Deputado Padilha questiona Defesa sobre “fuga” de Weintraub
Deputado quer saber se o ex-ministro da Educação usou avião da FAB para viajar para os Estados Unidos. Para subprocurador, retificação de data de exoneração confirma “fraude” do governo. Tese é usada por advogados para forçar abertura de processo de impeachment na Câmara
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O ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) enviou nesta quarta (24) um requerimento de informação ao Ministério da Defesa questionando se o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub utilizou aeronave pertencente à Força Aérea Brasileira (FAB) para deixar o país.
“Em caso positivo, qual a justificava utilizada pelo senhor Abraham Weitraub ou pelo Ministério da Educação para o emprego do uso de aeronave pública para esta viagem?”, questiona o documento, que também requer informações sobre o trajeto realizado, os custos da viagem para os cofres públicos e os nomes dos passageiros e tripulantes.
O pedido de Padilha se baseia em publicação do grupo de hackers Anonymous Brasil, desta terça (23), que pede informações sobre “o vôo de uma aeronave do modelo VC-2 partindo da ALA 1 na madrugada do dia 20 de junho em Brasília com destino à Flórida”.
Os mais de 30 aviões e helicópteros oficiais de transporte executivo da FAB são operados pelo Grupo de Transporte Especial (GTE) da Força, baseado em Brasília. Para cada modelo há uma tripulação especializada à disposição por 24 horas.
Segunda maior aeronave na hierarquia executiva da FAB, o VC-2 é um Embraer Lineage 1000, versão executiva do jato comercial E190. É conhecido entre os militares como “avião do vice-presidente”, e pode realizar grandes rotas, como Brasília-Miami.
O ex-ministro afirmou em entrevista que precisava deixar logo o país, pois temia ser preso. Nesta segunda (22), no Twitter, afirmou que recebeu a ajuda de “dezenas de pessoas” para “chegar em segurança aos Estados Unidos”. “Agradeço a todos que me ajudaram a chegar em segurança, seja aos que agiram diretamente [foram dezenas de pessoas] ou aos que oram por mim”, postou o ex-ministro.
Weintraub viajou na sexta (19) para Miami e já se encontrava nos Estados Unidos na manhã de sábado, horas antes de a exoneração ser oficializada no Diário Oficial da União. A ida às pressas antes mesmo de oficializada a demissão levantou dúvidas sobre como ele entrou em território americano e como vai permanecer no país com as restrições impostas a passageiros que chegam do Brasil em meio à pandemia do coronavírus.
Os EUA proibiram, no fim de maio, a entrada de estrangeiros que estiveram no Brasil nos 14 dias anteriores — isso devido ao avanço do coronavírus no país. Uma das exceções é para integrantes do governo em missões estatais.
Como entrou nos Estados Unidos sem cumprir missão oficial, Weintraub pode ter burlado as restrições por causa da Covid-19 e ludibriou a Imigração. Se foi questionado a respeito, pode ter mentido para os agentes da Imigração. Na entrada no país, o ex-ministro deve ter recebido um prazo para permanecer legalmente no país, mas talvez por meio do uso indevido do passaporte diplomático.
Se o caso chegar ao Serviço de Imigração, as autoridades americanas podem abrir uma investigação e até prender o ex-ministro por entrar no país com passaporte diplomático indevidamente. E, quem sabe, por mentir para os agentes da Imigração (o que é grave). De uma maneira ou de outra, ele poderá ter de responder a um processo e comparecer a uma audiência presidida por um juiz de imigração.
“As autoridades governamentais que viajam para os Estados Unidos para cumprir funções não governamentais, de natureza comercial ou viajando como turistas, devem obter os vistos apropriados e não se qualificam para vistos A”, informa o Departamento de Estado dos Estados Unidos. Somente chefes de Estado não precisam justificar o motivo da viagem.
Autoridades estrangeiras só podem entrar nos EUA com passaporte diplomático para “cumprir deveres ou atividades em favor de seus governos apenas”. Ministros de Estado têm direito a passaporte diplomático, e Weintraub foi beneficiado com o documento em julho de 2019, segundo informações do Ministério das Relações Exteriores. Não há informação oficial se ele fez uso desse passaporte e se viajou com a família.
Em pedido similar feito ao governo federal via Lei de Acesso à Informação, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) também questionou se Weintraub foi recebido nos Estados Unidos por Nestor Forster, indicado a embaixador do Brasil em Washington.
