Artigo: O filho do agricultor vai virar médico — e a elite não aceita, por Rose Rodrigues
Secretária Agrária do PT aborda os ataques da grande mídia após a criação do curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, destinada aos beneficiários da reforma agrária e aos quilombolas
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Nos últimos dias, a criação do curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, destinada aos beneficiários da reforma agrária e das comunidades quilombolas, passou a ser alvo de ataques e questionamentos da grande mídia e de parte da sociedade, numa tentativa de criminalizar uma política pública legítima que se apoia na autonomia universitária e no princípio da igualdade material. Essa ocorrência revela muito mais do que uma discordância pontual: evidencia a perseguição política a iniciativas que ampliam direitos e rompem privilégios históricos. O simples fato de filhos e filhas de trabalhadores do campo terem a possibilidade real de se tornarem médicas e médicos parece, para alguns setores, um gesto que ameaça estruturas de poder há muito consolidadas.
Todos conhecem as barreiras que marcam o acesso à universidade nas regiões rurais e no interior do país. O PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) surgiu justamente para enfrentar esse desequilíbrio, levando o ensino superior a quem tradicionalmente fica à margem. Ao abrir uma turma específica de Medicina, a UFPE cumpre sua função social de criar condições para que jovens que vivem em assentamentos possam disputar o direito de estudar em pé de igualdade com os que vivem na cidade, algo que dificilmente conseguiriam em processos seletivos convencionais.
Para essas famílias, cursar uma graduação — em especial Medicina — envolve custos com acomodação, moradia e material didático, além de políticas permanentes de apoio. A seleção diferenciada confirma essa realidade concreta e oferece um caminho para que esses estudantes ingressem e permaneçam. É importante destacar que a turma de medicina do PRONERA é extra, voltada exclusivamente para filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras rurais, ou seja, não está “tirando vaga” de quem já tem direito a concorrer nos processos regulares. Trata-se de tratar desiguais como desiguais, conforme o princípio da equidade, garantindo que aqueles historicamente excluídos possam acessar oportunidades que lhes eram negadas.
As narrativas que circulam, tentando transformar essa conquista em privilégio, alimentam o preconceito e a desinformação, minando a confiança nas universidades públicas, que são patrimônio de toda a sociedade. Uma das fake news é dessas turmas destinadas a membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra — o que é falso. Esse tipo de desinformação faz parte de uma orquestração maior para atacar os movimentos sociais e a organização popular, tentando deslegitimar quem luta por direitos e justiça social. Vale lembrar que o STJ já decidiu que esse tipo de curso é constitucional, reafirmando a legalidade e a legitimidade de políticas que ampliam direitos.
A elite não quer perder privilégios. O ódio e a revolta que vemos em torno desse curso não vêm da qualidade do ensino ou do esforço desses jovens — vêm do fato de que filhos e filhas de trabalhadores do campo vão se tornar médicos, como já são engenheiros, agrônomos, administradores, ocupando espaços que antes eram exclusividade de poucos. Como diz o ditado, “a casa grande surta quando a senzala aprende a ler”. Não vamos recuar. Na verdade, uma velha luta de classes como já estamos habituados. Por isso, não permitiremos que o medo de perder privilégios de alguns impeça esses jovens de sonhar, estudar e se tornarem profissionais capazes de cuidar do Brasil profundo. Essa conquista é legítima, justa e irrefreável — e é apenas o começo.
Rose Rodrigues é Secretária Agrária Nacional do PT
