Clima e cuidado: é urgente colocar a mulher negra no centro do debate

Para enfrentar o racismo ambiental e debater o trabalho de cuidado, as mulheres negras devem estar na organização social e política

Wanessa Marinho

Mulheres negras são as mais afetadas com a urgência climática

Em 2023, dois assuntos têm sobressaído no Brasil, ambos transversais na pauta de gênero e de raça: a emergência climática e o trabalho de cuidado. No ensejo do 20 de novembro, data instituída pela lei 12.519/2011, e que marca o Dia da Consciência Negra, a Secretaria Nacional de Mulheres ouviu as deputadas federais Dandara (PT-MG) e Carol Dartora (PT-PR), Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT, e a Coordenadora- Geral de Articulação Interfederativa do Ministério da Igualdade Racial, Sandra Sena, sobre os temas. 

No período mais quente em 125 mil anos, o racismo ambiental se agrava cada vez mais na escalada da urgência climática, e com isso as mulheres negras, mais uma vez, seguem como as mais afetadas pela situação. Como mostra o relatório “Igualdade Climática: um Planeta para os 99%”, desenvolvido pela ONG Oxfam, “as pessoas que vivem na pobreza, que sofrem marginalização e os países do Sul Global são os mais afetados. Mulheres e meninas, povos indígenas, comunidades tradicionais, pessoas que vivem na pobreza e outros grupos vítimas de discriminação e vulnerabilidade estão particularmente em desvantagem.”

Em 2019, de acordo com a Oxfam, o 1% mais rico do mundo foi responsável por 16% das emissões globais de carbono. Esse número é equivalente às emissões dos 66% mais pobres da humanidade, em torno de cinco 5 bilhões de pessoas.

O texto ainda revela que se não forem tomadas medidas, “os mais ricos continuarão a queimar o carbono que resta para a utilização de toda a sociedade, mantendo a temperatura global abaixo do limite seguro de 1,5°C, destruindo qualquer possibilidade de acabar com a pobreza e reduzir a desigualdade.”

Dandara, relatora da Lei de Cotas, destaca que as mudanças climáticas afetam, principalmente, “a população preta, pobre e periférica, que já é privada de direitos com a falta de saneamento básico, água, coleta de lixo e mora no entorno dos rios e encostas de morros, por exemplo. Por isso que falamos em racismo ambiental, que significa que os impactos ambientais atingem a população de forma desigual. A população mais afetada é a parcela marginalizada, e historicamente invisibilizada, como a população negra.”

Na Câmara, a deputada mineira coordena o Grupo de Trabalho do Cerrado, da Frente Parlamentar Ambientalista, que busca avançar em uma legislação específica para proteção do Cerrado, um dos mais ameaçados de extinção, e seus povos: “Hoje, menos de 40% das 338 terras indígenas do Cerrado são tituladas. É urgente promover a preservação e frear a expansão agropecuária e protegê-lo de outras ameaças, como a mineração”, defende. 

Corroborando a colega de bancada, a deputada Dartora afirma que “estamos vendo a natureza dando resposta ao tratamento que a humanidade dá para ela.”

“Isso acontece por conta da exploração e falta de proteção da nossa biodiversidade, formato realizado e promovido por quem detém o poder na nossa sociedade. Na outra ponta somos nós, mulheres negras, as pessoas que mais sofrem com as consequências desse modo de relação com o planeta. E assim podemos ver a estrutura racista da nossa sociedade operando. Logicamente a natureza não escolhe quem sofrerá com as urgências climáticas, mas fica fácil perceber como temos menos estrutura e também menos apoio do Estado para nos recuperar desses eventos climáticos.”

Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT,  publicou o artigo “Consciência Negra na Amazônia: Lutas, resistência e desafios interseccionais”, onde defende que o Dia da Consciência Negra é uma oportunidade para refletirmos sobre as profundas raízes do racismo.

“O papel das mulheres negras é fundamental nessa jornada pela equidade. Elas são a fonte primária dessa luta e enfrentam desafios únicos, combinando as barreiras do racismo e do sexismo. No entanto, é também através de suas vozes e liderança que vemos uma força inspirada na busca por justiça social”, observou.

Valorizar o trabalho de cuidado é valorizar a mulher negra

Além da agenda climática, o trabalho de cuidado também foi destaque no país, graças ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), tema escolhido para a redação. O assunto, pela primeira vez, tem sido pauta de governo. A Nota Informativa n1/2023 a Secretaria Nacional de Cuidados e Família, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, apontou que, no Brasil, quase 75% do total de postos de trabalho no setor de cuidados é ocupado por mulheres, equivale a aproximadamente 18 milhões de mulheres ocupadas neste setor.

No documento, a Secretaria revelou que, em 2019, 45% de todos os postos de trabalho do setor eram ocupados por mulheres negras, 31% por mulheres brancas e 24% se dividiam entre homens brancos e negros. 

Para Sandra Sena, coordenadora-geral de Articulação Interfederativa do Ministério da Igualdade Racial, o Brasil precisa cuidar das mulheres negras, centro da classe trabalhadora, que permite que o país caminhe: “Infelizmente, também somos as representantes das piores rendas e empregos. O trabalho precisa de valorização, pois não há uma nação sem o trabalho de cuidados com os mais velhos, com a infância e com toda a organização da sociedade. E somos nós que, majoritariamente, ocupamos esse lugar”, afirma Sena.

“Além disso, somos nós as mais afetadas com todos os desastres, sejam eles sociais, econômicos e climáticos. Do Oiapoque ao Chuí, a nossa terra vem sendo destruída com os ataques devastadores do meio ambiente. Isso destrói nosso trabalho, nossos lares e nossas famílias. Por isso, lutamos em tantas frentes. Educação, saúde, moradia, sustentabilidade, segurança. O bem-viver é o caminho em defesa de nossas vidas.”

“O trabalho de cuidado, aquele ‘invisível’ aos olhos de muitos, do cuidado com alimentação, remédios, limpeza e higiene, educação, entre diversas outras funções por horas, tem raça, gênero e classe. A divisão sexual do trabalho na nossa cultura patriarcal faz com que o espaço privado, e portanto, os trabalhos de cuidado, seja visto como “naturalmente” pertencente às mulheres, enquanto aos homens o espaço público, em que está localizada a política”, comentou a deputada federal Dandara, que também defende ser central a participação da mulher negra na organização social e política do cuidado no Brasil. 

“O trabalho do cuidado é o maior campo de absorção de mão de obra de mulheres negras, pobres e periféricas no Brasil, e a pandemia fez esse cenário retroceder muito. Para se ter uma ideia, as mulheres retrocederam em 30 anos o acesso ao mercado formal de trabalho”, explicou.

“O Estado é fundamental para que essas mulheres rompam com esse ciclo de exploração, garantindo serviços públicos de qualidade e direitos trabalhistas. A garantia de creches e escolas públicas, o recente edital para construção de Lavanderias Públicas são exemplos importantes, além do próprio Bolsa Família, que é uma forma de garantir condições de renda para essas mulheres pobres que terão mais dificuldades no retorno ao mercado formal de trabalho”, concluiu.

Da Redação do Elas por Elas, com informações da Oxfam e da Secretaria Nacional de Cuidados e Família

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