Jurista desmonta argumentos que defendem prisão após 2ª instância
Ao Brasil de Fato, Aury Lopes Jr. contestou justificativas à medida que será debatida pelo STF nesta quinta-feira
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Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de três ações que debatem a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o Brasil de Fato conversou com o jurista Aury Lopes Jr., um dos mais reconhecidos teóricos do Direito Processual Penal no Brasil, sobre o tema.
O professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), cuja obra serve de referência inclusive para citações dos ministros do STF, desmontou os principais argumentos – classificados por ele como “falaciosos” – dos defensores da ideia.
Segundo ele, não são verdadeiras as justificativas que colocam a Constituição brasileira como uma exceção no campo do direito internacional ao estabelecer que ninguém poderá ser culpado antes do chamado trânsito em julgado – o fim de todos os recursos possíveis em um processo.
O jurista também rechaçou o argumento de que a prisão somente após o fim de todos os recursos favorece a impunidade, por conta da demora do sistema judiciário.
“A questão é que agora temos alguém preso e que amanhã pode ser absolvido, ou a pena pode ser reduzida, podem modificar regime, podem anular o processo inteiro e a pessoa ficou presa anos sem trânsito em julgado, sem fundamento cautelar”, explicou agregando que a Constituição prevê o mecanismo de prisão cautelar, que permite o encarceramento antes do trânsito em julgado para casos de necessidade.
Em sua opinião, a posição adotada pela maioria do Supremo em 2016, a favor da prisão em segunda instância, foi “absolutamente equivocada”. “Estão subvertendo totalmente [o Estado de Direito]”, avalia Lopes Jr. em relação à defesa feita por parcelas da imprensa e do sistema de Justiça.
Confira abaixo a entrevista.
Bdf: Professor, a prisão após trânsito em julgado, ou seja, após o fim de todos os recursos cabíveis, não deveria ser considerada um dispositivo que não pode ser modificado?
Aury Lopes Jr.: A rigor, sim. Está inserido no artigo 5º [da Constituição], que são direitos e garantias fundamentais, que é considerado uma cláusula pétrea.
Nesse sentido, como você vê a decisão tomada pelo Supremo em 2016?
A interpretação que o Supremo deu foi absolutamente equivocada. Errada. Nossa Constituição é muito clara quando fala que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado. Quando o Brasil foi descoberto, em 1500, o mundo do direito processual penal já sabia o que era trânsito em julgado.
É um conceito processual que tem uma historicidade e não é o Supremo que vai ressignificar o que é trânsito julgado a ponto de dizer que existe trânsito em julgado mesmo na pendência de recurso.
Conforme a gente analisa os votos vencedores, existe uma série de falácias e equívocos graves. Por exemplo: “Ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado”. Errado. As pessoas podem ser presas a qualquer momento – na investigação, no processo ou em grau recursal. Para isso existe prisão preventiva.
A questão do trânsito em julgado não favorece a impunidade? Esse é um argumento recorrente.
“Temos que prender em segundo grau porque os processos demoram demais no STJ e no STF e isso gera impunidade”. Errado. O problema é que não foram no foco da questão. Se o problema é a demora, tinham que ter resolvido a demora. Os processos continuarão demorando em recurso especial e extraordinário três, quatro anos para serem julgados. A questão é que agora temos alguém preso e que amanhã pode ser absolvido, ou a pena pode ser reduzida, podem modificar regime, podem anular o processo inteiro e a pessoa ficou presa anos sem trânsito em julgado, sem fundamento cautelar.
Eles tinham que ter resolvido a questão da demora. Os processos tinham que ser julgados mais rapidamente. Não é prisão que vai resolver.
Outro argumento é o de que a prisão após condenação em segunda instância é empregada em diversos países democráticos. Chegam a dizer que nosso sistema jurídico é o único que estabelece o trânsito em julgado como momento da prisão.
É importante chamar a atenção para a questão técnica. Mostrar a falácia de evocar o direito comparado.
Para falar em direito comparado, tem que saber direito e tem que saber comparar. Tem que saber que existem limites metodológicos para comparação. Não interessa o que diz a Constituição dos EUA, da França ou de qualquer país. Interessa o que diz a Constituição da República Federativa do Brasil. E aqui fala em trânsito em julgado.
Ponto dois: não é verdadeiro o argumento de que nossa Constituição é um ponto fora da curva. O artigo 32 da Constituição portuguesa diz exatamente isso. “Todo arguido se presume inocente até o trânsito em julgado de sentença de condenação”. A Constituição italiana, no artigo 27.2 diz que ” a responsabilidade penal é pessoal, o imputado não é considerado culpado senão depois da sentença condenatória definitiva”. Existem outras.
Confira a entrevista na íntegra aqui.
Por Brasil de Fato