Consciência Negra é combater o racismo e a violência

Discurso do “narcoterrorismo” é usado para justificar ações violentas e sem controle, sem qualquer parâmetro democrático

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Eloi Ferreira de Araujo, ex-ministro da SEPPIR e Rodrigo Nascimento, ex-presidente do MUHCAB

A recente operação policial no Complexo do Alemão, marcada por letalidade extrema, expõe a permanência de um modelo de segurança pública que insiste em tratar periferias e favelas, que majoritariamente ocupados por populações negras como territórios inimigos. O discurso do “narcoterrorismo” é usado para justificar ações violentas e sem controle, sem qualquer parâmetro democrático. Nem mesmo países historicamente afetados pelo crime organizado, classificaram a máfia como terrorismo. Esse conceito não dialoga com política pública de segurança, que impõe planejamento e sobretudo, inteligência.

No mês dedicado a Consciência Negra e combate ao racismo, voltamos a testemunhar a banalização da morte negra. É impossível enfrentar esse tema sem reconhecer que a violência institucional opera de forma seletiva e reiterada. Nesse cenário, é crucial reafirmar a centralidade de marcos legais estruturantes como a Lei 10.639 e, principalmente, a Lei 12.288, o Estatuto da Igualdade Racial. Muito além de um compêndio simbólico, o Estatuto estabelece diretrizes obrigatórias para que o Estado brasileiro promova equidade racial em educação, saúde, comunicação, cultura, trabalho, segurança e acesso a políticas públicas. Entretanto, sua implementação concreta permanece insuficiente e descontínua. A ausência de orçamento, de fiscalização e de políticas efetivas compromete sua capacidade de transformar a vida da população negra. O Estatuto só terá sentido pleno quando suas determinações deixarem de ser promessa legal e se converterem em política de Estado com metas, indicadores e resultados.

A luta antirracista também precisa dialogar com a justiça ambiental. Quilombolas, indígenas, ciganos e moradores de periferias urbanas majoritariamente negros são os mais afetados por poluição, enchentes, ocupações forçadas, ausência de saneamento e degradação territorial. Esse quadro tem nome: racismo ambiental, expressão direta da desigualdade racial que moldou o país. A transição ecológica debatida na agenda global, incluindo a COP 30, só será legítima se incorporar a dimensão racial, reconhecendo que não existe justiça climática sem justiça racial.

O país convive com indicadores terríveis em 2023, quase 90% dos mortos pela polícia eram negros; 84% da população preta relatou ter sofrido preconceito racial; o risco de homicídio é 2,7 vezes maior entre pessoas negras; e 79% das mortes violentas registradas em 2024 vitimaram pessoas negras.

Consciência Negra e combate ao racismo, portanto, não podem ser reduzidos a discursos ou a rituais simbólicos. Trata-se de um chamado nacional para enfrentar escolhas políticas que historicamente produziram exclusão, morte e desigualdade. O racismo é uma ofensa que alcança primeiro aos negros e a sociedade em toda a sua dimensão. Seja no reconhecimento da lentidão do Estado na redução dos causadores das graves desigualdades que ainda enfrentamos após quase 140 anos do fim da escravidão, seja nos indicadores da economia, seja no sentimento nacional de brutalidade e de ausência de empatia que permeia alguns setores sociais

A implementação plena da Lei 12.288 é uma exigência civilizatória que vai ao encontro da igualdade de oportunidades e é central para estabelecimento de políticas permanentes de equidade racial. O acesso aos bens materiais, econômicos e culturais em igualdade de oportunidades são medidas para enfrentamento do racismo estrutural e para construir uma sociedade justa, fraterna e digna para todas e todos.

Temos muito que avançar muito e rápido. Valeu Zumbi!

*Eloi Ferreira de Araujo  é ex-ministro da SEPPIR
*Rodrigo Nascimento é ex-presidente do MUHCAB – Museu da História e da Cultura Afro-brasileira

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