Haddad: “A elite brasileira é predatória e a eleição de Bolsonaro mostra isso”

Em entrevista ao ‘El País’, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação reafirma esperança na juventude brasileira, comprometida em resgatar os melhores valores humanistas. “É um paradoxo a capacidade de resistência e resiliência em educação do Brasil”, aponta

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Ex-prefeito de São Paulo, o economista e sociólogo Fernando Haddad denuncia o pouco caso das classes dominantes do país – empresariais e políticas –, que não têm demonstrado qualquer compromisso com o desenvolvimento do país – um dos mais desiguais de todo o planeta. “Toda nossa literatura produzida no país sobre nossa história e nossas elites fez menos para explicar o Brasil ao estrangeiro do que a eleição de Bolsonaro”, ressalta.

Em entrevista ao portal do ‘El País’ nesta quinta-feira, 16 de julho, Haddad lamenta a natureza da “predatória” da elite brasileira, sem visão social ou qualquer tipo de compromisso com bandeiras progressistas e que estão sendo levantadas em todo o mundo ocidental, como a defesa do desenvolvimento sustentável, combinando justiça social e meio ambiente. “A eleição de Bolsonaro explicou ao mundo a dificuldade que Brasil tem de dialogar com as forças progressistas”, lamenta.

Haddad integra hoje uma frente progressista mundial para defender os princípios da democracia e as conquistas sociais e ambientais, chamada Internacional Progressista. “Continuamos agredindo o meio ambiente continuamente, com uso de agrotóxicos, com grilagem. Estamos colhendo o resultado de políticas desastradas do ponto de vista ambiental”, alerta.

Uma nova agenda progressista

Ele disse que o governo Bolsonaro é hoje uma vitrine para o mundo de tudo que não deve ser feito em relação ao meio ambiente. “É uma vergonha planetária”, ressalta, também apontando que há outro problema grave que o país precisa discutir de maneira urgente: a desigualdade social. “Estamos cavando um abismo social enorme e um abismo ambiental”, adverte. “Os problemas sócio-ambientais estão se agravando. Esse descalabro só se justifica pela ausência de comando político, por falta de liderança política no governo”.

Haddad diz que o Brasil está no contramão da agenda política global que está sendo discutida na Europa e mesmo nos Estados Unidos, que tem como paradigma o debate sobre um Green New Deal. O debate entre partidos da social-democracia e da centro-esquerda em todo o mundo trata de montar uma estratégia de retomada da economia no pós-pandemia tratando da promoção de uma política de desenvolvimento econômico sustentável e que também trata da redução das desigualdades social e de renda, agravadas pelos 40 anos da agenda neoliberal imposta ainda nos anos 80 por Margareth Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos.

“Este é o grande desafio: unir a agenda social, para reduzir as desigualdades, com uma nova agenda ambiental”, afirma. “Essa pandemia e o problema climático que o mundo está vivendo têm a ver com a agressão ao meio ambiente promovida pelo homem”. 

Esperança com a juventude

O ex-ministro da Educação se mostra otimista e vê com esperança a juventude brasileira, especialmente a que ampliou a diversidade nos bancos universitários. É a juventude que tem mostrado energia para resistir aos projetos conservadores e de redução de investimentos do governo do presidente Jair Bolsonaro. “É um paradoxo a capacidade de resistência e resiliência em educação do Brasil”, aponta. “Embora tenhamos tido três ministros desastrosos —e um que ainda não se pronunciou—, a capacidade de resistência tem sido muito importante”.

Ele lembra que, no ano passado, o primeiro ato de resistência ao governo Bolsonaro – um líder de extrema-direita com a mais regressiva agenda política hoje no planeta, que nega a ciência e a cultura –  veio da juventude, que foi às ruas protestar contra os cortes anunciados nas verbas das universidades públicas. “Um milhão de estudantes e professores foram às ruas”, lembra.

Segundo Haddad, nasceu ali o movimento antifascista em defesa do orçamento da Educação e contra programas bolsonaristas e as escolas militares. Haddad enxerga na juventude universitária a possibilidade de o país experimentar um novo pacto social no Brasil. “Falamos de milhões de brasileiros que resistem bravamente ao desmonte de Bolsonaro”, afirma.

Lula perseguido pela Lava Jato

Questionado sobre o papel de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumida pelo PT, Haddad diz que não há qualquer tipo incompatibilidade. “Lutar pela Justiça não pode atrapalhar nunca”, destaca. “Existem julgamentos paradigmáticos”, afirma.

Haddad compara a injustiça e a perseguição sofrida por Lula – alvo de ataques coordenados do ex-juiz Sérgio Moro e de procuradores da República guiados por interesses anti-nacionais e profundamente comprometidos com os Estados Unidos – com o caso do capitão francês Alfred Dreyfus, condenado injustamente à prisão perpétua por suposta traição, no final do século 19. “Aquilo deu uma nova dimensão ao conceito de República na França”, lembra o professor. Ele diz que a defesa de Lula também é a luta pela democracia no Brasil.

Da Redação

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