Falta de crédito para micro empresas aumenta desemprego
Cresce o número de empreendimentos menores que não conseguem financiamento. Para gerente do Sebrae, a situação dessas empresas é “crítica”. Ao mesmo tempo, o número de desempregados que tornam-se microempreendedores individuais por necessidade é recorde
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O número de pequenos negócios que tentaram crédito e não conseguiram subiu na última semana de agosto, comparado com o mesmo período do mês anterior. O número passou de 56% para 61%, conforme pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Vivemos um momento muito difícil, onde a micro e pequena empresa está dentro de um redemoinho causado pela pandemia. Estamos começando a ter que voltar a pagar os impostos que foram suspensos por alguns meses, entre abril e setembro, e o acesso a crédito ainda é um dos principais problemas”, avalia o presidente do Sebrae, Carlos Melles.
Para Melles, a “receptividade” dos bancos aos pequenos negócios chegou a somente cerca de R$ 30 bilhões até o momento. “Precisaríamos de ter hoje R$ 200 bilhões a R$ 250 bilhões de créditos disponíveis”, avalia.
“O Pronampe, por exemplo, correspondeu a dois meses dessa demanda e já estamos no sexto mês da pandemia. Isso dá uma clara noção da insuficiência”, compara Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV.
Nesta terça (13), na audiência pública da comissão especial do Congresso Nacional que acompanha as medidas de enfrentamento da Covid-19, o gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Silas Santiago, avaliou que a situação das micro e pequenas empresas brasileiras continua “crítica”.
Segundo ele, as empresas estão há quase cinco meses faturando menos da metade de antes da pandemia e, por isso, os débitos estão se acumulando. Sua estimativa é de que existem atualmente R$ 105 bilhões em débitos acumulados. Ao mesmo tempo, as medidas emergenciais adotadas pelos governos estão chegando ao fim.
A retomada não está se dando de forma homogênea, tanto em regiões quanto em setores. A situação não está boa ainda. Há um risco de segunda onda de fechamento de empresas
Santiago afirmou que é preciso reestruturar as atuais linhas de crédito extraordinárias, permitindo uma “alavancagem” maior e mais recursos para os pequenos negócios. “Tem levantamentos que dizem que, sem o crédito, a recuperação do emprego vai ser muito lenta. O Sebrae apoia o Pronampe permanente, com novos recursos do Tesouro”, declarou, sugerindo o redirecionamento para o programa de R$ 10 bilhões não utilizados de uma linha de crédito para manutenção do emprego que fracassou.
O gerente do Sebrae defendeu a aprovação de um projeto de lei que suspende o pagamento de tributos para o segmento e de outro que prevê o parcelamento especial de débitos relativos a impostos (Refis do Simples Nacional). Também advogou pelo marco legal do empreendedorismo, que prevê regime tributário simplificado e linhas de crédito específicas para as empresas inovadoras.
Ercílio Santinoni, presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais (Conampe), que também participou da audiência, foi outro a afirmar que o volume de crédito oferecido pelas instituições financeiras aos pequenos negócios ainda é insuficiente.
“Muito poucos chegaram a ter acesso ao crédito e estão em dificuldade. Se não tivermos acesso ao crédito teremos mais dificuldade de repor os estoques e girar a economia”, afirmou o dirigente. “Acredito que só com mais dinheiro conseguiremos estancar o desemprego, que já está crescendo. E recuperar um pouco dos empregos perdidos.”
Dados do Ministério da Economia mostram que as empresas optantes do Simples Nacional geram mais da metade dos empregos formais (cerca de 55% do estoque) e participam de 44% da massa salarial.
Segmento corresponde a 30% do PIB
Nas últimas três décadas, as micro e pequenas empresas (MPEs) chegaram a responder por 30% do valor adicionado ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Isso é o que aponta outro estudo elaborado pelo Sebrae e FGV: ‘Participação das MPE na economia nacional e regional’.
