Lula: Querem destruir a esperança, mas amanhã será outro dia

Em carta lida durante o Congresso da Fecam, ex-presidente diz ter certeza que só democracia pode fazer com que o povo brasileiro volte a ser feliz

Denner Ovidio

Secretário Nacional de Finanças do PT, Emidio de Souza, durante Congresso da Fecam

O fato de estar ausente do painel dos presidenciáveis do Congresso da Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), realizado nesta quarta-feira (13) em Florianópolis, não impediu que a voz e as ideias de Lula ecoassem novamente por todos os cantos do Brasil. Desta vez,  coube ao secretário Nacional de Finanças do PT, Emidio de Souza, ler a carta do ex-presidente durante o evento que reune até o dia 14 de junho políticos das esferas municipais, estaduais e federais para compartilhar desafios e apresentar soluções para o pais.

Com o aval de quem fez governo pautado pelo constante diálogo, sem qualquer discriminação política ou ideológica, o testemunho de Lula manteve o otimismo que carrega a tiracolo desde quando deu início à vida pública como líder sindical e mostrou porque ele é o único pré-candidato capaz de barrar os retrocessos pós-golpe de 2016.

“Os dias atuais podem parecer difíceis. Podem querer destruir toda a esperança, mas como canta Chico Buarque, amanhã há de ser outro dia. Um dia que virá quando o povo expressar a sua vontade sobre o Brasil de forma democrática nas urnas”, escreve Lula, citando trecho do clássico “Apesar de Você” – escrita em 1970, a canção é um recado implícito à Ditadura Militar, à época sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, e se mantém atualíssima diante do cenário político articulado pelo ilegítimo Michel Temer.

Se hoje o autoritarismo dos golpistas remete aos piores tempos da história recente do Brasil, durante os governos de Lula e Dilma a conversa era, literalmente, outra.  “Vocês se lembram. Governei no período de mais longa paz social no Brasil. Governei praticando o diálogo e o ideal de que se tem que governar para todos, com um carinho especial para quem mais precisa”, recorda Lula.

Caso tenha a oportunidade de voltar ao Palácio do Planalto pela força do voto popular, o presidente que mais fez pelo povo brasileiro pretende “praticar ainda mais o diálogo em um governo feito junto com os governadores, os prefeitos, trabalhadores e empresários debatendo e construindo juntos as soluções para o país”.

Para isto, é preciso mais do que nunca manter a defesa de todas as instâncias democráticas, hoje vítimas frequentes de ataques desferidos tanto pelos que chegaram ao poder sem voto quanto pelas instituições que deveriam fazer valer as leis e a Constituição.

“Eu não fugi. Eu não desisti, nem jamais irei desistir do meu país (…).  É na democracia que eu tenho certeza que o país voltará a encontrar seu rumo, que o Brasil encontrará o caminho para ser feliz de novo”, conclui Lula, líder isolado em todas as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República.

Sem provas

Antes de dar início a leitura do documento, Emidio deixou claro que era o próprio Lula quem deveria estar ali, apresentando aos brasileiros as propostas que podem recolocar a nação no lugar que lhe é reservado na história. “Quem era para estar no meu lugar está preso injustamente num processo sem provas. Um preso político. Uma vergonha para nossa democracia”, disse.

Emidio ainda relembrou de como Lula abriu as portas do Palácio do Planalto para receber prefeitos de todo o Brasil: “Houve uma época que a marcha de prefeitos a Brasília era recebida por cachorros e policiais. E houve outra época após o Lula que ele fez questão de dialogar com todos os prefeitos.  Mesmo quando não tinha nada de concreto ele fazia questão de ouvir. Depois do Lula os prefeitos aprenderam que era possível haver um governo federal que dialogava com todos”.

Deputado federal Décio Lima (PT-SC) e secretário Nacional de Finanças, Emidio de Souza

Leia a carta de Lula na íntegra: 

Ser prefeito é governar próximo de sua gente. É ter responsabilidade de cuidar. É estar na ponta dos problemas e das soluções.  Vocês que recebem o povo na porta de casa pedindo ajuda, e sabem como tem aumentado o sofrimento da população. Vocês não podem se esconder em um palácio em Brasília ou no estúdio de uma televisão. Vocês não tem cargo vitalício.

