Em audiência pública, ativistas cobram promoção dos direitos LGBT
Durante o debate, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, participantes denunciam violência e criticam retrocessos
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Parlamentares e representantes da comunidade LGBT cobraram, nesta quarta-feira (19), mais engajamento da Câmara dos Deputados na promoção da cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e outras identidades de gênero. A principal crítica do movimento é que os deputados estariam se omitindo na aprovação de propostas que garantam direitos de alimentação, saúde, trabalho, sexuais e reprodutivos e até mesmo à vida.
O combate à LGBTfobia foi tema de videoconferência promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, a pedido dos deputados Carlos Veras (PT-PE), Vivi Reis (Psol-PA), Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Professora Rosa Neide (PT-MT).
A audiência foi realizada na semana em que se comemora o Dia Internacional contra a Homofobia (17 de maio). A data lembra o dia em que, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desclassificou a homossexualidade como distúrbio mental.
A secretária Nacional LGBT do Partido dos Trabalhadores (PT), Janaina Oliveira, parabenizou a iniciativa do presidente da CDHM, deputado federal Carlos Veras, e ressaltou a importância do debate sobre a pauta no Congresso Nacional com a participação da sociedade.
“O debate é essencial para que a sociedade e o parlamento entendam a importância de debater a violência que essa população vem sofrendo diariamente, seja em ambiente privado ou público, sobre os posicionamentos que Bolsonaro à frente do governo tem tomado, como os desmontes da política pública, a pauta negacionista das conquistas, posição da AGU no STF contra as pautas LGBTQIA+ e a operação com base aliada para excluir identidade de gênero e pautas LGBTQIA+ no legislativo. ”
Violência
Os participantes do debate criticaram o que consideram retrocessos promovidos pelo governo federal, como a extinção de órgãos e conselhos de participação social por meio de portarias e decretos, com prejuízos para a comunidade LGBT. Também denunciaram a violência contra lésbicas, gays, travestis e pessoas intersexo.
O integrante da Articulação Brasileira de Gays Felipe Santos lembrou a morte violenta de 237 pessoas LGBT em 2020, sendo a maioria por assassinato, conforme levantamento do Grupo Gay da Bahia. Do total de assassinados, 161 eram travestis.
Já a presidenta da Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Symmy Larrat, reclamou da falta de protocolos de investigação e de atendimento das vítimas de violência. “Isso faz com que haja o completo apagamento dessa violência. A falta de dados e o sentimento de impunidade fazem com que a gente continue perseguida, assassinada e violada”, disse.
Também a secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Bruna Benevides, apontou desinteresse de todos os Poderes em enfrentar a situação de precariedade e vulnerabilidade de muitas pessoas LGBT.
“Esta Casa precisa assumir o compromisso com as nossas vidas, o compromisso de interromper esse fluxo de violência que está naturalizado, uma violência que é direcionada e precisa de ações específicas. Não podemos mais aceitar a omissão legislativa frente ao cenário desolador que temos vivenciado”, afirmou Bruna.
Ativismo
Na videoconferência, o deputado David Miranda (Psol-RJ) lamentou o fato de figuras públicas atacarem a comunidade LGBT, quando tudo o que seus integrantes querem é ser aceitos em sua forma de gênero e de amar.
“A maioria das pessoas não entende por que a gente precisa ser lembrado. É porque a maioria das pessoas não consegue entender o quanto de dor a gente passa numa vida. Por isso, a gente precisa ter um dia para falar para os nossos algozes que a gente está vivo, feliz, que a gente está amando, que a gente está construindo família”, afirmou Miranda.
O deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA), por outro lado, criticou o ativismo LGBT, apesar de ter deixado claro que não tem nada contra “a postura sexual de ninguém”.
“Às vezes, tenho problemas em debates com ativistas que querem discutir temas que muitos que estão lá fora e têm a escolha diferenciada pela questão sexual também não concordam em muitos pontos. Questão de cartilhas nas escolas, portarias que autorizavam qualquer criança, se se sentisse homem e fosse uma mulher, ela poderia entrar no banheiro dos homens e vice-versa, o homem entrar no banheiro da menina. São coisas que eu, em particular, não aceito”, listou Éder Mauro.
