Cinco anos sem respostas: quem mandou matar Marielle Franco?
Crime segue sem resolução, mas governo federal assume compromisso para investigar mortes da vereadora do PSOL e de seu motorista, Anderson Gomes
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No Brasil, desde 2018, o 14 de março ganhou o caráter de luta, revolta e indignação. A data marca o dia dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes. Em virtude da inação dos governos estadual e federal das últimas gestões, ainda seguimos sem respostas quanto à motivação e ao mandante do crime.
A partir do crime que chocou o mundo e abalou a democracia brasileira, o debate sobre o que é violência política de gênero ganhou urgência e maior visibilidade. A sociedade, as mulheres que atuam na política, organismos internacionais e o poder público se viram diante da necessidade de criar mecanismos, acordos e leis para proteger a vida das mulheres que atuam na política.
Por isso, o presidente Lula, na semana passada, em cerimônia de celebração ao Dia Internacional das Mulheres, anunciou, em parceria com a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, a criação do Dia Nacional Marielle Franco, a ser celebrado todo 14 de março, com o foco no enfrentamento à violência política de gênero e raça. A ação envolve os Ministérios das Mulheres e da Igualdade Racial. A proposta seguiu para apreciação do Congresso Nacional. Após tramitar nas duas casas legislativas, o projeto retornará para sanção presidencial.
Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, é urgente denunciar violências praticadas e dar visibilidade aos desafios da luta de mulheres negras na política: “A proposta desta data tem o peso da luta de Marielle e de muitas mulheres negras na política que vieram antes, como Luiza Bairros, Leci Brandão, a nossa querida deputada Benedita da Silva”, declarou Franco.
“Hoje temos um número maior de mulheres negras na política, mas precisamos garantir que elas possam exercer seus direitos políticos livremente. Estar na política não pode significar um risco de vida para as mulheres negras, cis e trans, que adentram esses espaços. E o primeiro passo é nomear e dar visibilidade a isso”, destacou a ministra.
Outro gesto que representa a mudança de postura do governo federal no trato sobre o caso foi o pedido de um minuto de silêncio pedido pelo presidente Lula durante reunião realizada nesta terça (14), em Brasília: “A melhor forma da gente prestar uma homenagem à Marielle nesse dia é a gente fazer um minuto de silêncio.”
Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT, fez uma fala emocionada sobre a importância da criação do Dia Nacional Marielle Franco: “Hoje, quando completam-se cinco anos do brutal e covarde assassinato de Marielle Franco, o Brasil segue perguntando quem foram os mandantes e o porquê daquele ato tão covarde. Diferentemente das gestões que estiveram à frente da presidência de 2016 a 2022, o governo do presidente Lula está empenhado em solucionar o crime, em dar uma resposta para a família de Marielle e para a sociedade”, assegurou Moura.
“A criação do Dia Nacional Marielle Franco busca visibilizar e combater a Violência Política de Gênero, prática que, infelizmente, atinge na sua maioria as mulheres pretas”, lamentou a secretária. “Nós estamos reconstruindo um país mais justo e democrático para as nossas mulheres candidatas e eleitas. E seguiremos honrando a memória e o legado de Marielle. Hoje e sempre! Não vamos descansar até descobrirmos quem mandou matar Marielle Franco e Anderson Gomes”.
Federalizar ou não o caso?
Há o debate sobre a federalização do crime político que colocou um fim abrupto na promissora trajetória da quinta vereadora mais votada nas eleições de 2016, do Rio. Para Marinete Franco, mãe de Marielle, isto seria ruim, tendo em vista que o crime ocorreu no estado do Rio.
“Não interessa para família, para mim. O crime foi no Rio de Janeiro. Acho que a Polícia Federal tem que estar junto, como sempre esteve. Muito mais agora com o [ministro Flávio] Dino. Mas a solução tem que partir do Rio de Janeiro. Foi lá que o crime aconteceu. O governo tem que dar uma resposta para mim, para a família, para a sociedade, para os eleitores da Marielle. Fui contra a federalização e fiz a campanha”, afirmou a matriarca da família Franco em entrevista à Agência Brasil.
De toda forma, o que se espera é que haja rigorosa apuração na resolução dos fatos. São cinco anos em que a democracia brasileira sofre com a ausência de resposta. Não há mais tempo a perder.
Votação expressiva
Eleita com 46.502 votos para o cargo de vereadora da Câmara do Rio de Janeiro, em outubro de 2016, Marielle Franco tinha toda uma vida de importantes construções políticas à frente. São de autoria da cria da Maré projetos de lei que foram pensados para levar mais qualidade de vida e dignidade para reduzir as desigualdades para as comunidades cariocas. Em pouco mais de 15 anos de atuação na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, Marielle Franco apresentou 16 projetos.
Segundo a Agência Brasil, alguns de destaque são o PL 017/2017, que institui o programa Espaço Infantil Noturno de Atendimento à Primeira Infância, na capital do estado. Já PL 103/2017 inclui o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no calendário oficial do município.
Também aprovado, o PL 417/2017 cria a campanha permanente de conscientização e enfrentamento ao assédio e violência sexual na cidade do Rio. Foram aprovados ainda os projetos de lei 515/2017, que institui o Programa de Efetivação de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto no município do Rio, e 555/2017, que cria o Dossiê Mulher Carioca.
Enfrentamento sem medo
Em 21 de fevereiro de 2018, após dois anos de sucessivas crises econômica e social, o Rio de Janeiro se viu diante de uma intervenção federal, a partir da decisão do então presidente da República Michel Temer. O general Braga Netto foi designado como interventor no Estado do RJ. No final do referido mês, Marielle se tornou relatora de comissão na Câmara Municipal do Rio de Janeiro para acompanhar o trabalho dos militares durante a intervenção. Marielle era notoriamente contra a intervenção.
Além de confrontar a intervenção militar, Marielle também combatia as milícias cariocas – facções que disputam o poder nas comunidades e são conhecidas pela violência.Os milicianos são conhecidos no estado por conexões a Jair Bolsonaro.
Dias depois, Marielle foi brutalmente assassinada com três tiros na cabeça. A munição usada para ceifar a vida da vereadora foi uma pistola de calibre 9mm, de uso restrito, não podendo ser vendida para civis. Os ex-PMs Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz foram denunciados como executores do crime contra Marielle e Anderson. Até hoje, não se sabe quem foram os mandantes do crime.
As investigações da PF, sob o comando de Bolsonaro, nada avançaram. O que se viu foi a desumanização da figura de Marielle com a disseminação de fake news sobre sua trajetória política e de militância.
Da Redação, com informações de Agência Brasil, Ministério das Mulheres, Ministério da Igualdade Racial, UOL e STF