Em agosto, 2/3 das negociações salariais ficaram abaixo da inflação

Dois terços dos acordos salariais de agosto fecharam com reajuste abaixo da inflação acumulada, aponta o Dieese. No ano, metade das reposições foi menor que o INPC

A inflação descontrolada do desgoverno Bolsonaro está corroendo o poder de compra de quem ainda consegue manter o emprego. O Boletim de Negociação divulgado nesta quarta-feira (20) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela que dois terços das campanhas salariais de categorias com data-base em agosto tiveram reajuste abaixo da inflação acumulada.

O boletim aponta que 66,3% das negociações em agosto resultaram em perdas, ante 16,8% no mesmo mês de 2020. Dos acordos fechados até agora relativos a agosto, apenas 8,8% chegaram a reajuste acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do IBGE. Outros 25% ficaram com índice equivalente ao da inflação.

Agosto apresenta o pior resultado de um ano que registrou acordos abaixo do INPC em seis de oito meses. Em consequência, no acumulado de janeiro a agosto o resultado também é ruim: quase metade dos reajustes (48,5%) ficou abaixo do INPC. Um terço (33,2%) equivale ao índice oficial e apenas 18,2% ficam acima. A variação real média dos reajustes mostra perda: -0,71%.

Em agosto, o INPC registrou aumento de 0,88%. No acumulado em 12 meses (setembro de 2020 a agosto de 2021), o índice subiu 10,42%, mantendo a trajetória de crescimento do reajuste necessário iniciada em julho de 2020. “É importante ressaltar que se trata do maior percentual de reajuste necessário para uma data-base, segundo o INPC, desde fevereiro de 2016”, concluiu o relatório do Dieese.

Já o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda mostra que, em setembro, houve aceleração das taxas de inflação em todos os segmentos de renda pesquisados. Mas a inflação foi mais acentuada para as famílias de renda muito baixa (1,30%), em comparação à apurada no grupo de renda mais elevada (1,09%).

No acumulado do ano, as famílias de renda média-baixa são as que registram a maior alta inflacionária, com taxa de 7,23%. No acumulado em doze meses, a pressão inflacionária continua maior nas classes de renda mais baixa, cuja taxa (11%) mantém-se em patamar acima do observado no segmento de renda mais alta (8,9%).

A análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada revela que, em setembro, a maior contribuição à alta de preços para os três segmentos de renda mais baixa veio do grupo habitação. Para as três faixas de renda mais alta, o maior impacto está localizado no grupo transporte.

No caso das famílias de renda mais baixa, os reajustes de tarifas de energia elétrica (6,5%), gás de botijão (3,9%) e artigos de limpeza (1,1%) foram os principais responsáveis pela alta do grupo habitação. A carestia dos alimentos no domicílio, especialmente frutas (5,4%), aves e ovos (4,0%) e leites e derivados (1,6%), completa o quadro.

Para as classes de renda mais alta, o principal foco inflacionário em setembro, como em agosto, veio dos reajustes da gasolina (2,3%), das passagens aéreas (28,2%) e dos transportes por aplicativo (9,2%).

Nos últimos doze meses, embora os dados indiquem uma forte aceleração inflacionária em todas as faixas de renda, a taxa de inflação acumulada das famílias de renda muito baixa (11%) é 2,1 p.p. maior que a registrada na classe de renda mais alta (8,9%).

Desemprego empurra o salário para baixo e inflação o devora

“Existem mais de 14 milhões de desempregados, 5,5 milhões de desalentados e 13 milhões de deslocados do mercado de trabalho, que não exercem a sua profissão. Isso significa que precisamos ampliar o conceito (do desemprego), pois mais de 30 milhões de brasileiros não estão conseguindo renda suficiente para a sobrevivência”, alertou Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), no Correio Braziliense.

Esses brasileiros, em grande parte, são pessoas com pequena qualificação e que trabalhavam na informalidade e, atualmente, ganharam do governo o apelido de ‘invisíveis’”, acrescenta o economista. Segundo ele, esse contingente representa 30% da População Economicamente Ativa (PEA) brasileira, de 105 milhões.

Silber lembra que a desocupação deu um salto entre 2015 e 2016, e a média atual dos últimos sete anos é ascendente. Sem um crescimento robusto da atividade econômica, conclui, o desemprego não tem como diminuir.

“O desemprego não deve ficar abaixo de 10% nesta década. A não ser que tenha um milagre, o PIB não conseguirá crescer 3,5% nos próximos anos e isso significa que o desemprego vai continuar muito alto e a massa salarial não retoma o valor real de 2014”, afirma, apontando ainda a alta informalidade — de 40,8% da população ocupada, conforme dados do IBGE — como obstáculo para a recuperação do poder de compra.

“Em poucas palavras, uma das cicatrizes da pandemia é a piora na distribuição da renda, porque quem vai pagar o pato será o mais pobre. Primeiro, porque perdeu renda com o desemprego e, segundo, porque a inflação triplicou”, lamenta Silber. “Isso significa que temos hoje 20 milhões de pessoas com nível de acesso a calorias típico de campos de concentração nazistas.”

Da Redação

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