Carta à juventude brasileira

Documento da Juventude Petista é o resultado dos debates do Seminário Nacional Organizar e Resistir, realizado nos dias 1, 2 e 3 de dezembro

Juventude do PT

A Juventude do PT publicou uma carta destinada aos jovens brasileiros. O documento é o Relatório Final resultado dos debates do Seminário Nacional Organizar e Resistir, realizado nos dias 1, 2 e 3 de dezembro deste ano.

Confira a íntegra da carta:

Os Desafios da Conjuntura

O governo Bolsonaro se iniciará e, com ele, uma série de incertezas pairam na política e na sociedade brasileira. Seu programa de governo contempla uma série de interesses arcaicos, fundamentalistas e ultraliberais que ameaçam o estado laico, a educação plural e emancipadora, a soberania nacional e o conjunto de valores democráticos que os trabalhadores conquistaram na legislação com a Constituição de 1988 e o advento da Nova República.

Este programa foi impulsionado por uma sofisticada rede clandestina de propaganda virtual que, se utilizando de canais de YouTube, páginas do Facebook, sites apócrifos e blogs conservadores, transmitiu as “fake news” contra o PT, Lula, Haddad, Manuela e toda a esquerda, em um diálogo direto e oculto com os eleitores através do WhatsApp, tudo com a complacência do TSE e do STF, que emitiram um silêncio cúmplice diante das denúncias. Indícios, que precisam ser investigados, apontam que toda esta rede clandestina foi diretamente financiada por recursos não-declarados de grandes empresas brasileiras, com o objetivo de ampliar a retirada de direitos sociais e trabalhistas iniciada pelo golpe de 2016 com Michel Temer, e de recursos estrangeiros daqueles que pretendem pilhar as nossas riquezas e sequestrar a nossa soberania.

O próprio impedimento da candidatura de Lula, pelo mesmo judiciário que deu suporte ao Golpe de 2016, contrariando todas as jurisprudências anteriores e a própria deliberação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, foi o que possibilitou o resultado das eleições, retirando do povo brasileiro o direito de votar no seu candidato preferido, que liderava todas as pesquisas e despontava inclusive com chances de vencer as eleições no primeiro turno.

É verdade que o caixa 2 de empresas, a conspiração lesa-pátria e a não-participação de Lula foram fundamentais para que o resultado eleitoral se materializasse. Porém, é preciso compreender os sentimentos que levaram mais de 57 milhões de brasileiros e de brasileiras a optarem por um programa que é lesivo à grande maioria do nosso povo. É preciso reconhecer que os nossos governos, apesar das suas imensas conquistas que favoreceram aos trabalhadores e às trabalhadoras, tiveram dificuldades de responder à algumas das demandas concretas do nosso povo e pouco contribuíram para avançar a consciência de classe dos trabalhadores e das trabalhadoras, abrindo margem para que outras ideologias apresentassem “soluções simplistas” que, ao cabo, não representam real melhoria nas condições de vida da população.

Exemplo disso foi o tema da segurança pública, que dominou os debates durante a eleição. Os movimentos negros e de juventude apontaram insistentemente, nos 13 anos em que ocupamos a presidência da República, para a necessidade de o Governo Federal assumir o protagonismo no combate ao genocídio da juventude negra e pôr fim na suposta guerra às drogas, que é na verdade uma guerra aos pobres, e à política de encarceramento em massa. Porém, de 2003 a 2014, segundo o Mapa da Violência, o índice de assassinato de negros cresceu 46% e o de brancos reduzia 27%. A cada ano, 30 mil jovens são assassinados e destes, 23 mil são negros; 63 jovens negros morrem a cada dia; a cada 23 minutos, um jovem negro morre no nosso país.

O resultado foi um aumento vertiginoso da população carcerária brasileira, que mais que dobrou de 2003, quando tínhamos 308.304 presos, para 2014, quando passamos a ter 622.202 presos, sendo 61,6% destes negros. Porém, mesmo com a ampliação do número de presos, não houve redução nos índices de violência. Pelo contrário, a violência passou a alterar com o cotidiano da nossa população, em especial nas favelas e nas periferias, onde os conflitos entre as Polícias Militares, as facções e as milícias se tornaram cada vez mais frequentes.

Também caímos na armadilha de que as políticas sociais exitosas dos nossos governos, por si só, já serviriam para conscientizar o nosso povo de que as melhorias eram fruto de uma opção política. O Partido, construído na base popular, se virou para uma lógica quase que exclusivamente eleitoral, burocrática e excessivamente pragmática, deixando de fazer um debate ideológico junto ao povo, e de propagar a necessidade de se alterar as estruturas do sistema capitalista para que as conquistas alcançadas fossem duradouras. Nos incorporamos ao sistema e, ao não falar de Socialismo e ao não questionar as instituições herdadas dos períodos colonial e imperial escravocratas, e da ditadura militar, deixamos de fazer as lutas necessárias e, a partir delas, explicar exatamente o que nós acreditamos, permitimos que os nossos adversários o fizessem, desconstruindo no imaginário popular o caráter generoso e solidário daquilo tudo que nós defendemos para o Brasil e para o mundo.

O desafio de compreender a vitória de Bolsonaro é tão importante quanto o de compreender o que levou toda uma multidão de jovens, filiados ou não ao PT ou qualquer outro partido de Esquerda, a ocupar as ruas e constituir um dos mais belos movimentos já vistos na história recente do Brasil. Essa juventude ocupou a política com muita alegria e disposição para ouvir o que as pessoas tinham para falar, seja oferecendo um pedaço de bolo com suco, seja com um cartaz se disponibilizando para debater política com quem se interessasse.

Estes jovens se organizaram a partir de centenas de assembleias pela democracia que aconteceram nas universidades. Foram os beneficiários dos nossos acertos, das Cotas, da expansão das Universidades e Institutos Federais, do ProUni e do Fies, de uma ampla política de assistência estudantil e de incentivo à pesquisa os grandes protagonistas daquele momento, desmistificando a ideia de que a juventude brasileira não sabia reconhecer o legado de Lula e Dilma para as suas vidas, ainda que muitos tenham duras críticas às contradições dos nossos governos.

Saber resistir é tão importante quanto o saber avançar e, neste momento, os mais 47 milhões de votos do Professor Fernando Haddad e de Manuela D’Ávila e a forma como conquistamos são o marco inicial da resistência democrática, da defesa dos direitos sociais, da soberania nacional e da democracia, cuja tarefa central e imediata é a defesa da liberdade de Lula. As informações disponíveis dão conta de que vencemos no nordeste, e entre os mais jovens, mulheres e negros e negras, mas perdemos votos de eleitores que eram nossos nas periferias do sul e do sudeste. É preciso ter uma forte fidelidade e conexão com a massa de brasileiros e brasileiras que, contra tudo e contra todos, optaram pelo nosso projeto, e ter uma atuação firme para recuperar os setores populares que votaram nulo, se abstiveram ou mesmo os que tenham votado em Bolsonaro.

A Juventude do PT vai organizar e resistir, pavimentar uma grande avenida para a passagem dos nossos sonhos; para receber gente nova, envolver os que já estão e para dialogar com quem só quer estar perto. Decidimos disputar a hegemonia social, cultural e política do nosso povo, reoxigenar o nosso partido de ideias e de vibração, e fazer surgir de um partido mais vivo, conectado ao pensamento da juventude e do povo brasileiro, um projeto ousado para o nosso país. Não podemos ter medo de travar as lutas necessárias. Estaremos firmes, prontos para fazer o Brasil superar as trevas e ver, novamente, a esperança vencer o medo.

Reconexão e Trabalho de Base

Consideramos a afirmação de que o PT precisa voltar para a base justa, porém, em alguns momentos, é posta em termos equivocados. Ao analisar os petistas, incluindo os e as dirigentes das instâncias, percebemos que nós somos pessoas do povo, residimos nos bairros populares ou de classe média, nos assentamentos e vilas de pescadores, e convivemos com as angústias diárias de todo o trabalhador e trabalhadora brasileira; a precariedade do transporte público nos aflige; a violência nos atemoriza; também sofremos nas filas dos hospitais públicos; o desemprego, o subemprego e a informalidade também nos atinge; os juros bancários nos asfixiam e o nosso dinheiro também é escasso para as necessidades das nossas famílias; quando as políticas sociais são extintas, nós também sentimos a sua ausência. Olhar para nós mesmos e organizar os nossos, já é um grande passo para darmos as respostas necessárias que a conjuntura nos exige.