A Lei 8.112 diz que um ministro só pode deixar o País com autorização do presidente. Weintraub chegou aos EUA um dia antes de Donald Trump cortar os vistos de trabalho. Em um post no Twitter na segunda (22), Weintraub agradeceu a todos que o ajudaram a “chegar aos Estados Unidos com segurança”.
Oposição alerta embaixador dos Estados Unidos
Os seis partidos de oposição na Câmara dos Deputados (PT, PCdoB, PSOL, PSB, PDT e Rede) encaminharam carta na terça (23) ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd C. Chapman, manifestando preocupação com a entrada de Weintraub no país.
No documento, os oposicionistas narram a misteriosa viagem do ex-ministro com passaporte diplomático, embora não já tivesse o status de membro do governo Bolsonaro, e manifestam preocupação com a possibilidade de ele ter fugido para os Estados Unidos a fim de se esquivar de processo movido pelo STF sobre a criação e distribuição sistêmica de fake news.
“Pedimos que a embaixada americana e o Departamento de Estado dos Estados Unidos clarifiquem as condições em que foi cedida a entrada de Weintraub nos EUA e em qual status ele permanece no país, tendo em vista que não mais representa o governo brasileiro, nem qualquer órgão internacional”, afirma a oposição.
Os partidos da oposição lembram na carta que Weintraub, durante o tempo em que foi ministro (abril de 2019 a junho de 2020) tornou-se notório “por sua postura ideológica, retrocedendo diversas políticas públicas educacionais, incluindo a suspensão das cotas para pessoas negras e indígenas no acesso às universidades, além de buscar violar os princípios de neutralidade e liberdade acadêmica”.
E recordam que o ex-ministro bolsonarista também se destacou “por sua retórica agressiva em defesa de ideologias de extrema direita, ao ponto de fazer comentários racistas contra o povo chinês, além de chamar membros do STF de “vagabundos,” afirmando que estes deveriam ser presos por suas decisões judiciais”
O documento é assinado, entre outros, pelo líder na Câmara do PT, Enio Verri (PR), o líder da Minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e o da Oposição no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), além da presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Funcionários do Banco Mundial repelem Weintraub
E se é indesejado no Brasil, nos Estados Unidos Weintraub começa a se tornar um estorvo. A associação de funcionários do Banco Mundial enviou uma carta nesta quarta (24) ao Comitê de Ética da instituição pedindo uma investigação sobre ele. A entidade quer que a nomeação do brasileiro para assumir uma diretoria executiva do banco fique suspensa até a conclusão da investigação.
O motivo do pedido são falas preconceituosas do ministro sobre a China e minorias, além do posicionamento a respeito da prisão de ministros do Supremo. “O Banco Mundial acaba de assumir uma posição moral clara para eliminar o racismo em nossa instituição. Isso significa um compromisso de todos os funcionários e membros do Conselho de expor o racismo onde quer que o vejamos. Confiamos que o Comitê de Ética compartilhe dessa visão e faremos tudo ao alcance para aplicá-lá”, afirma a associação de funcionários.
O e-mail com o pedido de investigação foi direcionado ao Comitê de Ética do banco e encaminhado a todos os funcionários da instituição. Na carta, os funcionários afirmam que “de acordo com múltiplas fontes, o senhor Weintraub publicou um tuíte de carga racial, ridicularizando o sotaque chinês e culpando a China pela covid-19, e acusando os chineses de ‘dominação mundial’; levando a Suprema Corte a abrir uma investigação por crime de racismo”. A carta também cita que Weintraub sugeriu que ministros do STF deveriam ser presos.
Weintraub foi indicado pelo Ministério da Economia para a diretoria executiva que representa o Brasil e mais oito países no banco. Sua confirmação depende de uma eleição interna do grupo, mas é considerada protocolar, já que o Brasil tem mais de 50% do poder de voto e por isso pode emplacar o nome que desejar. Se eleito, Weintraub vai servir até 31 de outubro de 2020, quando será necessário nova nomeação e eleição.
Não houve até o momento oposição formal por parte dos outros países que formam o consórcio junto com o Brasil, que são Colômbia, Filipinas, Equador, República Dominicana, Trinidad e Tobago e Suriname.
“Embora sua indicação tenha sido condenada por vários países clientes, a Associação de Funcionários entende que a escolha deste diretor executivo é do Brasil e somente do Brasil”, afirmam os funcionários. Apesar disso, eles argumentam que são exigidos padrões de integridade e ética na conduta pessoal e profissional alinhados com políticas do banco, como a política sobre populações indígenas.