Vocês a cada quatro anos tem que ir na rua pedir voto, olhar o povo nos olhos e pedir a renovação da confiança deles em vocês, enquanto todos dizem o tempo inteiro que todos os políticos não prestam. Vocês, independente do partido e da linha de pensamento, assumem a responsabilidade de serem os líderes das suas cidades. Por isso tenho o maior respeito e admiração por quem aceita esse desafio de cuidar de um município.

Alguns talvez tenham sido prefeitos quando eu fui presidente. Tenho orgulho de dizer que jamais descriminei prefeito por partido, se gostava ou não gostava de mim.  Todos foram bem atendidos, sem qualquer discriminação.  Criamos uma sala de atendimento e equipe especial no Palácio do Planalto só para atender os prefeitos. Porque vocês não representam um grupo ou um partido. Representam toda a população das suas cidades.

Durante meus mandatos aumentamos os repasses para os municípios. Criamos o Fundeb para ampliar o financiamento da educação. Demos apoio na merenda e no transporte escolar. Levamos campus universitários para o interior, para não ser como antigamente, só na capital. Da Federal de Santa Catarina criamos campus em Araranguá, Blumenau, Curitibanos e Joinville.

A Universidade Federal da Fronteira Sul em Chapecó. Os Institutos Federais de Ensino, com 37 campus e 43 mil alunos no estado. Fizemos o Minha Casa Minha Vida, o PAC e o Bolsa Família em parceria com o poder local.  E o governo Dilma criou os Mais Médicos, para atender uma reivindicação dos prefeitos que não conseguiam levar médicos para o interior e as periferias das grandes cidades. Apanhou muito por causa dos Mais Médicos. Mas hoje milhões são atendidos pelos profissionais desse programa.

Apoiamos a indústria, aumentamos o financiamento para a agricultura e o apoio para os pequenos produtores.  Criamos a lei dos consórcios públicos, que permitiu a criação de consórcios de grupos de municípios, um instrumento importante para os prefeitos das regiões metropolitanas e das pequenas cidades.

Duvido que tenha tido um governo que levou mais recursos para os prefeitos de Santa Catarina do que o meu.

E se hoje eu sou candidato a presidente de novo, é porque na democracia quem decide os governantes é o povo. Vocês são prefeitos eleitos pelo povo, e tem que ser respeitados por isso. E eu quero garantir que se eu tiver a honra de ser presidente do Brasil mais uma vez, haverá diálogo, cooperação e respeito aos prefeitos, para trabalharmos juntos na superação da atual crise e voltarmos para o caminho do desenvolvimento e da convivência democrática.

Porque o país não pode continuar apenas no rumo dos cortes de investimentos e políticas sociais que estão destruindo nosso presente e nosso futuro.

Vocês sabem o que irá significar a PEC do Teto de Gastos para os prefeitos. Ela irá, de forma crescente, inviabilizar a gestão pública não só no governo federal, mas também nos municípios. Sejam vocês do partido que forem, apoiem o candidato que quiserem, vocês sabem que essa medida não pode ser mantida se a gente quer um futuro viável para o Brasil.

Eu quero trazer muita experiência e diálogo para ao mesmo tempo termos responsabilidade fiscal, resolvermos o déficit e retomarmos os investimentos sociais e em infraestrutura. Não é fácil, mas eu sou o único candidato que pode dizer que já fez exatamente isso quando foi presidente. E é pelo que eu fiz como presidente que vocês podem ter certeza: não tem candidato nessa eleição que conheça mais o Brasil e Santa Catarina do que eu.

Esse ano estive novamente em Santa Catarina, na etapa Sul das caravanas que percorreram estradas de 15 estados em 3 regiões do país. Passei por Florianópolis, por Chapecó, pela região oeste.  Eu sei que vocês tem uma economia forte e diversificada, com indústria, agropecuária e turismo. Uma história menos marcada pela desigualdade e pelo analfabetismo que outros estados. Eu sei que o desemprego é o mais baixo do Brasil.  Mas sabemos que vocês não estão isolados da crise que afeta o país.

Conversei com produtores de leite que tem vendido seus produtos abaixo do preço.  A greve dos caminhoneiros, fruto da política absurda de preços de combustíveis na Petrobrás implantada por Pedro Parente, levou ociosidade para nossas refinarias, prejuízos na balança comercial e o caos para atividade chave do transporte de carga nas estradas, que conectam quase toda a nossa economia. As cadeias de produção de aves e suínos que estavam indo tão bem, tem sofrido nos últimos anos, e foram severamente prejudicadas pela greve.