Este retorno à base, portanto, não é um retorno físico, nem sequer de simplesmente construção de vínculos. Estes nunca foram completamente desfeitos e continuam a ser profundos. Porém, é necessária uma reflexão acerca do método e das iniciativas possíveis na construção de vínculos, além de profundos, orgânicos, cotidianos e militantes com aqueles e aquelas que são a alma do Partido dos Trabalhadores.

Precisamos rearticular o nosso trabalho de base a partir da organização de Núcleos nos nossos locais de moradia, estudo e trabalho, nos termos que o Estatuto do Partido já os prevê: com a participação de filiados e não-filiados; Os núcleos precisam ter reuniões periódicas para sempre ter uma avaliação atualizada sobre a realidade local e poder incidir sobre ela, além de possibilitar que sejam espaços de sociabilização e de interação cultural. E os núcleos precisam ser do PT. A tentação do aparelhamento, por mandatos ou agrupamentos, para fazer a disputa interna contribui para um Partido que é um fim em si mesmo e não um espaço vivo de transformação social.

Também é preciso repensar a nossa militância nos ambientes virtuais. Podemos dizer que a forma do PT e dos petistas fazerem campanha nas redes estagnou nos tempos da “blogosfera” e que as nossas formas e conteúdos não surtem o mesmo efeito das eleições de 2014 ou, sobretudo, de 2010. De lá para cá, a TV perdeu em audiência e em importância, o tempo da propaganda eleitoral foi reduzido e, junto com ela, o período de campanha restrito a metade do tempo anterior. Tudo mudou. Nós precisamos mudar também.

Sabemos que, para o resultado eleitoral de 2018 se materializar, foi fundamental o uso da internet pelos nossos adversários, seja para propagar “fake news” ou para driblar a importância dos debates televisivos. Porém, o uso da internet foi potencializado por um amplo processo de construção de redes virtuais de confiança, fazendo com que as pessoas recebessem os mesmos conteúdos de muita gente do seu círculo social em que confia. Isso significa um método de trabalho de base diferenciado, sem o qual não seria possível o efeito tão massivo das fake news.

Ao mesmo tempo, multidões de mulheres e de jovens, em especial, se organizaram em torno de movimentos como o #EleNão no primeiro turno, e o “Vira Voto”, defendendo com afinco a candidatura do Professor Fernando Haddad, no segundo turno, constituindo importantes movimentos de massa. Estas iniciativas conseguiram inclusive absorver muita gente que está disposta a construir o nosso projeto, mas tem muita dificuldade em se aproximar da chamada “máquina partidária”. É preciso refletir sobre como nosso método de organização precisa incluir, ouvir e organizar estas pessoas, que são petistas e precisam do PT dando suporte e estofo à luta política que elas, muitas vezes, já estão fazendo.

Ao mesmo tempo, é preciso destacar que as provocações da extrema-direita buscaram atrair a atenção para temas “da moral e dos costumes”, com vistas a manipular a religiosidade do nosso povo, confundir e dividir a Classe Trabalhadora. Neste cenário, o PT teve dificuldades para incorporar na defesa dos direitos da classe trabalhadora a luta contra o machismo, a homofobia, a misoginia, o racismo. Essa questão requer uma profunda reflexão pois deverá ser um importante elemento a ser trabalhado nas próximas etapas de construção partidária, para integrar plenamente na prática do nosso partido a luta contra todo tipo de opressão e discriminação.

Portanto parte de nós também a responsabilidade de criar algo novo, permanente e a longo prazo, que não sirva tão somente para disputar as eleições e sim para incidir cotidianamente nos debates virtuais e no pensamento do nosso povo. Os exemplos positivos não nos faltam. O que é preciso é ter uma iniciativa organizada e permanente para fazer com que nossos adversários não disputem conosco num patamar em que não temos como responder à altura.

Renovação e Formação Política

A Juventude do PT refuta a identificação das nossas lutas, das mulheres, do povo negro e da população LGBT como meras pautas identitárias. Compreendemos que toda a organização precisa se estabelecer com nitidez sobre os marcos de suas lutas por direitos, e é aqui que nós nos incluímos. Nossa luta é de classes, pelo fim das opressões, pela democracia e pelo socialismo. Para a Juventude do PT, uma sociedade socialista e democrática não vai ser possível com bases racistas, machistas e LGBTfóbicas. Isso não diz respeito a, simplesmente, identidades; são questões igualmente estruturais.

