Comuna da Terra Irmã Alberta completa 17 anos na periferia de SP

Acampamento do MST produz em média uma tonelada de alimento sem veneno por semana e reúne cerca de 40 famílias que ainda aguardam a regularização fundiária

Júlia Rohden

A 35 quilômetros do centro da capital mais populosa da América Latina, 40 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comemoram os 17 anos do acampamento Comuna da Terra Irmã Alberta, em meio à produção agroecológica de alimentos e à expectativa de regularização fundiária. A celebração aconteceu neste sábado (27), reunindo agricultores e apoiadores no acampamento que fica no bairro Perus, na periferia da capital paulista.

Na área de cerca de 100 hectares, as famílias cultivam alimentos como mandioca, abacate e uva. A Comuna da Terra Irmã Alberta junto a outros dois assentamentos, Dom Tomás Balduíno e Pedro Casaldáliga, produz em média uma tonelada de alimento sem veneno por semana que serve de subsistência para as famílias e também é comercializado através de redes solidárias de consumo.

Em 20 de julho de 2002, as famílias ocuparam a terra, a partir de uma articulação feita junto à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e com o apoio da Irmã Alberta, que hoje é homenageada com o nome do acampamento. A área pertence a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e seria destinada para uma espécie de lixão.

“Aqui tem uma particularidade: embora a Sabesp tenha a maior parte do capital público, tem uma parte da iniciativa privada. Do ponto de vista da legalidade, se fosse uma propriedade privada caberia uma ação como usucapião, por exemplo. Entretanto, como é pública, impede a ação judicial de usucapião”, explica Gilmar Mauro dirigente do MST.

O dirigente conta que no final do governo de Geraldo Alckmin a situação de regularização das famílias em assentamento esteve próxima a um desfecho. “Mas tivemos os revezes nas eleições e a situação se encontra parada no momento”, aponta, em referência à vitória de Jair Bolsonaro como presidente e de João Doria como governador. “Este é um momento de correlação de forças muito ruim para nós. Se conseguirmos alterar um pouco essa correlação de forças no próximo período, certamente melhorará as condições para um processo de negociação”, pondera Gilmar Mauro.

Missa realizada durante a celebração dos 17 anos de resistência do acampamento

De volta à terra

“Em 2002 foi quando eu botei a mochila nas costas, tranquei a portinha da casa, radicalizei e disse: eu vou. Quando eu pisei no chão do acampamento, falei: acho que esse sempre foi meu lugar”, resume a paraibana Maria Alves, de 66 anos. Foram 27 anos morando na Vila Brasilândia, na periferia de São Paulo, antes de chegar a Comuna da Terra Irmã Alberta.

Filha de casal de agricultores, ela conta que a família saiu do nordeste na década de 1950, em um pau de arara, para trabalhar em fazendas no interior do Paraná e de São Paulo. “Não tínhamos terra, nem no Nordeste, nem aqui. Eu e meus pais fomos arrendatários, com patrão que já trabalhava com monocultura e com agrotóxicos”, conta.

Depois de mais de uma década, a família conseguiu comprar um pequeno sítio no oeste paranaense. “Foi a libertação. Decidíamos o que plantar e como plantar, já tudo sem usar veneno”.

Maria Alves se casou e precisou voltar a trabalhar em outra fazenda, até que, no início dos anos 1970, se mudou com o marido e o filho para a capital paulista. “Meu marido decidiu que não queria mais ficar na lavoura. Eu não queria ir embora, mas naquele tempo a mulher tinha que acompanhar o marido. Então eu vim para São Paulo. Eu, que não tinha nem morado em cidade pequena”, conta. Ela trabalhou no comércio e em serviços de zeladoria, mas se sentia “um peixe fora d’água”.

O dia a dia na periferia, fez Alves se envolver com movimentos populares para reivindicar melhores condições no bairro. “A gente foi fazendo uma militância urbana sem saber que era militante”, resume. Com os filhos adultos, surgiu a oportunidade da agricultora voltar para a vida na roça e participar da ocupação. Hoje, ela exibe orgulhosa a produção variada de hortaliças no quintal de casa e a agrofloresta que ajudou a recuperar.

Assim como Maria, a maioria dos moradores da comuna tem origem camponesa. “Muitos já sabiam plantar, tinham sido ex-agricultores, mas outros nunca tinham manejado roça. O MST investe mesmo em estudo, nas formações e, assim, fomos aprendendo os manejos corretos e a melhor forma de trabalhar sem agrotóxico e sem adubo químico”, diz.

Projeto para futura escola

As crianças da Comuna da Terra Irmã Alberta aguardam a construção da Ciranda Luiz Beltrame. O intuito é que o local também atenda outras famílias de comunidades da região que carece de creches. Francisco Barros, educador e construtor que integra o MST, explica que as creches disponíveis ficam muito longe, dificultando a ida das crianças.

O espaço não será construído com tijolo e cimento convencional. “O tipo da construção vai ser como o MST faz na produção de alimentos, só que na produção de espaço: uma construção agroecológica. Vamos utilizar os materiais daqui mesmo, como o bambu, a madeira, o sapé, e fazer os tijolos de adobe e de taipa”, explica o educador. “Com o conhecimento técnico vai ficar tudo bem feitinho. E o povo daqui sabe muito bem construir”.

A Ciranda será a primeira parte a ser construída do projeto de escola agroecológica que também terá espaços como biblioteca, horta, salas de aula, auditório e cozinha. Barros explica que a cozinha também funcionará como uma pequena agroindústria, sendo um espaço para beneficiar as frutas e hortaliças produzidas no acampamento, transformando-as em geleias, por exemplo.

A campanha de arrecadação de fundos para a construção da Ciranda iniciou em junho e segue até o final do ano. A expectativa é que as obras iniciem em 2020, com a contribuição dos agricultores e de engenheiros, arquitetos e estudantes.

Por Brasil de Fato

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