Ex-ministro de Dilma, Miguel Rossetto faz retrospectiva do golpe

Rossetto acompanhou de perto a tensão com o PMDB, as pressões do setor empresarial e a traição marcada pelo lançamento do “Uma Ponte para o Futuro”

Miguel Rossetto (PT) foi nomeado Ministro do Trabalho e da Previdência Social logo no início do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2015. Gaúcho e próximo de Dilma, Rossetto voltou para Porto Alegre (RS) com a presidenta no último dia 6. Presenciou sua chegada em Canoas (região metropolitana de Porto Alegre), de cabeça altiva e recebendo flores da militância.

Na pasta, ele acompanhou de perto todo o desenrolar do golpe. Para o ex-ministro, o impeachment foi uma articulação entre elites nacionais e internacionais, partidos de direita como o PSDB e setores do aparato judiciário e policial,  que encontraram nas figuras de Michel Temer (PMDB) e de Eduardo Cunha (PMDB) os seus operadores.

O objetivo era tirar do poder um projeto de democracia com justiça social inaugurado pelos governos do PT e colocar o projeto das elites, que dominou no Brasil durante toda a sua história.  “Quando um projeto popular dirige tanto tempo um país, essa elite interrompe (a democracia). Como fez com Getulio Vargas e Jango Goulart. Por isso o golpe é brutal”, diz.

Com o agravamento da crise, a partir de 2015, explica ele, cresceu também a pressão pelo corte de direitos trabalhistas e previdenciários. A pressão se dava pelo conflito distributivo, isto é: quem vai se apropriar do dinheiro público. De um lado, o povo querendo manter todas as conquistas sociais promovidas nos últimos anos – com saúde, educação e benefícios sociais – e elegendo um governo popular nas urnas. Do outro, a elite financeira querendo cortar gastos para aumentar o gasto rentista, ou seja, a transferência de recursos para investidores por meio do pagamento dos juros sobre os títulos da dívida pública – e sem perspectivas de chegar ao poder por vias eleitorais.

Foto: José Cruz/Agencia Brasil

Foto: José Cruz/Agencia Brasil

Outra pressão que cresceu foi a do setor empresarial que, buscando aumentar seus lucros, queria cortar direitos trabalhistas e expandir a jornada de trabalho. Ambos projetos têm agora amplo apoio no governo golpista de Michel Temer (PMDB), mas não encontraram o mesmo respaldo pelo governo eleito de Dilma Rousseff.

Para ele, em 2014, se inaugurou um novo padrão de oposição de direita no país. Uma oposição intolerante e violenta, simbolizada pelos insultos à presidenta durante a abertura da Copa do Mundo em 2014. Essa oposição, a partir do momento que perde a eleição, passa a sabotar o governo eleito, culminando em um golpe parlamentar.

Segundo Rossetto, a tensão entre o governo e parte de sua base aliada – PMDB, PSD e PP – sempre existiu. “Nós nunca tivemos 200 votos na Câmara. E essa tensão era liderada pela hegemonia do Eduardo Cunha”, explica. Mas o movimento que marcou essa traição foi o lançamento do programa “Uma Ponte para o Futuro” pelo PMDB, no fim de 2015. “É uma irresponsabilidade política um vice-presidente eleito com um programa há um ano atrás apresentar um outro programa, que sinaliza a adoção pelo seu partido de uma política não eleita pelo povo brasileiro. Nesse momento, ocorre a adesão do PSDB que opera a liderança desse movimento estratégico”, explica ele.

Para Rossetto, o programa funcionou como uma sondagem dos golpistas comprometidos com esse outro projeto anti-popular, e que hoje é colocado em prática pelo governo golpisa. Um projeto que envolve o congelamento de gastos sociais, em saúde e educação, por meio da PEC 241, o corte de direitos trabalhistas e dos aposentados.

Confira a entrevista na íntegra:

Como o senhor analisa o processo do golpe?

O impedimento da presidenta Dilma foi um golpe brutal na democracia brasileira e numa agenda de construção de direitos do povo brasileiro. O impedimento é o golpe em uma democracia que passou a ter a cara de justiça social. Uma democracia em que o povo brasileiro começa a participar da distribuição da riqueza nacional e de uma nova agenda para o país.  É um golpe dos que não toleram a democracia. A democracia aceitável por essa elite é a que permite a alternância de um mesmo projeto dominante no governo. Quando nesta democracia há uma alternância de projetos, quando um projeto popular dirige tanto tempo um país, essa elite interrompe. Como fez com Getulio Vargas e Jango Goulart. Por isso ele é brutal.

Quem são os atores desse golpe?

São os perdedores de 2014, o PSDB, DEM, PPS e o, e o PMDB representado por Eduardo Cunha e Michel Temer que são os operadores do golpe. É a articulação desses setores com a mídia corporativa os setores articulados internacionalmente que compõe um força política sólida com interesses que se articulam e que promovem o golpe parlamentar. A novidade é a participação de setores do aparelho de estado, do Ministério Público, de setores do judiciário, da policia, do aparato jurídico policial, que participa ativamente desse golpe. Esse aparato jurídico policial que se articulam com esses setores da elite que formam uma força capaz de derrotar um governo eleito com 54 milhões de votos. É um golpe de fração do Estado contra o executivo.

Como se formou esse grupo?

É um processo. Se nós olharmos, há uma diminuição da força politica representado por Lula e Dilma. Em 2014, reduzimos nossa base de votos, nossa base parlamentar e nossa base partidária. Partidos como PT e PC do B perdem parlamentares. E nós reduzimos nossa base partidária, partidos como PSD vão pra oposição. A própria Marina vai definitivamente para a oposição e chama voto para o Aécio. O PMDB representado pelo  Cunha vai para a oposição. E esse processo é acelerado na medida em que o resultado da eleição projeta outro período de permanência no nosso projeto e sinaliza a possibilidade do Lula voltar em 2018. Nessa vitória alguns setores não aceitaram o resultado eleitoral.