Para o deputado Helder Salomão (PT-ES), o ativismo em defesa dos direitos LGBT se justifica porque existe um ativismo contra esses direitos. “Recentemente no Brasil, esses casos acabaram aumentando em função do posicionamento do chefe de Estado brasileiro. Isso encoraja muita gente a achar normal a LGBTfobia.”
A deputada Vivi Reis acrescentou que respeito à identidade de gênero não deve partir da boca para fora, mas tem de ser algo cotidiano. “Você respeita LGBTs, enquanto deputado e deputada, quando vota a favor de projetos LGBTs, quando você reconhece a necessidade do protagonismo de pessoas LGBTs e não reproduz violência política, não criminaliza movimentos sociais”, exemplificou.
Atuação do Supremo
Ao solicitar o debate, o deputado Carlos Veras, que preside a Comissão de Direitos Humanos, lembrou que em 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou atos LGBTfóbicos, determinando seu enquadramento como crime de racismo, até que seja promulgada lei específica para criminalização da conduta pelo Congresso Nacional.
Na avaliação da deputada Erika Kokay (PT-DF), o Supremo se posicionou justamente porque hoje o Legislativo se omite em relação ao assunto.
Menos representação, e nenhuma interlocução
Durante a audiência, a secretária Nacional LGBT do PT reforçou que acesso de qualquer segmento social ao Estado é fundamental para que as políticas em seu benefício sejam mais efetivas.
“É preciso dispor de instâncias na estrutura do governo com equipe técnica preparada para o diálogo e a implementação de políticas específicas também é necessário. Durante os governos Lula e Dilma, este acesso foi realizado principalmente com as Conferências Nacionais e a participação da sociedade civil no Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD/LGBT.
Nos dois primeiros anos do mandato de Bolsonaro, o fechamento do governo à população LGBT tem sido uma diretriz, com a extinção de instâncias de representação e de execução de políticas.
- A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC) foi extinta (Lei nº 13.844/2019), deixando o governo sem instância responsável pelo programa de formação de profissionais da educação para diversidade em ambiente escolar em relação no que se refere a LGBT, negros e negras, idosos, etc.
- Todos os colegiados criados por decretos ou normas inferioresforam extintos (Decreto nº 9.812/2019), diminuindo o controle e a participação social na gestão pública;
- O Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT foi substituído pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação (Decreto nº 9.883/2019), passando a ter como objetivo “proteção dos direitos de indivíduos e grupos sociais afetados por discriminação e intolerância”. Constata-se a reorientação do conselho que excluiu toda a população LGBT, relegando a atuação do conselho a situações genéricas e amplas, ocultando toda e qualquer possibilidade de fomento a políticas que fortaleçam a identidade de gênero e a orientação sexual. Prova disso é a nova constituição do referido conselho que passou a contar com a participação e representação de apenas 3 organizações;
- Os Comitês de Gênero e de Diversidade e Inclusão, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que promoviam medidas contra violência de gênero e diversidade sexual dentro do ministério, foram extintos (Portaria de 19.08.2019);
- A Secretaria de Diversidade, responsável pela implementação de políticas de cultura LGBT, povos ciganos, indígenas e outros, foi extinta (Decreto nº 10.359/2020), tornando-se um departamento da Secretaria de Economia Criativa, no Ministério do Turismo;
- A Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes foi alterada, passando de 14 para 7 membros, sendo que apenas 1 pode ser ou não da sociedade civil, através do CONANDA.
Participara da audiência, o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF e ministro aposentado do STF, Celso de Mello; o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena Coelho; o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz; a representante da Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Symmy Larrat; a representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Bruna Benevides (Antra); a representante da Articulação Brasileira de Gays, Felipe Santos; o representante do Coletivo LGBT Sem Terra, Alessandro Mariano; e a representante da Rede Afro LGBT, Janaína Oliveira.
Da Redação, com informações do PT na Câmara.