A instabilidade do país, a falta de paz, vai minando investimentos, projetos de longo prazo, empregos, cidades, famílias. A pobreza, que estava diminuindo, e a fome, que tinha praticamente desaparecido, voltaram a crescer.

Cenário tão diferente daquele de quando deixei o governo.

Vocês se lembram. Governei no período de mais longa paz social no Brasil. Governei praticando o diálogo e o ideal de que se tem que governar para todos, com um carinho especial para quem mais precisa.  Não me arrependo um instante disso. Quero praticar ainda mais o diálogo em um governo feito junto com os governadores, os prefeitos, trabalhadores e empresários debatendo e construindo juntos as soluções para o país.

Só um presidente eleito pelo voto poderá retomar o caminho do desenvolvimento. Eu sei que podemos superar esse caos iniciado em 2014, quando alguns poucos decidiram não aceitar o resultado das urnas e sabotar o governo do PT para voltarem ao poder.

Meus amigos e minhas amigas,

Eu conversei com muitos estudantes de universidades do estado que vem o governo cortar investimentos em educação e pesquisa. Um estado como Santa Catarina só vai avançar ainda mais com educação, pesquisa, universidades, tecnologia. A redução dos investimentos nessa área retiram o futuro que o Brasil poderia ter.

Além da situação precária das nossas universidades públicas nos últimos anos, a Universidade Federal de Santa Catarina e a cidade de Florianópolis onde estão reunidos viveu uma tragédia ano passado. A morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. A sua morte não foi suicídio, foi um assassinato. Mataram sua reputação, sua história, sua dedicação de décadas à universidade pública. Ele não resistiu à esse linchamento da mídia, de acusações falsas contra sua honra.

O reitor foi vítima de uma teoria, de um processo, que acha que para condenar alguém não se tem que ter provas, mas sim destruir sua imagem pública. Muita gente celebra quando tal linchamento atinge um adversário político. Quando acham que isso é para acabar com o Lula e o PT.

Mas hoje isso atinge  a exportação de carnes, de frangos, milhares de empregos em construtoras, e até um reitor de uma universidade, vítimas da mesma vontade de uns poucos de aparecer no Jornal Nacional. Claro que a corrupção tem que ser combatida e meu governo foi o que mais institui leis e reforçou a polícia federal para combater a corrupção. Mas como ficam os inocentes e os atingidos injustamente por esses processos midiáticos?

Encontro-me em uma cela, condenado injustamente por “atos indeterminados”, já que o juiz não sabe dizer o que eu fiz de errado, e por causa de um apartamento que não é meu, do qual nunca tive a chave, nem a escritura, e no qual jamais dormi. Condenado a dormir doze anos preso por algo que não é nem nunca foi meu.

Eu sei que não fui condenado em tempo recorde por um apartamento no Guarujá onde nunca fiquei sequer um dia.  Mas para evitar que o povo brasileiro mande eu passar mais quatro anos trabalhando no Palácio do Planalto, como fiz por oito anos entre 2002 e 2010.

Eu não cometi crime algum e confio e aguardo o reconhecimento da minha inocência ou que aqueles que me acusam apresentem alguma prova da minha culpa.

Eu não fugi. Eu não desisti, nem jamais irei desistir do meu país.

E vocês também não devem desistir jamais de lutar para resolver os problemas das suas cidades. De lutar, de ouvir o povo, de debater os problemas, de reconhecer as dificuldades sem baixar a cabeça.

Os dias atuais podem parecer difíceis, podem parecer querer destruir toda a esperança, mas como canta Chico Buarque, amanhã há de ser outro dia. Um dia que virá quando o povo expressar a sua vontade sobre o Brasil de forma democrática nas urnas.

E é na democracia que eu tenho certeza que o país voltará a encontrar seu rumo, que o Brasil encontrará o caminho para ser feliz de novo.

Tenham um grande encontro e que Deus ilumine vocês nesse trabalho tão importante e bonito que é ser prefeito.

Luiz Inácio Lula da Silva

13 de junho de 2108

Por Henrique Nunes, da Agência PT de Notícias

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