Dia do Trabalhador Rural: como Bolsonaro prejudica a vida no campo
Para favorecer ruralistas, desgoverno promove uma avalanche de medidas que precarizam o trabalho dos camponeses e afetam também o meio ambiente
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O Dia do Trabalhador Rural é comemorado no Brasil em 25 de julho, com base no Decreto-Lei nº 4.338, de 1º de Maio de 1964. Em 2019, as organizações e entidades ligadas ao tema aproveitam a data para chamar a atenção para os retrocessos promovidos pelo governo Jair Bolsonaro (PSL). Nos primeiros sete meses de mandato, o presidente tem demonstrado alinhamento com setores do agronegócio, propondo medidas que ameaçam de diferentes formas a vida de famílias camponesas.
Principal bandeira econômica da gestão Bolsonaro, a reforma da Previdência é uma das maiores preocupações dos trabalhadores rurais. No último dia 12 de julho, ela foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados.
Na avaliação do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Aristides Santos, o texto original continha uma série de armadilhas, preparadas pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que dificultariam a aposentadoria dos trabalhadores rurais. Na Comissão Especial, que preparou o documento final para ser votado em segundo turno no retorno do recesso parlamentar, em agosto, foram feitos “reparos” importantes, após a intervenção de diversos parlamentares e dos movimentos populares e sindicais.
“Nós, enquanto categoria, estamos amenizando bastante os efeitos dela [reforma da Previdência] para o trabalhador rural, mas ela continua perversa para a maioria da classe trabalhadora”, afirma Santos.
No texto final, ficou garantida a idade miníma para aposentadoria de 60 anos para homens e 55 para mulheres. Porém, a proposta original pedia que houvesse equidade na idade, de 60 anos para homens e mulheres.
O mesmo ocorre com relação ao tempo de contribuição. No texto do governo, homens e mulheres deveriam contribuir por 20 anos para se aposentar. Na versão final da reforma, homens contribuem por 20 anos e mulheres por 15 anos.
O que Paulo Guedes não admitiu no texto original era taxar o agronegócio. Porém, a oposição conseguiu inserir na versão final uma taxa de 2,6% sobre a comercialização e exportação de produtos rurais. O novo imposto pode representar R$ 84 bilhões ao ano para os cofres públicos.
Alexandre Conceição, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), alerta que a reforma da Previdência pode impactar negativamente a economia brasileira: “Os camponeses vão perder força no seu orçamento. Além de perder força, não vão se aposentar no limite da idade de contribuição. Portanto, os mais de dois mil municípios desse país que sobrevivem da aposentadoria rural, do pequeno agricultor, serão afetados. O município, o comércio local e as famílias serão afetados”.
Precarização do trabalho
Criado em 26 de novembro de 1930, o Ministério do Trabalho foi extinto por Bolsonaro. Para o presidente da Contag, esse episódio é “desastroso”.
“Isso é exatamente para facilitar a vida dos patrões, para precarizar mais as relações [de trabalho], para aumentar o trabalho escravo. E isso tem impacto na questão do registro sindical, que sai do Ministério do Trabalho e vai para o Ministério da Justiça”, explica o sindicalista.
O fim do ministério coincide com a diminuição dos mecanismos de prevenção e controle do trabalho análogo à escravidão. De acordo com a Secretaria do Trabalho, subordinada ao Ministério da Economia, foram 54 operações de combate ao trabalho escravo de janeiro a junho de 2019 – 57% a menos em relação ao mesmo período de 2018.
Violência no campo
O projeto que libera a posse de armas em toda a extensão de propriedades rurais está na fila de pautas da Câmara dos Deputados. O texto, que já foi aprovado no Senado, deve ser votado ainda neste ano e, caso aprovado, pode gerar mais violência no campo.
Conceição, do MST, entende que Bolsonaro procura incentivar a guerra no campo. “Nós sempre declaramos que somos contra armas, porque com esse decreto só poderá se armar quem tem grana, ou seja, os ricos, não os pobres. Não existe massacre de latifundiário, existe massacre do povo trabalhador. Portanto, quanto mais arma no campo, mais perigo corremos. Somos contra o armamento e a favor da reforma agrária e da paz no campo”, afirma.