“Solicitamos formalmente ao Comitê de Ética que reveja os fatos subjacentes às múltiplas alegações, com intenção de (a) colocar sua indicação em espera até que essas alegações possam ser revisadas e (b) garantir que o Sr. Weintraub seja avisado de que o tipo de comportamento pelo qual ele é acusado é totalmente inaceitável nesta instituição”, pede a Associação.
Para procurador, Weintraub cometeu fraude
A exoneração do chefe do MEC foi publicada depois de Weintraub sair do país, mais de 36h após o anúncio da saída dele da pasta. Nesta terça (23), o governo retificou o decreto de exoneração, afirmando que ele valia a partir de sexta-feira, e não mais sábado. Ou seja, quando entrou nos Estados Unidos, Weintraub não era mais ministro.
Em contato com a coluna do jornal ‘Estado de S. Paulo’, um ministro do STF avaliou reservadamente que o episódio indica a existência de uma “índole delinquente” do governo, sempre tentando, por meio escuso, burlar as regras, “trapacear”.
Ainda segundo a coluna, juristas acham que, de novo, o Executivo cruzou a linha amarela e cometeu crime de responsabilidade. Resta saber se foi com a anuência do presidente ou “apenas” da Casa Civil. A eventual participação do general Braga Netto no episódio também conturbou o ambiente com o Supremo.
O subprocurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, afirmou que a retificação confirma que houve fraude no processo. “Antes, era ilegal e parecia haver fraude. Agora, confirmou. Em uma questão tão sensível, não se pode falar em mero erro”, disse Furtado ao ‘Estado de São Paulo’.
Na segunda, o Ministério Público junto ao TCU ingressou com uma representação para que a Corte apure uma possível participação do Itamaraty na viagem do ex-ministro. Na representação, é questionado o eventual uso de passaporte diplomático por Weintraub.
O sub-procurador ressaltou que a viagem não detinha nenhum caráter oficial, “o que lhe retira a finalidade pública” e, por isso, o passaporte diplomático não poderia ter sido utilizado como justificativa para o então ministro ingressar no país. “Se houve o emprego de valores públicos em qualquer fase desta viagem, esses recursos foram indevidamente empregados e deverão ser ressarcidos ao erário”, destaca Furtado no documento.
Caso reforça pedido de impeachment
Os advogados José Rossini Campos do Couto Corrêa e Thiago Santos Aguiar de Pádua apresentaram ao Supremo Tribunal Federal um reforço para a ação que visa obrigar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a analisar pedido de impeachment movido contra Bolsonaro.
No documento, os advogados alegam que “sem nenhum tipo de escrúpulo ou controle” Bolsonaro vem reincidindo em crimes de responsabilidade, citando ainda três fatos novos: a ordem de invasão de hospitais, a “fuga” de Weintraub para os Estados Unidos e a prisão do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, em imóvel de propriedade de advogado de Bolsonaro.
A petição foi apresentada nesta quarta, 24, e dirigida ao ministro Celso de Mello, relator do caso. Na ação em questão, o último ato do decano foi despachar comunicado ao Palácio do Planalto para informar o presidente sobre o processo e ainda abrir espaço para ele se manifestar e contestar a ação. No documento, Corrêa e Pádua apontam suposta “atitude em conluio” de Bolsonaro e Weintraub.
“Como se já não fosse o suficiente, o presidente da República cometeu outro potencial crime de responsabilidade quando simulou, com desvio de finalidade, a exoneração do então Ministro da Educação Abraham Weintraub, o pior de que se tem notícia na história do Brasil, e talvez do mundo, para que este último pudesse sair do país e ingressar nos Estados Unidos usando passaporte diplomático, fugindo das barreiras sanitárias e fitossanitárias impostas, confirmando o crime de responsabilidade quando da posterior ‘retificação’ da data da exoneração”, registra a petição enviada ao STF.
Os advogados pediram cooperação dos Estados Unidos com urgente informação sobre “quaisquer contatos (formais ou informais) realizados pelo governo brasileiro (por quaisquer de seus membros da chancelaria ou de qualquer espécie)” relacionados ao ingresso de Weintraub no país.
“Esse tipo de desprezo, verdadeiramente abjeto para com a República, tem sido ecoado nas falas, comportamentos e omissões do Presidente da República, que não ostenta as condições necessárias para a dignidade que o cargo exige, já tendo perdido de há muito, as condições de governar”, concluem os advogados no documento.