Hoje atacada, Constituinte de 88 garantiu cidadania às mulheres
Uma das mais modernas do mundo, Constituição foi um marco na garantia de direitos coletivos e teve grande participação feminina em sua elaboração
Publicado em
Há 30 anos, as mulheres brasileiras foram capazes de realizar uma verdadeira revolução no País. Ao longo do processo Constituinte elas conseguiram arrancar o Brasil do Século 19, inscrevendo na Constituição uma realidade óbvia, mas ainda dissonante da cultura e da legislação de então.
“Nós colocamos no texto constitucional o reconhecimento de que mulher também é gente”, resume a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), uma das 26 parlamentares que participaram da assembleia Constituinte.
Considerada uma das mais modernas do mundo, a Constituição de 1988 foi um marco na garantia de acesso à educação, à saúde, à assistência e à cobertura previdenciária—elementos essenciais ao bem-estar coletivo. Mas esta não seria uma Constituição Cidadã de verdade se passasse ao largo dos direitos civis de metade da população do País.
Cidadania para as mulheres
Foi a Carta de 1988 que consagrou direitos como a licença maternidade de 120 dias, a proibição de discriminação em razão do sexo, a plena igualdade entre homens e mulheres, a igualdade no acesso ao mercado de trabalho e na ascensão profissional.
Também garantiu igualdade salarial entre homens e mulheres por trabalho igual, proteção estatal à maternidade e à gestante, igualdade de direitos previdenciários e aposentadoria especial para mulheres, igualdade na sociedade conjugal, liberdade no planejamento familiar e coibição da violência na constância das relações familiares, entre outros avanços.
São muitas e significativas conquistas, que ficam maiores ainda quando se recorda que foram alcançadas com o trabalho de 26 parlamentares mulheres em um universo de 593 deputados e senadores — e apenas meio século após a conquista feminina de votar e ser votada.
“Quando começamos os trabalhos na Constituinte, sequer havia um banheiro feminino no Plenário”, conta Benedita. “Mas a nossa Constituição só pode ser chamada de Cidadã porque ela foi capaz de ouvir o País e, nesse processo, reconhecer as mulheres”.
O chamado “lobby do batom”, apelido dado à articulação das 26 parlamentares, não trabalhou sozinho. “Havia muita mobilização”, ressalta Benedita. “O Brasil estava presente na Constituinte e nós também fomos ao encontro do País. Nós botamos o pé na estrada, fomos dialogar”.
Retrocesso e resistência
Trinta anos depois, o cenário é muito diferente. Na esteira de um golpe parlamentar, direitos fundamentais assegurados na Carta de 88 estão em cheque — ou transformados em letra morta, como os direitos trabalhistas, a partir da reforma do golpista Temer, que colocou na legalidade até mesmo que gestantes e lactantes trabalhem sob condições insalubres.
Questões que pareciam superadas, ao menos nas camadas mais esclarecidas da sociedade—a ideia de subordinação da mulher ao homem, a objetificação da mulher e a violência de gênero—tentam voltar à moda, infladas pelas piores vertentes conservadoras.
“O retrocesso de hoje só prova que precisamos estar alertas permanentemente. Não porque a gente teve uma conquista que pode respirar”, avalia a senadora Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT.
A virada vem
“O patriarcado é milenar. Não é em 30 anos que se muda o que a História escreveu sobre nós. Os movimentos de emancipação da mulher são muito recentes na civilização. É obvio que a gente se alegra muito quando consegue ter conquistas como as alcançadas na Constituição, mas não podemos parar de lutar”, diz Gleisi, que à época da Constituinte estava dando os primeiros passos na política, atuando no movimento estudantil secundarista.
Apesar da “anestesia” que a senadora acredita estar retardando a mobilização contra o retrocesso, Gleisi vê o futuro com otimismo. “No que diz respeito às mulheres, eu sou muito esperançosa. Está surgindo um feminismo muito mais aguerrido nesta juventude. Mais forte, mais firme, mais consciente. Eu acho que a gente vai ter uma virada boa”.
Do PT no Senado