Desinformada sobre o vírus, Yamaguchi entrega “gabinete paralelo”
Na CPI, médica também defende imunidade de rebanho e é desmentida por Rogério Carvalho (PT-SE): “Ser acometido por um vírus não produz imunidade”, reagiu Carvalho
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Contradições, mentiras e respostas evasivas, o modus operandi de aliados de Jair Bolsonaro em depoimentos à CPI da Covid, viraram rotina nos trabalhos da comissão. Mas, pela primeira vez, o completo desconhecimento sobre a pandemia de Covid-19, aliado a narrativas para desinformar a população – como a imunidade de rebanho – quase transformaram o convite da médica Nise Yamaguchi, nesta terça-feira (1º), em uma convocação na qualidade de testemunha. Segundo a equipe de checagens do relator Renan Calheiros (MDB-AL), a médica caiu em contradição pelo menos 13 vezes.
Já no início da sessão, a defesa enfática da médica do tratamento precoce com cloroquina para tratar Covid-19 e o discurso contra vacinas irritou senadores e até o presidente da CPI. Ela se disse contra uma vacinação “aleatória” da população e foi imediatamente cortada pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). “Não acreditem nela!”, interrompeu Aziz.
Yamaguchi negou o funcionamento de um “gabinete paralelo” de Bolsonaro, ao mesmo tempo em que entregou integrantes do “ministério das sombras”, como se refere Calheiros sobre o grupo de conselheiros de Bolsonaro que atuavam fora do Ministério da Saúde. Ela citou nomes como o empresário Carlos Wizard, o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub, o médico Luciano Azevedo e o deputado Osmar Terra, considerado um dos maiores defensores da tese da imunidade de rebanho, como pessoas que trataram da crise com o Planalto.
A médica negou ainda que houve tratativas para uma mudança na bula da cloroquina, como afirmaram os ex-ministros da Saúde Henrique Mandetta e Nelson Teich e o diretor da Agência Nacional e Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em seguida, caiu em contradição sobre o número de reuniões que teve com o presidente e de quem partiu os convites dentro do governo para que ela participasse do grupo de aconselhamento. Ela afirmou, por exemplo, que nunca participou de encontro com Bolsonaro sozinha. “Falsa declaração: documentos obtidos pela CPI comprovam que no dia 15/5/20, às 10h45, a declarante esteve no Palácio do Planalto, em reunião com o presidente da República”, apontou documento de checagem do relator.
Está claro que foi este gabinete paralelo ao Ministério da Saúde que orientava Jair Bolsonaro na sua estratégia genocida de imunidade de rebanho, com contaminação em massa dos brasileiros ao vírus. #CPIdaCOVID19 pic.twitter.com/slZW7G1ZlW
— Rogério Carvalho ??? (@SenadorRogerio) June 1, 2021
“Gabinete da cloroquina”
Nise se referiu a um gabinete de “crise” montado, segundo ela, oficialmente, mas do qual teria participado apenas como “colaboradora eventual”. Ao senador Humberto Costa (PT-PE), ela admitiu que o tal gabinete não tratou de número de mortos, medidas de isolamento, uso de máscaras, nem sobre vacinas.
“Não sei que gabinete de crise era esse de Bolsonaro”, reagiu Costa. “Tudo o que se tinha que falar e discutir como medida, não se falava. Esse gabinete era, na verdade, da cloroquina. Enquanto o Brasil discutia todas essas medidas, o presidente não era aconselhado sobre coisas tão importantes, evidentes”, criticou o senador, reforçando a existência de um gabinete paralelo.
Desconhecimento e desinformação
No momento mais constrangedor da sessão, o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, constatou que a médica não tem conhecimento de infectologia. Ela não soube responder perguntas como a diferença entre um vírus e um protozoário.
“A senhora não sabe nada de infectologia, nem estudou, doutora. A senhora foi aleatória mesmo, superficial. A senhora não podia de jeito nenhum estar debatendo um assunto que não é do seu domínio. Isso não é honesto, doutora”, alfinetou Alencar.
Imunidade de rebanho
A médica foi interrompida pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) no começo de sua fala, ao insistir na imunidade de rebanho, defendida por Bolsonaro, que aposta na contaminação em massa pela livre circulação do vírus. Yamaguchi afirmou que a imunidade é “um fato” e que acontece quando uma grande quantidade de pessoas foi imunizada ou teve contato com o vírus.
“Ser acometido por um vírus não produz imunidade”, desmentiu Carvalho. “Nós não podemos nos escudar por uma profissão milenar [medicina] para desinformar a população, sob nenhuma hipótese. Isso é contra os princípios fundamentais que nos fazem ser médicos: a defesa da vida”, afirmou o senador.
E concluiu: “A senhora disse uma frase que não é correta: não existe imunidade para um vírus quando você é contaminado por outro vírus. Por favor”, reclamou Rogério Carvalho.
“Eu acho que foi muito produtiva a vinda da doutora Nise Yamaguchi”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE). “Fica muito evidente que ela sempre foi uma voz importante para a construção dessa concepção profundamente equivocada que o presidente da República tem e que conduziu o Brasil a essa tragédia sanitária, econômica, política e social”.
Wajngarten
Rogério Carvalho defendeu a reconvocação do ex-chefe da Secom Fábio Wajngarten à CPI. De posse de dados divulgados pela Lei de Acesso à Informação, o senador afirmou que o governo gastou apenas R$ 5 milhões em campanhas por vacina mas torrou 19,5 milhões na divulgação de “tratamento precoce” e mais R$ 30 milhões em campanhas incentivando o retorno das atividades.
“Isso mostra claramente que a pandemia foi conduzida no sentido de promover a expansão do contágio entre todos os brasileiros e brasileiras. E nós estamos colhendo os frutos mais fúnebres, que são 462 mil mortes”, lamentou o senador.
Da Redação