Desmoralizada, Lava Jato tenta intimidar advogado na Paraíba

Agassiz Filho tornou-se alvo da Associação Paraibana do Ministério Público após criticar os métodos do braço da operação no estado. A entidade convocou todos os afiliados a moverem um processo contra o professor de Direito Constitucional na Universidade Estadual da Paraíba

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Agassiz Filho, advogado sob ameaça da Lava Jato

Em seus estertores finais após a exposição dos abusos cometidos ao longo do tempo, o lavajatismo ainda tenta intimidar oponentes. O novo episódio de perseguição tem como protagonista a Associação Paraibana do Ministério Público (APMP), que convocou procuradores e promotores de Justiça do estado para uma assembleia virtual em que será decidido se a entidade processará Agassiz Filho, advogado professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

“A diretoria da Associação Paraibana do Ministério Público [convoca] todos os seus associados titulares em dia com as obrigações estatutárias para uma Assembleia Geral Extraordinária, a ser realizada no dia 6 de novembro de 2020, de forma remota […] para fins de votação para autorização de ação coletiva de indenização da APMP em face das postagens do advogado Agassiz Almeida Filho no perfil da rede social Instagram do candidato a Prefeito da Capital @realcoutinho”, diz o edital, assinado pelo promotor de Justiça Márcio Gondim, presidente da APMP.

O ex-governador do estado Ricardo Coutinho (PSB) é candidato a prefeito de João Pessoa e se tornou alvo da “Operação Calvário”, braço paraibano da lava jato. Na postagem mencionada no edital, Agassiz Filho diz que “o papel do Ministério Público não é acusar de forma leviana, sem provas, e utilizando a imprensa como instrumento para convencer a opinião pública”, o postulante à prefeitura de João Pessoa.

O professor denunciou nas redes sociais os planos da APMP de processá-lo e disse que o lavajatismo tem se manifestado na Paraíba via operação calvário. “O que está acontecendo neste caso é que o Ministério Público não está prejudicando apenas Ricardo Coutinho. O Ministério Público está prejudicando também o povo da Paraíba e o povo de João Pessoa porque está criando a condição necessária para que as pessoas se confundam e pensem que Ricardo Coutinho de alguma maneira se desviou do caminho ético, sério e profissional que ele sempre observou”, completou.

O advogado e professor da UEPB, que é crítico contumaz da lava jato, comentou o caso em entrevista concedida à ‘Revista Fórum’. Ele afirmou que a reação do MP seu deu tão somente porque os seus membros não aceitam críticas.

Segundo o professor, os procuradores que decidirem, de fato, processá-lo, devem argumentar que ele atingiu a imagem do MP por dizer que a operação calvário age de maneira leviana. “Mas de fato a operação calvário agiu assim. Afinal, quando um processo é levado adiante com base em delações premiadas não comprovadas e com amplo apoio da imprensa, é um processo leviano”, disse.

Para Agassiz Filho, no entanto, apesar de correr o risco de ser alvo de uma ação coletiva, simplesmente por criticar uma operação, o fato não representa uma “perseguição” contra ele especificamente. “O que está sendo perseguido é um conjunto de ideias lastreado na Constituição e na doutrina jurídica, aspectos que a Operação calvário tem desconhecido desde o princípio”, pontuou.

O advogado, contudo, chamou a atenção para o fato de que desconhece outras ocasiões em que uma associação reuniu todos os membros do MP local para processar uma pessoa por conta de suas opiniões. “Não conheço precedente”, destacou.

Para Agassiz Filho, a AMPM sofre “pressão política” de alguns membros da operação calvário. “Alguns membros da calvário estão fora de controle. Não sabemos quem são eles, mas a operação visivelmente se desenvolve de forma meio diferente”, afirmou o professor, dando um exemplo do desvio de conduta.

