Como a censura de Fux a entrevista de Lula constrange o Direito

Juristas apontam intervenção descabida e ilegal do Judiciário na atividade de imprensa, pedido com vício na origem e instauração de censura prévia

Divulgação/STF

O ministro Luiz Fux. Decisão foi chamada por juristas de "teratológica, arbitrária e flagrantemente inconstitucional"

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux trabalhou até mais tarde na noite da última sexta-feira (28). Já passava das 22h quando saiu de seu gabinete uma ordem para proibir urgentemente que Luiz Inácio Lula da Silva pudesse dar qualquer entrevista. E que, se por um acaso já tivesse concedido alguma, a qualquer jornalista, esta jamais poderá vir a público, principalmente antes das eleições, sob pena de crime de desobediência.

Ou seja, não se pode falar nem em censura prévia. É a censura prévia da prévia, aquela que proíbe a veiculação de uma notícia (ou uma entrevista) antes mesmo dela ser escrita. E, se já tiver sido escrita, o censor não precisa nem analisar, considera-se censurada, imprestável para publicação, de antemão.

Ao descabimento que salta a olhos leigos da decisão de Luiz Fux se soma uma série de ineditismos e impossibilidades jurídicas que constrangeu o mundo do Direito. Veja, abaixo, o que levou a decisão de Luiz Fux a, em menos de 24 horas, receber dezenas de críticas de juristas em todo o Brasil, que já a definiram como “inédita e surpreendente”, “teratológica”, “incompreensível” e “flagrantemente autoritária e inconstitucional”.

1 – A tutela ilegal do Poder Judiciário sobre o eleitor

O primeiro ponto a chocar os juristas é a fundamentação principal utilizada pelo ministro Fux para impedir a livre circulação da entrevista de Lula. Está em sua decisão:

“No caso em apreço, há elevado risco de que a divulgação de entrevista com o requerido Luiz Inácio Lula da Silva, que teve seu registro de candidatura indeferido, cause desinformação na véspera do sufrágio, considerando a proximidade do primeiro turno das eleições presidenciais”.

Quer dizer: Fux não leu a entrevista, Fux nem mesmo sabe dizer se ela já foi ou ainda será realizada, mas já prevê que seu conteúdo poderia causar desinformação nas vésperas das eleições presidenciais.

O problema é que, ainda que estivesse certo o ministro em seus receios, que a entrevista com Lula viesse de fato a causar confusão para o eleitorado, a lei não prevê que o Poder Judiciário faça este controle de qualidade no que, como e quando os órgãos de imprensa publicam o que julgam ser informação de interesse público.

O jurista Flávio Leão Bastos, co-fundador do Observatório Constitucional Latino-Americano e professor convidado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), falou à Agência PT sobre o tema. Ele não escondeu a espécie que lhe causa a decisão de Fux: “Honestamente, eu nunca tinha visto uma decisão como essa. Além de tudo, a jornalista que solicitara a entrevista (Mônica Bérgamo) e o veículo em que ela seria publicada (Folha de S.Paulo) são reconhecidos no país, prestam serviço de imprensa há muitos anos. Iriam exercer seu ofício e oferecer um material para o eleitor que quisesse se informar. O eleitor não precisa de tutela da Justiça sobre o que pode ou não pode ler, para não ser confundido. Nem a lei prevê que a Justiça promova este tipo de tutela”.

2 – O Partido Novo e a origem ilegal do pedido

Como se sabe, para tomar qualquer decisão, a Justiça precisa ser provocada. Por uma pessoa, pelo Ministério Público, ou por algum ente público ou privado que ingresse com alguma ação judicial reclamando que algum direito seu está sendo ameaçado.

No caso da censura de Fux, tudo teve origem na ação de Reclamação 32.035, que o jornal Folha de S.Paulo protocolou junto ao STF, em insurgência contra decisão da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, que havia proibido a jornalista Mônica Bérgamo de entrevistar Lula.

Então, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar permitindo que a Folha de S.Paulo fizesse seu trabalho. Sustentou sua posição com a Constituição Federal. Nela, não há nenhum dispositivo a impedir que uma pessoa que esteja presa possa dar entrevista. São muitos os exemplos de indivíduos encarcerados que foram e são ouvidos pela imprensa no Brasil.

Eis, então, que o Partido Novo ingressou com uma nova ação judicial, desta vez solicitando a suspensão da liminar concedida pelo Supremo. E qual é a base legal do pedido? É o artigo 4º da Lei 8.437/1992, que diz:

“Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.”

Bom, antes de mais nada, custa entender como a publicação de uma entrevista em um jornal poderia gerar “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Mas, ainda que isso fosse possível, o referido artigo não deixa margem para qualquer interpretação quando especifica que o pedido de suspensão de liminar só pode ser interposto pelo “Ministério Público ou pessoa jurídica de direito público interessada”.

Ocorre, no entanto, que a Lei dos Partidos Políticos (9096/95) estabelece, já em seu Artigo 1º, que partido político é pessoa jurídica de direito privado. Não há qualquer possibilidade interpretativa que altere este fato, o de que o partido Novo sequer poderia ter interposto sua ação, muito menos ter sido atendido pelo ministro Fux.

Debruçando-se sobre essas e outras aberrações constantes na decisão do magistrado, o jurista Lenio Luiz Streck, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), pós-doutorado em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, publicou já neste sábado (29) um artigo em que expõe toda a sua preocupação com os rumos que pode tomar o Brasil quando se permite este tipo de arbitrariedade. “O relativismo interpretativo ainda vai acabar com o nosso Direito. Isso tem de ser dito”, alertou o jurista.

3 – A instauração arbitrária e ilegal da censura prévia

Quem também expressou seu estarrecimento neste sábado com a decisão do ministro Fux foi Eloísa Machado, professora da FGV Direito (Fundação Getúlio Vargas) e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta. Para ela, a decisão é simplesmente “uma barbaridade”.

O que mais chamou a atenção da jurista é o caráter inconstitucional da ordem de Fux. É porque não há como não classificar como censura prévia o que fez o ministro Fux. E a Constituição Federal proíbe a censura em diversos de seus dispositivos. A jurista explica que o argumento do Partido Novo era o de que entrevista iria criar desinformação nas eleições. “Entendeu? Informação, uma entrevista a um dos grandes jornais do país, a uma jornalista renomada, vai gerar desinformação…”, observa a professora, que conclui:

“E eis que Luiz Fux, no exercício da presidência do STF, acata essa barbaridade. Barbaridade na forma e no conteúdo. Fux instaura censura prévia na canetada. Não se deixe enganar: não é regulação de matéria eleitoral. Lula não é mais candidato, por decisão da própria Justiça.

Ora, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que Lula não poderia fazer campanha com o registro de candidato indeferido, enquanto os recursos eram julgados. Lula então desistiu da candidatura e dos recursos. Ponto. Fernando Haddad agora está sujeito às regras eleitorais, não Lula.”

Por Vinícius Segalla, da Redação da Agência PT de Notícias

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast