Gleisi: “BC joga contra o país, autonomia não quer dizer irresponsabilidade”
“Quem gosta de juro alto é a Faria Lima, o Brasil não pode se dobrar ao mercado financeiro. Temos de fazer um amplo movimento para baixar a taxa de juros”, defendeu a presidenta do PT, em entrevista ao ‘UOL’
Publicado em
“Não existe decisão econômica dissociada da política”, definiu a presidente Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, logo no início da entrevista ao UOL, na manhã desta quinta-feira (22). Para a deputada, a escolha do Banco Central (BC) pela manutenção da escandalosa taxa de juros de 13,75% foi uma decisão política que obedece à lógica do presidente da instituição, Roberto Campos Neto, de atender interesses do mercado financeiro em detrimento da geração de empregos e do crescimento do país.
“Temos juros reais de quase 8% ao ano”, denunciou Gleisi. “Qual é o empresário que vai investir se o dinheiro dele aplicado rende isso?”, perguntou. “Ninguém vai correr risco, o dinheiro fica parado e ele ganha bem, em cima de títulos públicos, de investimentos. Só que quem sofre é o país”, lamentou.
“Óbvio que o poder público tem de investir, e o presidente Lula está firme nisso, vai fazê-lo, [afinal] o investimento público é multiplicador, mas precisamos do investimento privado”, argumentou a petista. “Com juros na estratosfera não é possível fazer isso”.
A petista advertiu para o risco de o país empobrecer ainda mais, com escassez de crédito, baixo consumo, aumento do desemprego e queda na renda. “O compromisso do presidente é com crescimento e geração de empregos. Para isso, é preciso um Estado forte, indutor da economia, que é o que ele está tentando fazer ao retomar projetos e programas sociais importantes”, observou. “Mas a taxa de juros não está permitindo isso”.
“Não temos risco fiscal”
“Nosso juro real é o dobro do juro do México, que é o segundo país com maior juro real no mundo”, lembrou Gleisi. “Por que o Brasil precisa disso? Qual é o risco que nós corremos? Não temos espiral inflacionária e não temos risco fiscal, nenhum”, ressaltou.
“Primeiro porque nossa dívida é toda em real, não dependemos de oscilação de moeda estrangeira, isso não tem impacto na nossa dívida”, enumerou. “Segundo, é uma dívida bruta de cerca de 72, 73% do PIB, mas temos reservas internacionais, que correspondem a 20% dessa dívida. Se tira 20% de reserva, e devemos ter mais R$ 2 trilhões empossados no Tesouro, mais uns 10%, ficamos com uma dívida líquida de 43%, 35%. Então qual é o risco fiscal para uma taxa de juro dessa?”, inquiriu.
Gleisi avalia que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pratica uma política exclusivamente voltada ao mercado financeiro. “Infelizmente, na economia, quem está ditando regras é o mercado financeiro, o que é uma tristeza. Ele já fazia isso antes, como agora. Deve ter compromisso político com Bolsonaro”, sugeriu.
Irresponsabilidade com o país
Para Gleisi, Campos Neto demonstrou sua falta de compromisso com os interesses do povo brasileiro, com o crescimento do país. “Ele não está nem aí para o país, se os empresários conseguem empréstimo, se tem crédito, se tem produção, isso não passa pela cabeça dele”, lamentou a petista.
Ela criticou o teor do comunicado emitido pela instituição na noite desta quarta-feira (21), para justificar a trágica decisão do banco. “A nota é horrorosa, fala em possibilidade de aumento de juro. Estão contra o país, contra o desenvolvimento, não podemos aceitar uma coisa dessas”, protestou.
“Autonomia do Banco Central não quer dizer irresponsabilidade”, enfatizou a petista. “Aliás, ele tem que apresentar resultados, está lá há dois anos e não apresentou resultado nenhum”, cobrou.
Mobilização da sociedade
Gleisi chamou a atenção para a necessidade de a sociedade brasileira se manifestar contra mais um ataque ao desenvolvimento do país. “Pelo que me consta, a maioria da sociedade é contra juros altos: os empresários, sindicatos, movimentos sociais”, justificou.
“Quem gosta de juro alto é a Faria Lima, o Brasil não pode se dobrar ao mercado financeiro. Temos de fazer um amplo movimento para baixar a taxa de juros”, defendeu Hoffmann.
“Quanto mais gente estiver falando contra os juros, mais o Congresso vai se sensibilizar. O Senado da República não pode ficar corresponsável pela tragédia econômica do país”, frisou, reafirmando que o país não pode ter medo de fazer o debate e que Campos Neto não é intocável e pode ser substituído.
Indústria travada e desequilíbrio fiscal
Gleisi recomendou ao presidente do Banco Central que ouça a exposição feita pelo Nobel de economia Joseph Stiglitz, que participou nesta semana de um seminário no BNDES. “O presidente do Banco Central deveria ouvir a palestra com bastante calma”.
A petista lembrou da teoria de Stiglitz de que a pressão nos juros não só causa inflação como atua para desequilibrar as contas públicas. “Até porque têm um impacto imenso no fiscal, com pagamento dos serviços da dívida, e inflação”. Trata-se de uma visão neoliberal ultrapassada inclusive no debate econômico mundial, ressaltou a presidenta do PT.
Ela também citou as críticas feitas pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, que apontou para os efeitos danosos das taxas de juros sobre a atividade industrial. “Ele disse isso, que o setor de indústria não tem como se desenvolver no país com essa taxa de juros, que concorre com os investimentos privados”. Silva classificou os juros no Brasil como “pornográficos”.
Convocação de Campos Neto
Ela voltou a defender a saída de Campos Neto do BC. “Ele deveria pedir demissão, não tem nada a ver com a linha do governo que foi eleito. Como ele, pelo jeito, não vai fazer, o Congresso tem de começar uma discussão”, argumentou.
Para Gleisi, Campos Neto, que será convocado a ir ao Congresso, tanto à Câmara quanto ao Senado, terá de explicar à sociedade “bonitinho por que os juros reais chegam a 8%, por que o Brasil é campeão de juros e por que, mesmo com esse juro estratosférico, a inflação continua onde está. Ele não entregou resultado e de tem de ser cobrado”, advertiu.
Ela citou exemplos de outros países, como os Estados Unidos, onde o Banco Central presta contas ao país e tem uma política de acordo com as diretrizes econômicas do governo. Portanto, o Banco Central, como está hoje no Brasil, argumentou a petista, “será um entrave ao desenvolvimento”.
Para Gleisi, o equívoco do Banco Central não é uma sabotagem ao governo, mas ao Brasil. “Não é contra o presidente, que é o governante e está fazendo tudo para que o Brasil dê certo”, pontuou. Segundo a deputada, o governo tomou medidas importantes nos três primeiros meses na área fiscal para facilitar o ambiente de crescimento. “Mas com uma política monetária dessa não é possível”.
BC tem de ter compromisso com pleno emprego
Gleisi citou a Lei de autonomia do banco, que estabelece o compromisso da instituição não apenas com o controle da inflação, mas garantir o desenvolvimento e o pleno emprego. “Não li uma linha [na nota] sobre emprego”, comentou.
“Aliás, pior, ao contrário, só faltou a nota dizer que estão conseguindo atingir o desemprego, estão conseguindo colocar para baixo essas expectativas”, condenou. “Isso é muito ruim, para que serve isso? Por que precisamos de uma atuação como essa?”, indagou.
Da Redação