Bye bye, Cacá

Brasil perde Cacá Diegues, um de seus maiores cineastas, ícone do Cinema Novo, que deixa um legado de inteligência, inovação e resistência cultural

Fernando Frazão/Agência Brasil)

Cineasta e poeta das imagens, Cacá Diegues fez do cinema uma ferramenta de luta e esperança

Na madrugada desta sexta-feira (14), partiu Carlos Diegues, ou simplesmente Cacá, como preferia. Aos 84 anos, o cineasta alagoano de olhar inquieto deixou a cena após complicações de uma cirurgia, mas sua vasta obra permanece como um retrato íntimo do Brasil. Um Brasil de cores vibrantes, contradições e sonhos, filmado com as lentes de quem amava o país não só pelo que ele era, mas pelo que poderia ser.

Nascido em Maceió em 1940, Cacá chegou ao Rio ainda criança, trazendo na bagagem o cheiro do mar nordestino e histórias que mais tarde ecoariam em suas películas. Na PUC, onde estudou direito, fundou um cineclube ao lado de amigos como Arnaldo Jabor, que mais tarde também se tornaria cineasta. Ali, entre debates acalorados e projeções precárias, nascia o embrião do Cinema Novo – movimento que, como ele, recusava o glamour hollywoodiano para mergulhar na identidade nacional.

Seu primeiro longa, Ganga Zumba (1964), foi um manifesto: ao narrar a saga de Palmares com atores negros no centro da trama, Diegues fez mais que contar uma história. Desafiou um país que insistia em apagar suas raízes africanas. O filme, exibido em Cannes, antecipava o que seria sua marca: a coragem de misturar política e poesia, realidade e fantasia.

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Crônicas de um Brasil em transformação

Nos anos 1970, enquanto o regime militar cerrava os punhos, Diegues optou por retratar a resistência não com panfletos, mas com imagens, música e cor. Em Xica da Silva (1976), elevou Zezé Motta ao status de diva ao contar a história da escravizada que desafiou a colônia portuguesa com seu poder sedutor. 

Bye Bye Brasil (1979) tornou-se um épico moderno: na jornada da Caravana Rolidei pelo sertão, o cineasta capturou o momento em que o país via a TV engolir as tradições, substituindo circo por novela. Cacá sempre citava o momento em que viu um indígena idoso sentado em frente a um aparelho que exibia apenas estática. 

Diegues nunca temeu contradições. Criticado por alguns por seu flerte com o espetáculo – como em Tieta do Agreste (1996), adaptação barroca de Jorge Amado –, respondia com humor que cinema era arte, não tribunal. Preferia falar de amor, como em Chuvas de Verão (1978), onde idosos viviam uma paixão terna e revolucionária, ou em Deus É Brasileiro (2003), comédia em que Antonio Fagundes encarnava um Criador cansado, em busca de férias num país cheio de fé e ironia.

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Últimos atos: o circo, a morte e a esperança

Uma de suas últimas obras foi O Grande Circo Místico (2018), adaptação de um poema de Jorge de Lima. Apesar da recepção morna, o filme revelava seu lado sonhador até o fim. Deixou inacabado Deus Ainda É Brasileiro, prometendo uma reflexão sobre esperança em tempos sombrios. 

Cacá Diegues não foi apenas um diretor. Foi contador de histórias, tecelão de mitos, pintor de um Brasil que oscila entre o arcaico e o moderno. Deixou 24 filmes, três filhos, cinco netos e uma Academia Brasileira de Letras que, em 2018, o acolheu como imortal – prova de que suas narrativas transcenderam as salas escuras.

Neste sábado (15), enquanto seu corpo será velado na ABL, vale lembrar uma cena de Bye Bye Brasil: o instante em que os artistas mambembes, derrotados pela TV, seguem viagem sob um céu aberto. Diegues partiu, mas como Salomé, a cigana de seu filme, segue nos levando numa caravana de imagens – onde o Brasil, sempre plural, nunca deixa de surpreender.

Luto e reverência

A morte de Cacá Diegues provocou uma onda de luto e reverência que atravessa os horizontes da cultura e da política brasileira. Nas redes sociais, personalidades como Lula, Gilberto Gil, Geraldo Alckmin e Margareth Menezes se manifestaram com palavras de pesar e reconhecimento, exaltando o legado imensurável do cineasta. 

Cada postagem é um tributo à sua capacidade de transformar o cinema em um espelho das lutas e esperanças de nosso país, evidenciando o quanto sua obra inspirou e continuará a inspirar o Brasil.

Da Redação

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