O texto reduz a exigência de idade mínima para o porte da arma de 25 para 21 anos. Para ter acesso ao armamento, é necessário um comprovante de residência em área rural, além de um atestado de bons antecedentes.
Meio ambiente
Em sete meses, o governo Bolsonaro fez mais liberações de novos agrotóxicos do que a União Europeia (UE) nos últimos oito anos. Foram 290 autorizações no Brasil contra 229 na UE, desde 2011. O estrago provocado na refeição dos brasileiros é “incalculável”, segundo Conceição. A liderança do MST afirma que “o Brasil está entrando na contramão da história do mundo, de proteção do meio ambiente e produção de um alimento saudável”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o ex-presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), Gerson Teixeira, afirmou que a avalanche de liberação dos agrotóxicos tem motivação econômica. “A estratégia deles é viabilizar uma oferta grande de venenos e, com isso, fazer baixar o preço deles, independente se isso vá resultar em uma maior contaminação do meio ambiente ou do alimento”.
Dados recentes mostram que a exposição ao agrotóxico é prejudicial para os trabalhadores rurais e suas famílias. Em dezembro de 2018, no município de Espigão do Alto (PR), 96 pessoas foram contaminadas com Paraquete, um veneno proibido na Europa desde 2007. Entre os afetados, 52 eram crianças que estudavam em uma escola rural na região.
No dia 20 de julho de 2018, a ONG Human Rights Watch divulgou um estudo denunciando a contaminação de trabalhadores rurais e crianças que estudam em escolas rurais. A entidade afirma que o Brasil utiliza 1,5 milhão de toneladas de veneno. Entre os dez produtos mais utilizados no país, quatro são proibidos na Europa devido à alta intensidade de contaminação.
Educação e reforma agrária
Desde sua fundação, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) funciona pela interação entre três polos: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), universidades e movimentos populares. Quando surge uma demanda dos movimentos ligados à terra, universidades públicas se organizam para criar cursos de graduação e pós-graduação que atendam o público-alvo. Então, o Incra libera a verba e realiza a fiscalização.
O programa já contou com orçamento de R$ 40 milhões, durante os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Porém, quando estava na presidência, Michel Temer (MDB) derrubou para R$ 7 milhões o investimento no projeto. De acordo com Conceição, há 60 cursos paralisados. Outros 90, que estavam aprovados, não foram contratados.
“O dinheiro continua lá, no orçamento público, mas parado, porque a linha desse governo é atacar a educação como todo, mas sobretudo a educação no campo, para a formação do intelectual do povo no campo”, afirma o dirigente do MST. Ele acredita que na Lei Orçamentária Anual (LOA), que deve ser apresentada pelo governo em agosto deste ano, já não constará nenhum valor destinado para o Pronera.
O governo demonstra desprezo não apenas pelos programas educacionais no campo, mas pela reforma agrária. Segundo os entrevistados, o Incra, na gestão de Bolsonaro, tornou-se uma secretaria subordinada ao Ministério da Agricultura, que é comandado por Tereza Cristina – um dos expoentes do agronegócio brasileiro.
Em seis meses, Bolsonaro suspendeu por duas vezes a reforma agrária no país. A primeira, em janeiro, logo após assumir a Presidência. Na segunda, em março, a ordem chegou em carta enviada aos coordenadores regionais do Incra, com a determinação de “expressa suspensão” de todos os processos de vistoria de imóveis rurais, por falta de orçamento.
“Sem reforma agrária, não há desenvolvimento sustentável no campo brasileiro e nem democracia. A democracia requer a gente fazer a melhor distribuição da terra. É importante para a geração de ocupação, emprego e renda no campo e de produção de alimentos acima de tudo. Então, é muito ruim essa compreensão do governo que não precisa de reforma agrária no Brasil”, encerra Santos, presidente da Contag.
Para Conceição, Jair Bolsonaro quer acabar com a agricultura familiar. “O que mais me preocupa é o próprio governo, porque ele está modificando uma linha, que era uma linha de avanço da agricultura familiar, que produz alimentos. Mais de 70% do alimento que vai na mesa do trabalhador. E esse governo, com esses pontos todos, com essas medidas, tende a piorar a situação no campo”, argumenta.
Por Brasil de Fato