Não reconhecem o processo eleitoral e abrem um processo de sabotagem aberta ao governo da presidenta Dilma. Questionam o resultado, investigam as urnas e constroem o impeachment. O impeachment é construído a partir desse ambiente.

Há um marca muito forte. Um fato. De muita violência que marca esse novo padrão de oposição mais venezuelano quando na abertura da copa do mundo essa direita promove um padrão de agressão e violência a presidenta Dilma. Ali é sinalizado um padrão de violência e intolerância politica que acompanha todo o processo eleitoral e que tem sequencia. Há um novo padrão de oposição violenta e intolerante que vem sendo construída ao longo do tempo por parcelas irresponsáveis da mídia e linguagem e postura que retoma os piores tempos de Carlos Lacerda contra Getulio. Se for candidato, não pode se eleger, se disputar não pode ganhar, e se ganhar não pode governar. É uma oposição que desiste do processo democrático, principalmente o PSDB e opera contra a democracia abertamente. Jogam o país numa instabilidade e numa aventura institucional.

Há um novo padrão de oposição violenta e intolerante que vem sendo construída ao longo do tempo por parcelas irresponsáveis da mídia e linguagem e postura que retoma os piores tempos de Carlos Lacerda contra Getulio

 

Como resolver essa instabilidade?

O país vive isso hoje. Não há estabilidade com Michel Temer. Cresce o Fora Temer. Alguns acreditavam que a partir de 17 de abril o país ia estabilizar,não ocorreu. Depois no 12 de maio. Não ocorreu novamente. Por fim, acreditaram que no dia 31 de agosto o país ia estabilizar a acolher o golpe. Não acolheu e a voz que cresce é a do fora temer. Que chama por diretas e por eleições. Cresce a percepção que Temer não tem legitimidade e carrega uma agenda anti-popular e anti-nacional. Envolvido cada vez mais em escândalos de corrupção e um contraste com a qualidade ética, simbólica e politica da presidenta Dilma. A saída democrática dessa crise institucional e politica é a antecipação do processo eleitoral. A agenda de Temer é conflitiva e produtora de violência institucional. A juventude não vai aceitar a diminuição de direitos. E dessa agenda conflitiva que a alternativa democrática a crise deverá crescer que é a antecipação das eleições. Só a soberania popular pode dar legitimidade a um novo governo. E junto a isso um processo de reforma politica com uma assembleia constituinte exclusiva que democratize o processo de democracia e o processo eleitoral.

Cresce a percepção que Temer não tem legitimidade e carrega uma agenda anti-popular e anti-nacional

Quando ficou clara a traição?

Há uma tensão permanente nesse processo. Com o PMDB, o PSD e o PP. Que faziam parte do governo, ocupavam pastas ministeriais e nunca ofereceram suas bases para estabilizar o governo principalmente na Câmara. Nós nunca tivemos 200 votos na Câmara. E essa tensão foi  liderada pela hegemonia do Eduardo Cunha. Mas para mim o grande movimento do PMDB que sinaliza esse processo é quando ele apresenta o programa Uma Ponte para o Futuro. É uma irresponsabilidade política um vice-presidente eleito com um programa há um ano atrás apresentar um outro programa, que sinaliza a adoção pelo seu partido de uma política não eleita pelo povo brasileiro. Nesse momento, ocorre a adesão do PSDB que opera a liderança desse movimento estratégico. O programa é a expressão de uma identidade política dessas forças golpistas que busca sondar as forças golpistas neoliberais e conservadoras do ponto de vista de valores para o golpe.

Mas para mim o grande movimento do PMDB que sinaliza esse processo é quando ele apresenta o programa Uma Ponte para o Futuro. É uma irresponsabilidade política um vice-presidente eleito com um programa há um ano atrás apresentar um outro programa, que sinaliza a adoção pelo seu partido de uma política não eleita pelo povo brasileiro.

Como era a pressão?

Era uma pressão grande pela situação de dificuldade econômica que entramos em 2015. Em 2015 temos uma situação de estrangulamento fiscal e baixo crescimento econômico. Uma pressão brutal desses setores, sinalizadas pelas agências de rating que falam por esses setores – do capital financeiro especialmente.  A pressão brutal sobre a renda pública. Uma disputa muito grande que chamamos de conflito distributivo. Quem se apropria da renda publica. E esses setores pressionam para ter estabilidade na sua parcela de apropriação da renda pública principalmente através da taxa de juros, pelo rentismo financeiro e subsídios estatais e fiscais. A disputa que eles promovem de forma pesada buscando bloquear os gastos sociais e este repasse da renda pública – previdência social e saúde e educação, essa grande rede de proteção social que estávamos construindo no país e que hoje é forte, é uma conquista, um patrimônio para o povo brasileiro. E ao mesmo tempo as elites empresariais buscando ampliar sua taxa de remuneração de capital a partir do arrocho salarial, essa ampliação da taxa de exploração do trabalho é buscada com o fim da CLT e com a jornada de 12 horas. Do negociado sobre o legislado e a terceirização total, permitindo a concentração da taxa de retorno do capital investido. Um país que deve diminuir a qualidade de vida do povo brasileiro.

Esses setores perderam no debate democrático e encontraram uma oportunidade ilegal e inconstitucional para voltar a ter esse programa no executivo nacional. Portanto infelizmente são setores liderados pela FIESP que retomam uma trajetória golpista desses setores. Foi assim em 1964 e é assim em 2016.

Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias

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