CPI: kit covid de Bolsonaro aplicado pela Prevent abreviou vidas de pacientes

Parlamentares ouviram, nesta quinta (7), Walter Neto, ex-médico da operadora e paciente que sobreviveu a experimento macabro e tratamento paliativo. “Quase morri desnecessariamente”, relatou Tadeu Andrade

A prescrição de medicamentos ineficazes contra a Covid e potencialmente letais para pacientes contaminados com a doença ganhou contornos de um filme de terror no Brasil de Bolsonaro. Os relatos de Walter de Souza Neto, ex-médico da Prevent Senior, e do usuário Tadeu Frederico Andrade, que sobreviveu à administração das drogas e à tentativa de removê-lo da UTI mesmo com um quadro grave da doença, são estarrecedores. Os dois foram ouvidos pela CPI da Covid nesta quinta-feira (7). Aos senadores, Neto revelou que sofreu pressão da operadora para prescrever as drogas e até para não usar máscara no atendimento para não “assustar” pacientes. Ele também confirmou que recebeu ameaças do diretor-executivo da Prevent, Pedro Benedito Batista Júnior, que o pressionou a não levar as denúncias para a imprensa.

A Prevent foi a principal base de apoio do gabinete paralelo de Bolsonaro, e colocou em prática as teses negacionistas de médicos como Nise Yamagichi e da secretária de gestão do trabalho e da educação da Saúde, Mayra Pinheiro, árduas defensoras da cloroquina. A promoção indiscriminada dos medicamentos turbinou uma indústria milionária, que lucrou muito com a repentina procura por cloroquina e outras drogas do kit covid, a partir do ano passado.

Tanto Souza quanto Andrade contaram como é feito o uso do tratamento paliativo, pelo qual é administrada morfina a fim de aliviar o sofrimento de um paciente desenganado. No caso de Andrade, que ainda lutava pela vida, o tratamento foi recomendado com base no prontuário de outro paciente. Ele só sobreviveu porque a família não aceitou a recomendação e ameaçou levar a questão à Justiça e à imprensa.

“O argumento era que meu caso não tinha mais solução, rins e pulmões comprometidos e que, eventualmente, se eu sobrevivesse, seria um paciente com problemas renais crônicos e problemas respiratórios também”, informou Tadeu Andrade.

A recomendação incluía a transferência de Andrade da UTI para um leito híbrido. “Lá eu teria, segundo as palavras da doutora Daniela [médica de operadora], maior dignidade e conforto, e meu óbito ocorreria em poucos dias. Seria administrada em mim uma bomba de morfina e todos os meus equipamentos de sobrevivência na UTI seriam desligados”, contou o sobrevivente. Ele disse ainda que, no caso de uma parada cardíaca durante o processo, a recomendação era que não tentassem reavivá-lo. “Quase morri desnecessariamente”, afirmou Andrade.

Hino

O médico descreveu as estranhas práticas da operadora, que tem até um hino de louvor cantado pelos médicos como ato de lealdade à Prevent. “Houve um hino, também. Os chefes de plantão basicamente se chamavam, durante um bom tempo, de guardiões. Esses chefes de plantão tinham reuniões que, às vezes, eram mensais, e tinham esse hino pra poder cantar. Eu participei uma única vez de uma reunião dessas e, sim, a gente teve que ficar de pé, com a mão no peito, cantando o Hino dos Guardiões. Foi uma coisa meio constrangedora, de fato”, relatou Souza Neto.

O senador Humberto Costa (PT-PE) questionou Tadeu Andrade se ele recebeu algum telefonema do ministro da Saúde Marcelo Queiroga, manifestando solidariedade ao usuário da Prevent. Andrade afirmou que não foi procurado por ninguém do ministério.

CMF e CREMESP

“Sabe onde estava o doutor Queiroga hoje? Em uma reunião com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o mesmo que permitiu que todos esses absurdos ocorressem”, disse. “Aliás, quem deveria lhe telefonar é o presidente da República, para prestar solidariedade, para dizer que esse crime que cometeram contra o senhor não vai ficar impune”.

O senador responsabilizou o CMF pela omissão no escândalo da Prevent Senior e garantiu que a comissão já possui elementos para indiciar o presidente o órgão, Mauro Luiz de Brito Ribeiro. Na quarta-feira (6), ele foi incluído na lista de investigados pela CPI.

Do mesmo modo, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) também acusou o Conselho Regional de Medicina de São Paulo de prevaricação. “São gravíssimas as denúncias do médico Walter Neto”, alertou Carvalho. “A Prevent Senior desrespeitava a autonomia médica. O plano de saúde proibia que os profissionais usassem até mesmo as máscaras de proteção. Enquanto isso, o CREMESP se mantinha em silêncio”, denunciou.

Tratamento experimental

Humberto Costa também quis saber detalhes do tratamento experimental, parte de uma pesquisa realizada pela Prevent, ao qual Andrade foi submetido. Ele contou que recebeu medicamentos sem autorização dele ou da família, caso da flutamida, uma droga utilizada para tratamento contra câncer de próstata. “Estamos confirmando tudo o que foi dito por quem apresentou as denúncias”, constatou o senador.

Sobre a pesquisa, Souza Neto declarou aos senadores que o levantamento da Prevent Senior, usado para sustentar a tese do tratamento precoce, era reconhecido como fraudulento pelos próprios profissionais da operadora. “Diziam que ninguém ia a óbito ou era intubado. Além do estudo ser muito ruim, quando foi publicado, em abril, os médicos sabiam que era fraude”, observou Souza Neto.

Queiroga

Durante a sessão, os senadores aprovaram uma nova convocação de Marcelo Queiroga à CPI. Os senadores denunciaram interferência de Queiroga na alteração da pauta da reunião da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que abandonou análise de um parecer sobre o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19.

O relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL) anunciou que irá propor o indiciamento do ministro. “A gente já teve acesso a tanta coisa do ministro da Saúde, a sua conversão ao negacionismo, as mentiras repetidas nas duas vezes que esteve na comissão parlamentar de inquérito, agora a suspensão das vacinas para adolescentes”, disse o senador, no início da oitiva.

Da Redação

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