Entenda, em 10 pontos, como funciona a Lei Rouanet
Qualquer projeto pode se beneficiar da lei Rouanet e se candidatar à captação de recursos; os aprovados não são escolhidos por critérios ideológicos
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Criada para ser uma política de incentivo à arte e à cultura, a Lei Rouanet tem sido utilizada como munição em discussões políticas: críticos à presidenta Dilma Rousseff deslegitimam artistas apoiadores do governo, alegando que eles já foram beneficiados por esse recurso. Foi até criado o adjetivo ‘rouaneteiro’, de forma pejorativa. A lei também acabou servindo de fonte de boatos. Houve quem espalhasse que Dilma provocou pânico entre artistas ao pedir devolução de dinheiro da Rouanet.
O que poucos sabem é que os beneficiados não são escolhidos de acordo com critérios ideológicos e que projetos de origem diversa recebem autorização para buscar fomento. Entre os nomes mais conhecidos da lista de aprovados estão o de Cláudia Leitte, Lobão e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A cantora e compositora Thaís Gulin teve o projeto de gravação de seu terceiro CD aprovado (para arrecadar até R$ 801.200). Ela foi criticada por ser a então namorada de Chico Buarque, que já defendeu o PT. Entenda como funciona a Lei Federal de Incentivo à Cultura, apelidada de lei Rouanet.
1) Quando foi criada?A lei foi sancionada em 1991, durante o governo do ex-presidente Fernando Collor, para instituir o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).
2) O que é? É uma política de incentivo a diversas áreas da cultura (livros, preservação de patrimônio cultural, música, audiovisual, artes cênicas), contemplando tanto artistas iniciantes e independentes de todo o país, quanto os de carreira já consolidada. É conhecida por Lei Rouanet em homenagem a Sérgio Paulo Rouanet, secretário de Cultura à época de sua criação.
O governo cede parte dos impostos que recebe de pessoas e empresas para destinar a iniciativas diversas. Com isso, por meio de dedução de impostos, pessoas e empresas têm a opção de destinar uma parte do imposto aos projetos culturais aprovados.
3) Quem aprova os projetos? O Ministério da Cultura (MinC) faz a seleção, por meio da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), composta por representantes de artistas, empresários e sociedade civil de todas as regiões. Todos os projetos submetidos são analisados e não existem critérios ideológicos. Segundo o próprio MinC, “o posicionamento político, artístico, estético ou qualquer outro relacionado à liberdade de expressão não é objeto de análise, sendo que a Lei veta expressamente apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural”. Todos os projetos aprovados estão disponíveis no site.
O trabalho dos integrantes da comissão não é remunerado, mas eles recebem ajuda de custo para participar das reuniões. A composição da CNIC tem vigência de dois anos. Os 21 integrantes do grupo atual têm mandato para o biênio de 2015-2016.
4) Quando e onde acontecem as reuniões? Para 2016, estão previstas 11 reuniões ordinárias para definir quais projetos são aprovados. A Comissão se reúne mensalmente para avaliar os projetos, em discussões que têm sido transmitidas ao vivo pela internet por meio de canal do MinC. Seis são em Brasília, outras cinco, itinerantes, em cada uma das regiões. Até dezembro de 2015, a CNIC já havia percorrido 23 cidades de 17 estados brasileiros, além do Distrito Federal. A última delas aconteceu na cidade de Parnaíba (PI).
5) Quem pode incentivar? Os projetos podem ser apoiados tanto por pessoa jurídica como por pessoa física. É feito um abatimento de 100% do valor incentivado até o limite de 4% do Imposto de Renda devido pela pessoa jurídica e 6% pela pessoa física. Os projetos culturais podem ser enquadrados no artigo 18 ou artigo 26 da lei. Quando o projeto é enquadrado no artigo 18, o patrocinador poderá deduzir 100% do valor investido, desde que respeitado o limite de 4% do imposto devido para pessoa jurídica e 6% para pessoa física.
O patrocinador que apoia um projeto enquadrado no artigo 26 poderá deduzir, em seu imposto de renda, o percentual equivalente a 30% (no caso de patrocínio) ou 40% (no caso de doação), para pessoa jurídica; e 60% (no caso de patrocínio) ou 80% (no caso de doação), para pessoa física. A dedução acontece no IR do ano seguinte.
6) Como funciona? A aprovação do MinC não significa que o projeto será patrocinado. É uma autorização para buscar incentivo da empresas que, em troca, recebem abatimento de impostos correspondente ao valor investido no projeto. O prazo é de um ano para captação e pode ser renovado por seis meses. O investidor deve depositar o valor desejado para o patrocínio na conta bancária do projeto (aberta e supervisionada pelo MinC) até o último dia útil do ano corrente. Após o depósito, a entidade ou pessoa que propôs o projeto irá emitir um recibo e enviar ao patrocinador, que servirá como comprovante para a renúncia fiscal.
Em 2014, por exemplo, 3.273 projetos culturais captaram recursos por meio do Pronac. Foram 2.810 apresentados por pessoas jurídicas e 463, por pessoas físicas. Esses projetos levantaram um montante de R$ 1.320.307.460,89 referentes a doações e patrocínios feitos por incentivadores que se beneficiaram de renúncia fiscal prevista na Lei Rouanet. No total, a CNIC havia autorizado 6.057 projetos. Os recursos captados pelos projetos apoiados em 2014 foram investidos por 3.424 pessoas jurídicas (R$ 1.295.571.435,48) e 9.371 pessoas físicas (R$ 24.604.249,20).
7) Quem pode ser beneficiado? Podem apresentar propostas pessoas físicas com atuação na área cultural (artistas, produtores culturais, técnicos da área cultural etc.); pessoas jurídicas públicas de natureza cultural da administração indireta (autarquias, fundações culturais etc.); e pessoas jurídicas privadas de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos (empresas, cooperativas, fundações, ONG’s, organizações culturais etc.).
Proponentes pessoas físicas podem ter até dois projetos. Já os proponentes da pessoa jurídica podem inscrever até cinco projetos, apresentados sempre entre 1º de fevereiro e 30 de novembro de cada ano por meio do seguinte endereço http://novosalic.cultura.gov.br/.
8) Quem já foi aprovado? A maioria da lista com parecer favorável não é de artistas famosos. Clique aqui para acessar a lista dos aprovados em março de 2016 – a Comissão avaliou 404 e aprovou a captação de recursos para 388.
O projeto de maior valor, R$ 15.710.820, é para “Maysa”, um espetáculo teatral musical sobre a vida da cantora brasileira, que prevê apresentações no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Porto Alegre. Um dos que consta em seguida, “Aparecida” (R$8.318.087,50) propõe um espetáculo de teatro musical que conta a história de Nossa Senhora Aparecida, misturando elementos ficcionais e explorando fatos históricos do Brasil desde 1717.
Ao longo dos 25 anos de vigência da lei, alguns famosos que já tiveram autorização para buscar recursos foram Lobão, em 2012. Um projeto de CD/DVD foi apresentado por uma produtora de que o cantor é sócio. Após aprovação, ele renunciou à verba e escolheu não buscar captação de recursos.
A Fundação FHC, criada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já foi beneficiada. Em 2014, foram aprovados R$ 6,2 milhões para digitalização de acervo. Luan Santana (R$ 4,1 milhões); Cláudia Leitte (R$ 5,8 milhões); Milton Nascimento (R$ 957 mil); Rita Lee (R$ 1,8 milhão); Maria Bethânia (R$ 1,3 milhão); também estão entre os conhecidos da Rouanet.
Diante de boatos, o Minc reforçou que “afirmar que o posicionamento político de artistas é afetado por “trocas de favores” é uma acusação grave, sem qualquer fundamento na história da Lei Rouanet. Esta calúnia resulta de uma compreensão que parte do pressuposto de que a cidadania das pessoas pode sempre estar à venda. Mais de 3 mil projetos são apoiados a cada ano pela Lei Rouanet. Nenhum deles precisou ou precisará apoiar o atual governo ou nenhum outro para utilizar deste direito garantido por princípios republicanos”.
9) Quem são os maiores incentivadores? O MinC disponibiliza em seu site todos os dados referentes aos incentivadores, organizados por pessoa física ou jurídica, data e região.
Em 2015, os maiores foram Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil, Bradesco, Banco Itaucard e Cielo. Em 2014, Vale e Samsung apareceram entre os 10 maiores incentivadores.
10) Crítica: A política acaba por beneficiar projetos que já têm forte potencial lucrativo, sob o argumento de que deveria servir mais às iniciativas que o mercado não tem condições de sustentar – artistas em início de carreira ou segmentos de difícil acesso ao público. Por esta razão, em fevereiro de 2016, o TCU aprovou uma determinação de que não podem receber subsídios da lei os projetos. A decisão ainda não entrou em vigor.
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, defende mudanças na lei. Uma de suas primeira proposta é que seja estabelecido um teto de até 80% de restituição do valor do imposto às empresas. Os 20% seriam disponibilizados para o Fundo Nacional de Cultura. A outra alteração é para garantir que exista um equilíbrio entre os projetos aprovados e todas as regiões do Brasil.
Tramita no Senado um projeto para substituir a Rouanet. Veta a destinação de recursos para financiar coleções particulares ou circuitos privados de exibição de arte, com exceção de móveis e imóveis tombados e prevê a criação de mecanismos para equilibrar a origem das propostas aprovadas. Clique aqui para saber mais.
Por Daniella Cambaúva, da Agência PT de Notícias