Em patamar recorde, inadimplência atinge estados de forma heterogênea
No Amazonas, onde a renda per capita é uma das mais baixas, mais da metade dos adultos está com o nome sujo. Rio e DF sofrem pela dependência do setor de serviços
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A onda de endividamento generalizado que arrasta as famílias brasileiras se manifesta de maneiras diferenciadas em cada estado. Se em alguns deles a queda na renda devido à inflação de dois dígitos e à precarização do trabalho é determinante, em outros, a relevância do setor de serviços, que ainda sofre com a inércia do desgoverno Bolsonaro durante a pandemia, causou impactos na capacidade de pagamento dos devedores.
Essas são algumas das conclusões de uma reportagem da BBC Brasil baseada em dados da Serasa Experian. No “campeão” da lista inglória (Amazonas), já há mais adultos inadimplentes (51,8%) que adultos com as contas em dia. Rio de Janeiro, Amapá e Distrito Federal aparecem em seguida, com índices superiores a 49%. A pesquisa da Serasa considera apenas devedores já comunicados pelo escritório de sua condição.
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A proporção cada vez maior de pessoas que não conseguem liquidar as dívidas até a data de vencimento no Amazonas está diretamente relacionada aos indicadores socioeconômicos locais. O estado figura entre as três menores rendas per capita do Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E “renda per capita é capacidade de pagamento”, explica o economista da Serasa Luiz Rabi. Segunda menor renda da Região Norte, o Amapá também se enquadra nessa situação.
A lógica não é a mesma em todos os estados. A unidade da Federação com maior renda per capita (Distrito Federal), por exemplo, divide com o Rio de Janeiro a vice-liderança no ranking da inadimplência. Nesses casos, a importância do setor de serviços, que sofre com o descaso de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, foi a causa principal da perda de capacidade de pagamento das pessoas. “Se o setor de serviço pesa muito, isso tem sido algo que prejudica a inadimplência”, aponta Rabi.
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A lógica também é diferente no caso do Piauí, estado com menor proporção de inadimplentes (um terço dos adultos), apesar de também estar entre aqueles com menor renda per capita. “Existem algumas variáveis que de fato pesam e que fazem diferença quando a gente olha a distribuição estadual, segundo nossa análise e acompanhamento histórico desses dados”, ressalta o economista da Serasa.
Em estados inseridos em uma cadeia exportadora de commodities, e onde o peso desse setor na economia local é relevante, a inadimplência é menor, explica Rabi. “Isso faz com que esse estado tenha uma performance econômica melhor do que a média nacional, ou melhor do que os estados onde não tem essa característica.”
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“Isso explica, por exemplo, porque o Piauí, sendo estado que tem uma renda per capita baixa, tem a menor inadimplência — porque o Piauí é a principal fronteira agrícola da soja”, prossegue o economista. Caso também de Santa Catarina (34,8%), Rio Grande do Sul (36,3%) e Alagoas (36,8%), onde uma proporção maior de adultos vem conseguindo pagar as contas em dia.
Inflação e juros em dois dígitos corroem capacidade de pagamento
A Serasa estima que atualmente há 41%, ou quatro adultos inadimplentes a cada dez, em todo o Brasil. O número de 66,6 milhões de pessoas com nomes negativados registrado em maio é o maior desde o começo da série histórica do escritório, em 2016. Em relação a maio do ano passado, 4 milhões de nomes foram para a “lista suja”. E Rabi avalia que ainda não é possível vislumbrar quando a inadimplência vai cair.
O economista da Serasa diz que a inadimplência sobe porque a inflação está corroendo o poder de compra das pessoas. “Isso faz um estrago brutal na capacidade de pagamento de milhões de brasileiros”, ressalta. A inflação chegou a dois dígitos em setembro de 2021, pela primeira vez desde 2016. E continua acima desse patamar: em 12 meses até junho, está em 11,89%, conforme os dados mais recentes do IBGE.
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A taxa básica de juros (Selic) em 13,25%, por sua vez, encarece o crédito usado por consumidores, como no cheque especial e no rotativo do cartão de crédito, os mais altos.
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Sintomaticamente, na análise por área, os dados de maio mostram que o segmento de bancos e cartões gerou o maior volume de dívidas negativadas (28,2% do total), seguido pelas exorbitantes contas básicas administradas pelo desgoverno Bolsonaro (água, luz e gás), com 22,7%. Em terceiro lugar, aparecem varejo e financeiras, com 12,5%.
Para piorar ainda mais a situação, na última semana foi publicado no Diário Oficial seu Decreto 11.150/22, que regulamenta a Lei do Superendividamento (14.181/21). A medida estabelece que o “mínimo existencial” – valor a ser preservado para o consumidor na negociação de dívidas – corresponderá a 25% do salário-mínimo, ou R$ 303, para sustentar a família por um mês. Não há nada que não possa piorar sob Bolsonaro e Guedes.
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Da Redação, com informações da BBC Brasil