Compreendemos que, como todos os demais males de nossa sociedade, reside no sistema capitalista a responsabilidade pela hegemonia de uma cultura racista, machista e LGBTfóbica, tanto quanto a responsabilidade pela miséria, fome, exclusão social e a escravidão, assalariada ou não. Assim, a luta democrática contra toda discriminação e opressão deve ser a luta de toda a classe trabalhadora e, como as demais, esta luta é um instrumento para fortalecer nossa organização para a construção de um novo modelo de sociedade.

Refutamos também a culpa que querem nos imputar pelo esvaziamento de grande parte dos Diretórios Municipais, em função das cotas geracionais, raciais e da paridade de gênero. Estes DM’s se esvaziam pelas práticas envelhecidas e pelo entendimento do partido enquanto um comitê eleitoral e não um espaço de debates, sociabilização e interação cultural. Ao consumir as suas energias em um “disputismo” para manutenção ou a conquista das direções internas, Os DM’s não dão espaço para que a Juventude traga à eles novas vivências, pensamentos e possibilidades.

A solução para o problema das cotas e da renovação do PT não é apenas um problema administrativo e, sobretudo, um problema político, de como o partido pretende se organizar e garantir a sua continuidade. A solução não é menos juventude e sim mais juventude, o que precisa ser traduzido em mais investimento político, mais formação e mais ousadia.

Com 38 anos de história, o Partido dos Trabalhadores foi o que menos renovou entre as grandes bancadas do Congresso Nacional. Dos 56 integrantes da nossa bancada na Câmara Federal, apenas duas companheiras, Natália Bonavides e Maríllia Arraes, possuem menos de 35 anos. Nenhum dos e das nossas representantes possui 29 anos ou menos. A renovação do PT deixou de ser uma necessidade e passou a ser uma questão de sobrevivência. Serão os e as jovens que terão a capacidade de levar em frente a história e o legado do Partido de Lula.

Obviamente, não se trata de renovar por renovar, vide as aberrações eleitas pela direita, que foi bastante renovada com o desabamento dos partidos tradicionais da burguesia. Tratamos aqui de construirmos com o partido um projeto de renovação que qualifique nossa juventude de acordo com aquilo que defendemos historicamente, e que invista politicamente para que os e as jovens possam competir de fato no modelo eleitoral vigente.

A simples possibilidade de o PT revogar as cotas geracionais pode ser um entrave simbólico forte para a vinda de militantes protagonistas de movimentos sociais, ativistas culturais e jovens líderes comunitários, que buscam espaços onde possam ser representados e possam representar. O fim das cotas, queiram ou não os seus proponentes, significaria uma negativa pública e estridente do PT para a renovação.

Nós afirmamos a necessidade das Cotas geracionais e vamos defendê-las, desenvolvendo, em conjunto com a Escola Nacional de Formação Política, com a Secretaria Nacional de Formação Política e com a Fundação Perseu Abramo, um programa e uma plataforma de formação que sejam adequados às linguagens da juventude, possibilitando uma efetiva formação para milhares de jovens, sejam eles dirigentes, militantes de base, filiados ou simpatizantes, com pretensões eleitorais ou não, e dirigentes de movimentos sociais.

A Juventude do PT sai do “Seminário Organizar e Resistir – Os desafios da juventude brasileira na atual conjuntura” ciente do seu papel estratégico e da sua tarefa histórica. Reafirmamos a nossa unidade e o compromisso com a construção de um Partido aberto, com caráter de classe, de lutas e apto para representar aqueles e aquelas que sonham com uma sociedade mais justa e igualitária.

Reafirmamos o nosso compromisso e engajamento total na luta pela liberdade do Presidente Lula, fiel representante do povo brasileiro. Sabemos que, com esta prisão injusta e arbitrária, o que estão aprisionando em Curitiba é a alma e a esperança do povo. Trata-se da tentativa de destruir o PT por ser o instrumento de defesa da classe trabalhadora no Brasil contra o pacote de maldades do governo Bolsonaro que é subserviente dos interesses imperialistas. Certamente, o povo brasileiro, que não quer perder seus direitos conquistados, não esquece do homem que colocou comida na mesa e dignidade na casa de cada família brasileira, e é por isso que temos a necessidade e a obrigação de lutar a cada dia para reverter a injustiça, porque se trata da defesa do PT e da esquerda, dos direitos, da democracia e do povo brasileiro.

LULA LIVRE!
Dezembro de 2018

Secretaria Nacional de Juventude do PT

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