Endividadas, mulheres comprometem orçamento para colocar comida na mesa
Em 2022, o avanço na proporção de endividados foi maior entre as mulheres. Falta de políticas de emprego e renda e alta do preço dos alimentos empurram as chefes de família para o endividamento.
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Em 2022, o avanço na proporção de endividados foi maior entre as mulheres (10,5 pontos percentuais), caracterizando o público feminino com mais contas pendentes, na proporção de 80,1%. Entre os homens, 76,5% estão endividados, um aumento de 0,3 ponto em junho deste ano, segundo a Confederação Nacional do Comércio. O aumento é expressivo se comparado a junho de 2021, quando esses números eram de 69,6% e 70,2%, respectivamente.
O impacto do endividamento é diferente para homens e mulheres. A economista Marilane Teixeira, doutora em desenvolvimento social e econômico pela Unicamp e professora e pesquisadora do CESIT/IE, explica que, no caso das endividadas, elas geralmente são as únicas responsáveis pelo sustento dela e da família.
“Diferentemente dos homens que, mesmo chefes de famílias, compartilham as despesas com a mulher. Já quando as mulheres estão nessa condição, a maior parte delas está só… apenas elas com os filhos. É raro encontrar um homem, chefe de família, em que a única renda disponível é a dele”, apontou a especialista. Segundo o último levantamento do IBGE sobre o tema, feito em 2018, 45% das mulheres são chefes de família.
Empurradas para o ciclo de empobrecimento
No geral, as dívidas das famílias estão relacionadas a cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado e empréstimo pessoal. Todos esses processos pressupõem pagamento de juros, que pode ocasionar um ciclo ainda maior de endividamento, provocando um processo ainda maior de empobrecimento – e, no caso das mulheres, uma sobrecarga de trabalho tentando assegurar renda extra, além do trabalho principal.
“A maior parte do endividamento está comprometida com o cumprimento das necessidades básicas de sobrevivência. Ou elas são forçadas a ter sobrecarga de trabalho, ou ela se vê em um círculo permanente de endividamento o que aumenta a pobreza, a desigualdade, e só amplia os rendimentos do capital, ao custo do comprometimento da qualidade de vida e da própria sustentabilidade das mulheres e suas famílias”, ressaltou Teixeira.
Salário menor, desempregada, desalentada e fora da prioridade do governo
As mulheres ganham menos do que os homens, com a crise econômica foram as primeiras a perderem os empregos e são as que mais demoram para retornar. E, para completar o quadro dos ataques do governo contra a vida das mulheres, elas não são mais prioridade para receber auxílio.
Nos governos do PT, as mulheres tinham um tratamento diferenciado para receber o Bolsa-Família. Agora, com o programa de Bolsonaro, o valor é único e não considera as diferentes realidades, fazendo com que homens sozinhos, como caminhoneiros e taxistas, recebam o mesmo que mulheres chefes de famílias com filhos e pessoas sob sua responsabilidade.
Governo adota política que dificulta famílias saírem das dívidas
O governo apresentou MP 1106 que amplia para 40% o empréstimo consignado, que desconta direto da folha salarial. Em um cenário em que as pessoas estão se endividando para poder comer, essa medida do governo piora ainda mais a situação.
“Já era grave no caso dos aposentados, agora que inclui o BPC e o programa que substituiu o Bolsa-Família, os bancos estão fazendo a festa, porque o valor já é retirado da conta. É muito comprometedor porque alimenta um ciclo de endividamento. Por conta dos juros, as famílias ficarão endividadas permanentemente”, chama atenção a economista.
Quem gera emprego e renda para as mulheres?
Bolsonaro deu mais uma declaração falaciosa dizendo “eu não gero emprego, quem gera é a iniciativa privada”. A economista Marilane Teixeira desmente a fala do presidente:
“Dar condições de que as mulheres possam se inserir no mercado de trabalho passa fundamentalmente por políticas públicas, sobretudo as políticas de cuidado como a disponibilidade de creches. Temos75% das crianças pobres de 0 a 3 anos que estão fora das creches. 26% das mulheres estão fora da força de trabalho, gostariam de estar trabalhando, mas não tem com quem compartilhar os cuidados de pessoas sob sua responsabilidade”, elucida a especialista.
Em situações de crise, as políticas de Estado são fundamentais para estimular o emprego, e diminuir o nível de desemprego e desalento. Além de ampliar as ofertas de políticas públicas, a especialista reforça o papel dos equipamentos públicos como grandes empregadores da força de trabalho feminina como educação, assistência e saúde. Segundo Marilane, o Estado poderia atuar nessas duas frentes – políticas de cuidado a absorção da força de trabalho das mulheres – para dar os primeiros passos na reconstrução do país.
Ana Clara Ferrari, Agência Todas