Segundo o levantamento, a força das MPEs é notada principalmente nas atividades de Comércio e Serviços (que respondem por 23% dos 30% do PIB). As características próprias desses segmentos, e o fato de estarem presentes em todos os bairros, de todos os municípios, possibilitam que as empresas de menor porte sejam competitivas e desempenhem papel fundamental na dinâmica econômica do país.
Analisando o peso das MPEs por setor, elas respondem por 53% do PIB nas atividades do Comércio. Na Construção Civil, foi observado um crescimento contínuo da participação das MPE no total do valor adicionado, saindo de 43% (em 2014), para 55% do PIB do setor (em 2017).
O levantamento também confirma a importância consistente e crescente dos pequenos negócios na geração de emprego e renda. Responsáveis por mais da metade dos empregos formais no país, concentrados principalmente em Comércio e Serviços, representavam, em 2017 (ano analisado pelo estudo), 66% dos empregos no Comércio, 48% nos Serviços e 43% na Indústria.
Para o presidente do Sebrae, o estudo confirma o peso que os pequenos negócios têm na economia brasileira. Funcionam como um amortecedor, especialmente em momentos como o atual. “De 2006 a 2019, as micro e pequenas empresas apresentaram um resultado positivo no saldo de geração de empregos formais, sendo responsáveis pela criação de cerca de 13,5 milhões de vagas de trabalho. Como operam com poucos funcionários, elas são menos propensas a demitir em momentos de crise, contribuindo para reduzir os impactos sobre a economia”, comenta Melles.
Esse fato, diz ele, reforça a importância de medidas para proteger as MPEs dos efeitos da crise. “A gente tem a expectativa de que o governo perceba que se não azeitar esse contingente que segura o Brasil, vamos ver muitos negócios sendo encerrados. As políticas de extensão do acesso ao crédito, redução da burocracia, flexibilização de regras e prazos para pagamentos de impostos, entre outras, vão contribuir para salvar milhões de empresas e empregos”, reforça.
Luiz Gustavo Barbosa, responsável pelo estudo da FGV, considera extraordinário o peso das MPE em termos de geração de renda. “Sua característica natural é ocupar espaços em atividades que não se permite economia de escala e que possuem alta intensidade de trabalho. Essa característica mostra a necessidade de ações rápidas e de alto impacto para manter os pequenos negócios erguidos e superar a crise”, conclui o pesquisador.
Explosão do desemprego gera recorde de MEIs
Impulsionados pela crise sanitária e econômica do desgoverno Bolsonaro, os brasileiros estão buscando na atividade empreendedora uma alternativa de renda. Nos nove primeiros meses deste ano, o número de microempreendedores individuais (MEIs) no país cresceu 14,8% na comparação com o mesmo período do ano passado, chegando a 10,9 milhões de registros.
O país acumulou 1,15 milhão de novas formalizações entre o fim de fevereiro, pouco antes do início da pandemia, e o fim de setembro, segundo dados do Portal do Empreendedor. Grande parte delas, motivadas pela perda do emprego. “O desemprego está levando as pessoas a se tornarem empreendedoras. Não por vocação genuína, mas pela necessidade de sobrevivência”, diz Carlos Melles.
Estimativa do Sebrae mostra que aproximadamente 25% da população adulta estarão envolvidos, até o fim do ano, na abertura de um novo negócio ou com uma empresa com até 3,5 anos de atividade. Somados os MEIs às mais de 7,5 milhões de micro e pequenas empresas, esse segmento representa 99% dos negócios privados do país.
“Não há dúvidas de que sem uma recuperação vigorosa dos pequenos negócios não haverá retomada econômica de alcance no pós-pandemia do coronavírus. Então é preciso que os futuros gestores incluam, com urgência, o empreendedorismo na agenda de desenvolvimento local, planejando ações que fortaleçam os pequenos negócios ao longo de seus mandatos”, destacou Melles, a propósito das eleições municipais que se aproximam.
Da redação