“Estão conseguindo interferir na eleição de um município aqui do litoral paraibano: município de Conde. A prefeita é uma das vítimas da Calvário e candidata à reeleição. Ela, prefeita Márcia Lucena, sofre medidas judicias que limitam a sua mobilidade. Os advogados pediram a suspensão das medidas para que ela pudesse concorrer em pé de igualdade com os demais candidatos. O desembargador relator do caso mandou ouvir o Ministério Público e ninguém se manifestou até agora. Essa inação é mais um capítulo do lavajatismo interferindo no processo eleitoral”, revelou.

“Não me refiro a ninguém em particular quando analiso a operação calvário. Veja, eu critico a operação lava jato há cinco anos, em livros, artigos, pareceres, cursos e conferências e não sei quem são os integrantes da operação, a não ser, obviamente, aqueles que todos nós conhecemos em razão das suas aparições públicas”, afirmou Agassiz Filho ao portal ‘Esquerda Virtual’.

Para ele, “a análise, neste caso, não se volta contra o Ministério Público Federal de Curitiba ou as pessoas que participam da operação. O foco é o método imoral, ilegal e inconstitucional que a Lava Jato utilizou e deu origem ao lavajatismo. A condenação de Lula já é vista internacionalmente como um dos absurdos judiciais mais gritantes das últimas décadas”.

Lista de críticos cresce a cada dia

À ‘Fórum’, Agassiz Filho disse que alguns membros da operação não aceitam críticas. “Juristas importantes, como J.J. Gomes Canotilho e Lenio Streck, fazem as mesmas críticas. O fato de essas críticas terem ganhado destaque durante as eleições municipais, com Ricardo Coutinho na disputa, seguramente teve um certo peso para essa decisão da Associação Paraibana do Ministério Público. Mas creio que a aversão às críticas bem construídas e justificadas juridicamente foi o fator decisivo”, declarou.

O jurista e professor Lenio Streck tratou do tema em sua coluna na revista ‘Consultor Jurídico’ (ConJur). No texto, ele afirma que a convocatória é inédita. “Pelo andar da carruagem, os críticos dos métodos da lava jato e da força-tarefa do MP na lava jato devem ficar atentos. O próximo a ser processado deverá ser o ministro Gilmar, depois JJ. Gomes Canotilho, Luigi Ferrajoli, Kakay, eu mesmo… E a lista é grande”, ironizou.

Ainda de acordo com ele, “em vez de o Ministério Público (parte dele, sem generalizar, por óbvio — afinal conheço bem a instituição e sei separar o joio do trigo) cuidar de sua missão constitucional — que é bela, fruto de muita luta, inclusive minha —, fica preocupado em processar professores por ‘crime de hermenêutica'”.

“Deve ser um crime hediondo ousar fazer críticas a uma operação em que, v.g., a força-tarefa em Curitiba, confessadamente, assumiu um lado na eleição de 2018 (a favor de Bolsonaro), conforme declaração do ex-chefe Carlos Lima à ‘Globo News’. Episódio sobre o qual já escrevi várias vezes”, afirmou Streck.

“Aliás, consta que o professor Agassiz disse que os atos de alguns membros do MP estariam influenciando o processo político eleitoral. Pois é. Quem sabe bem disso é o ex-procurador Carlos Lima. Os diálogos do ‘Intercept’ mostram bem o que é política e o manejo da opinião pública. O chefe da “lava jato” de Curitiba, o então juiz Moro, sabe bem o que interferir na política… Bem, tudo isso é sabido de todos. A propósito, pergunte-se a Beto Richa, de quem uma operação no Paraná — suspensa pelo STF — tirou a eleição (também escrevi sobre isso). Aliás, o que disse o CNMP sobre Deltan, no caso em que houve a prescrição — o do Power Point?”, questionou o jurista.

Nesta terça, a força tarefa desencadeou a nona fase da operação calvário, executando dez mandados de busca e apreensão em João Pessoa, Bayeux e Cabedelo, na Paraíba, em Sergipe e em Brasília. O governador da Paraíba, João Azevêdo, foi o alvo principal da vez, além de três conselheiros do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB). Todos são suspeitos de participação em desvio de verbas públicas das áreas da saúde e da educação.

Da Redação

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