Fernando Haddad: Câmbio
“Ao que tudo indica, equilíbrio das contas públicas será obtido à custa de mais desigualdade econômica”
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O que esperar da economia brasileira nos próximos anos?
Do ponto de vista econômico, terminou o último ano do governo Temer —com a aprovação da reforma da Previdência— e, a bem dizer, não começou o primeiro ano do governo Bolsonaro.
O conjunto de medidas autorais de Guedes é um todo desarticulado. Vai de tabelamento de juros do cheque especial e fim do seguro obrigatório até mecanismos de transferência de recursos públicos da educação para a saúde.
O que é estrutural, como as reformas tributária e administrativa, parece ter ficado para depois, em parte porque o governo não tem clareza do que quer, mas também por razões políticas, já que tais medidas afetam diretamente a classe média.
A atenção dos economistas volta-se para o câmbio e o déficit em transações correntes, que já atinge 3% do PIB.
A depreciação do real frente ao dólar, embora não tenha desencadeado pressões inflacionárias, já altera preços relativos de alguns bens comercializáveis politicamente sensíveis, como carne e gasolina.
Nossas exportações, segundo analistas, reagirão pouco ao câmbio desvalorizado, em virtude da perda de competitividade da economia brasileira, fruto do baixo investimento público em infraestrutura e do baixo investimento privado na atualização tecnológica do parque produtivo.
Nossas importações, por sua vez, ficarão mais caras, bem como o turismo no exterior.
Guedes sinaliza que é bom se acostumar com juros mais baixos e câmbio mais alto, mas é difícil prever qual a relação câmbio/juros que equilibra as contas externas.
O governo tem alguma margem de manobra.
Pode queimar reservas cambiais ou desnacionalizar patrimônio público (como nos anos 1990) e, com isso, financiar o déficit externo à espera de um improvável choque de produtividade no médio prazo. Pode deixar o câmbio deslizar ainda mais. (Guedes chegou a sugerir, durante a campanha eleitoral, um câmbio a R$ 5 por dólar.)
O mais provável, contudo, é que o “ajuste” se faça pela redução do salário real. As únicas medidas inarredáveis deste governo são as que penalizam o trabalhador e diminuem seu poder de barganha: o congelamento do salário mínimo, o fim da isenção de impostos sobre produtos da cesta básica, a precarização das relações de trabalho, a desarticulação do sistema sindical etc.
O equilíbrio das contas públicas e das contas externas será obtido, tudo indica, à custa de mais desigualdade econômica.
A ordem social, entretanto, a julgar pelas declarações das autoridades do governo mais tosco da nossa história, será mantida por outros meios: repressão política e fundamentalismo religioso.
Fernando Haddad, professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
*Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo