Lula, sobre as eleições: “O jogo está apenas começando”
Em entrevista ao ‘El País’, ex-presidente reafirma importância do legado do PT na disputa eleitoral e defende que é preciso avançar com apresentação de novas propostas pelo partido. “Aqueles que achavam que o PT tinha acabado em 2016 foram os mesmos que se assustaram com a performance do companheiro Fernando Haddad em 2018, mesmo ele começando a campanha a 20 dias das eleições”, advertiu Lula. “As pessoas falam muito no “novo normal”. O novo normal é ter carteira profissional, férias, 13º, seguridade. Tiraram para oferecer o quê? Nada, estão tirando os sonhos das pessoas”, observou o ex-presidente
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As eleições municipais de 2020 representam uma grande oportunidade para que o Partido dos Trabalhadores reafirme sua força política por meio da defesa do sucesso de suas administrações, tanto em nível municipal quanto na Presidência da República. A avaliação foi feita pelo ex-presidente Lula, em entrevista concedida ao jornal ‘El País’ nesta quarta-feira (7).
Segundo Lula, o PT lançou candidatos em todas as cidades possíveis, “difundindo parte do legado até 2016 e ao mesmo tempo fazendo propostas novas”. Para o líder petista, o partido ainda pode surpreender, principalmente setores da mídia que apostam em um isolamento do partido. “O PT é um partido muito grande, enraizado na sociedade brasileira como nenhum outro partido”, afirmou Lula.
“Aqueles que achavam que o PT tinha acabado em 2016 foram os mesmos que se assustaram com a performance do companheiro Fernando Haddad nas eleições [de 2018], mesmo ele começando a campanha a 20 dias das eleições”, comentou Lula. “Prepare-se, porque o PT será responsável pela retomada do governo em 2022”, avisou Lula.
Na avaliação do ex-presidente, o partido tem boas chances de ser o mais votado entre a esquerda no maior colégio eleitoral do país, São Paulo. “O PT tem força política, se a gente conseguir fazer com que seja canalizada para a candidatura do Jilmar Tatto, ele pode ser o mais votado entre os candidatos de esquerda”, observou.
Para Lula, Tatto ainda é desconhecido de parte do eleitor, fato que deve mudar com o início da propaganda eleitoral. “O jogo está apenas começando”, disse Lula, para quem é muito importante a pluralidade de candidatos de esquerda na capital paulista, com propostas variadas. Ele disse ainda esperar uma união do campo progressista em um segundo turno.
As pessoas falam muito no “novo normal”. O novo normal é a pessoa voltar a ter direito trabalhista, carteira profissional, férias, 13º, seguridade. É voltar a conquistar aquilo que nos tiraram, conquistas da metade do século passado. Tiraram para oferecer o quê? Nada. Estamos voltando quase ao tempo da escravidão. Todo mundo precisa de uma certa garantia para ter tranquilidade, vislumbrar o seu futuro. Estão tirando o sonho das pessoas
Desgoverno no Brasil
Na entrevista, o ex-presidente demonstrou preocupação com a crise econômica e social no país e fez críticas contundentes ao desgoverno de Bolsonaro, em especial ao desastre da gestão de Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia. “Só vemos discurso que atenda ao interesses dos mercados, do controle fiscal”, criticou. “Não há compromisso com política social”.
Para Lula, é preciso restabelecer a confiança no país, mas com um governo que tenha de fato um conteúdo programático. “É preciso que o governo tome iniciativa”, argumentou. “Por que a iniciativa privada iria colocar dinheiro se o próprio governo não está confiante?”, questionou. ‘A única coisa que estão fazendo, a toque de caixa, é se desfazer do patrimônio público, é vender empresas públicas brasileiras”.
Lula considera que, enquanto o governo se mantém paralisado, a redução do auxílio emergencial, o último fio de sustentabilidade da população mais pobre, deverá agravar a crise.
Desemprego e “Novo Normal”
“Nós temos 13 milhões de pessoas desempregadas mais outros tantos milhões que já perderam a chance de procurar emprego”, analisou. “Se você tem uma inflação de 4% com a economia crescendo a 5%, a inflação não significa nada. Agora, com a economia destruída, uma inflação de 5% para quem ganha até dois salários mínimos, é muito. Com a redução do auxílio, vai piorar muito a vida do trabalhador”, prevê o ex-presidente.
“O Guedes parece uma biruta de aeroporto”, afirmou ele, para quem o ministro “não tem clareza”. Ainda segundo Lula, o governo erra ao considerar que o Estado só existe para garantir a rentabilidade do sistema financeiro. “Não pode continuar assim. O Brasil voltou ao Mapa da Fome, isso não pode ser o ‘novo normal’”.
“As pessoas falam muito no “novo normal”. O novo normal é a pessoa voltar a ter direito trabalhista, carteira profissional, férias, 13º, seguridade. É voltar a conquistar aquilo que nos tiraram, conquistas da metade do século passado. Tiraram para oferecer o quê? Nada. Estamos voltando quase ao tempo da escravidão. Todo mundo precisa de uma certa garantia para ter tranquilidade, vislumbrar o seu futuro. Estão tirando o sonho das pessoas”, constatou Lula.
Uberização do trabalho
De acordo com o ex-presidente, a uberização do mercado de trabalho, na verdade uma falácia governista sobre empreendendorismo apenas para retirar direitos, não muda o fato de que o povo continua sendo trabalhador.
“Eles não têm quem os defenda”, sustentou. A saída, prega o ex-presidente, é levar o discurso e a consciência do movimento sindical para a realidade atual do mercado de trabalho, “para conquistarmos a representatividade nesses setores difusos da sociedade, que são milhões de brasileiros à espera de proteção”.
Mais Bolsa Família
Lula chamou a atenção para o plano de reconstrução do país apresentado pelo PT, que inclui o Mais Bolsa Família, no valor de R$ 600, e o fim do Teto e Gastos na saúde e na educação, entre outras medidas. Para ele, é preciso constituir um fundo para bancar a fonte de renda à população vulnerável, e ela deve ser ininterrupta.
“Uma das formas de fazer isso é com uma reforma tributária e levando o Congresso Nacional a ter consciência de que os ricos precisam pagar imposto nesse país”, propôs. Segundo Lula, está provado que o Bolsa família dá certo, “é bobagem querer mudar”.
“Nós consertamos o Brasil, levamos a ser quinta economia mundial”, lembrou o ex-presidente. “Nós, que não tínhamos dinheiro nem para pagar as nossas importações, deixamos o país com U$ 370 bilhões de reservas. O salário mínimo cresceu 74%. É possível fazer”, frisou.
Se você quiser construir uma frente ampla para recuperar os direitos que os trabalhadores perderam, para fazer uma reforma tributária em que os ricos paguem imposto de verdade, para que você possa voltar a dar cidadania ao povo que foi excluído desde o tempo da escravidão, aí estou disposto a fazer uma frente ampla. Mas fazer um arranjo por cima, apenas para mudar a nomenclatura, sem dizer o que vai acontecer com o povo pobre… já tenho idade demais, não vou enganar o povo
Frente ampla
O ex-presidente voltou a atacar a criação de uma frente ampla contra o bolsonarismo que não tenha compromisso em restabelecer direitos trabalhistas para levar dignidade ao povo. “Frente ampla para quê?”, indagou o ex-presidente, querendo saber as reais motivações de um movimento antibolsonarista. Do contrário, considera, será trocar “A por B”.
“Se você quiser construir uma frente ampla para recuperar os direitos que os trabalhadores perderam, para fazer uma reforma tributária em que os ricos paguem imposto de verdade, para que você possa voltar a dar cidadania ao povo que foi excluído desde o tempo da escravidão, aí estou disposto a fazer uma frente ampla”, afirmou.
“Mas fazer um arranjo por cima, apenas para mudar a nomenclatura, sem dizer o que vai acontecer com o povo pobre… já tenho idade demais, não vou enganar o povo”, pontuou Lula.
“Estamos lutando com um mercado que dá toda sustenção às asneiras que Guedes anda fazendo”, explicou o ex-presidente. Portanto, justificou, ”frente ampla só faz sentido se for para devolver direitos ao povo trabalhador” porque, em sua visão, “a elite quer continuar sendo elite”.
Ingerência na América Latina
Durante a conversa com o jornal espanhol, Lula criticou as tentativas de ingerência dos EUA na América Latina – em especial na Bolívia e na Venezuela – e o presidente Bolsonaro, a quem classificou como um “lacaio” dos americanos. “Quem define a democracia na Venezuela é o povo”, argumentou Lula.
“Em 2003, com apenas 25 dias de mandato criei o Grupo de Amigos da Venezuela. Fizemos o referendo, Chavez ganhou. Todo ano que tinha eleições na Venezuela a oposição fazia a canalhice que Aécio Neves fez com a Dilma”, lembrou Lula, para quem a oposição e os americanos precisam respeitar os processos democráticos na região.
Não cabe aos EUA, nem ao Bolsonaro, ter ingerência na Venezuela” alertou. “A coisa está muito radicalizada. Quando Bolsonaro manda os militares para a fronteira, quando Trump manda seus olheiros para fazer bobagem na Venezuela, pela Colômbia, isso não leva à paz”. Segundo ele, a crise na Venezuela não é nova, mas certamente só será resolvida “com o exercício da democracia”.
Da Redação