mores!
A dignidade com que juízes devem ser tratados, Sr. Bretas, não dá em árvore. A reverência de jurisdicionados muito menos. Elas podem vir a ser um prêmio, um galardão para a conduta exemplar, longe das controvérsias públicas e a uma vida dedicada à Justiça com jota maiúsculo, sem estrelismos e com profundo respeito às leis, à soberania popular que elas materializam e às instituições.
Dignidade não se cobra, Sr. Bretas, se pratica. Não é um direito potestativo de magistrados, mas um dever de caráter sinalagmático. Recebe-se tanto quanto se dá aos circunstantes, respeitando-os, tratando-os com a mesma dignidade com que se gostaria de ser tratado.
A reverência, por sua vez, não é prerrogativa majestática de julgadores. Não se obtém como a bela carteirinha preta de couro e brasão de alumínio da República que lhes é entregue na posse, após passarem em concurso público. A reverência é a homenagem que se presta aos bons, aos que sobressaem por seu exemplo de cidadania e de generosidade no cumprimento de seus deveres. Juízes ou não.
O ser humano que Teori foi, quando entre nós, merece ser reverenciado, mesmo sem nunca nos ter cobrado tanto. Sua generosa modéstia não lhe permitia tamanho arroubo. Era um justo e seu exemplo mostra-nos que reverência e dignidade têm isso em comum: resultam da modéstia e são avessas à exaltação, à vaidade, ao orgulho. Aquele que, mesmo supondo-se modesto, se gaba dessa qualidade, deixa de sê-lo, pois a autorreferência elogiosa elimina qualquer chance da modicidade recatada e decente.
Já o disse alhures que juízes precisam se submeter a rigorosa liturgia do cargo. Não se cuida de frescura. Trata-se de medida essencial para resguardo da própria segurança de quem julga os outros.
Eugênio Aragão é ex-ministro da Justiça