Nota da SEMAD sobre o massacre do povo indígena de Wajãpi

Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento faz um resgate da contextualização histórica sobre a perseguição aos povos indígenas

Reprodução

Indígenas da aldeia Marirí fugiram para aldeia Aramirã

No último dia 26 cerca de 15 garimpeiros, segundo diversas testemunhas, invadiram a aldeia de Mariri, no Amapá, ferindo indígenas e assassinando o cacique Emyra Wajãpi. No mês de fevereiro uma liderança dos Tucano foi morta com cinco tiros, os suspeitos estão livres e nenhuma investigação foi aberta. Nesse mês mais uma casa de reza Guarani-Kaiowa, no Mato Grosso do Sul, foi queimada. Acirramento dos conflitos segue crescente entre os povos pataxós, guajajaras, entre os indígenas isolados. Aldeias contnuam sendo invadidas e as demarcações de terras indígenas totalmente paralisadas.

O que está por trás de tanto ódio? O que vem legitimando tantas ações bárbaras contra os povos indígenas do Brasil?

Com toda segurança, podemos afirmar que não só o discurso de ódio promovido por Bolsonaro desde antes do início da campanha presidencial, mas, também, pelas práticas de seu governo orientadas para o geno/etnocidio dos povos indígenas que atacam diretamente todos os direitos conquistados desde a Constituição Federal de 1988.

E por que os povos indígenas são alvo tão importante para o governo Bolsonaro?

Para entender, precisamos retomar o histórico de formação do Estado brasileiro, que permitiu políticas contra os povos indígenas como regra de formação dessa Nação, prática sustentada até hoje e que se fortalece quando um governo de extrema-direita assume o comando.

Desde a invasão colonial, o genocídio contra os povos indígenas se fez necessário como forma de atingir os objetivos da colonização e da formação de um Estado-Nação. Quando os portugueses aqui invadiram, não o fizeram com o propósito de estabelecer boas relações de convivência com os povos originários, mas, sim, com a explícita intenção de explorar o território, suas riquezas e expropriar tudo que lhes pertencia, desde a língua, passando pela cultura até, claro, as terras.  Por isso é correto afirmar que os povos indígenas resistem e vivem em guerra há 519 anos. Essa afirmação não é um ímpeto de afirmar a positividade da luta indígena: ela é expressão real da resistência a todos os desmandos de um Estado que  que só é o que é porque violou todos os direitos dos povos originários por meio de uma lógica de “desenvolvimento” que nunca considerou os indígenas como parte fundamental, tampouco compreendeu que respeitar a terra , as pessoas e a natureza, conforme são as bases desses povos. E assim seguimos há 519 anos.

No primeiro momento fez-se necessário a exploração da mão-de-obra escrava da população indígena, processo esse que perdurou até 1 de abril de 1680 por meio da Lei conhecida como o Dia da Abolição da Escravidão Indígena. Uma primeira grande mentira da nossa história, já que a Lei proibia a escravidão de novos índios mas não versava nada a respeito dos que já eram escravos.

Diferente do que a história conta, os indígenas não deixaram de ser escravos porque eram preguiçosos, mas porque, a partir de 1755 seria mantido de maneira velada a população indígena em situação de escravidão por meio do trabalho compulsório, quando se começa a estabelecer em 1755 a Reforma Pombalina, uma política instituída sobre como proceder ao genocídio, bem como a expropriação das terras indígenas. Regrou a forma de como os povos originários poderiam ficar em seu próprio território, estabelecendo a expropriação de terras de maneira legal ao permitir que o indígena pudesse usufruir de uma pequena parte do território – “o roçado”- para sua subsistência, desde que trabalhasse compulsoriamente na grande lavoura monocultora. Estabeleceu também a prática dos casamentos forçados entre brancos e índias, para que os filhos advindos desse casamento fossem reconhecidos como brancos, fundando assim, por meio da cultura do estupro, a lógica do patriarcado no Estado brasileiro.

A Reforma recomendava ainda, a proibição do Nhengatu como língua geral e estabeleceu o português como idioma oficial. O processo de expropriação de terras indígenas se consolida em 1850, quando malandramente se estabelece um regime de como “legalizar” as propriedades durante ao caos agrário que o Brasil vivia em meio às guerras entre colonos e jesuítas pelo território. O modelo estabelecido pela Lei de Terras de 1850 garantiu o regime da propriedade privada tal qual o conhecemos até os dias de hoje, legalizando que fossem donos das terras aqueles que pudessem comprar ou que já se achassem ocupantes do território (desde que não fossem indígenas ou negros, claro) estabelecendo a lógica de propriedade privada sobre a terra. Institui, portanto, o sistema de grilagem e de posse que conhecemos até hoje que nunca beneficiou os povos originários, mas, aos europeus e seus descendentes.

Relembrar a história nos permitem olhar para um passado recente e entender por que a Ditadura Militar também orientou um regime de genocídio da população indígena.  Foi nesse período em que o “desenvolvimento e integração da nação” ganharam o devido protagonismo sustentado por um discurso de que o índio era o inimigo comum, um entrave ao desenvolvimento do país. O governo brasileiro primava pela expansão de fronteiras, ampliação estradas e um modelo de desenvolvimento que seguia a lógica da colônia de exploração que de fatos eramos (e ainda somos). Para isso, começaram os processos de confinamento e retirada dos indígenas de seus territórios para territórios onde não “atrapalhassem” a expansão da infraestrutura e exploração de nossa biodiversidade.

Nessa época cresceu exponencialmente o índice de lideranças indígenas mortas, práticas de torturas e a extensa expropriação de terras indígenas para justificar o crescimento do país. Foram no mínimo 8.350 indígenas mortos entre os anos de 1964 a 1985, o que demonstra que a disputa por terras e a reprodução de um modelo fundiário que mantém a estrutura de exploração do capital em países como o Brasil e outros da América Latina esteve presente também durante a ditadura militar. Demonstra também porque os indígenas se tornam “problema” para governos que defendem a monocultura e expansão de fronteiras agrícolas, cujo objetivo é sustentar a concentração de riquezas.

Os povos indígenas, junto a outros povos tradicionais, mantém a resistência contra a exploração de nossa biodiversidade. E o modo de vida indígena em nada se parece com o modelo do “branco civilizado”, nem atende aos interesses do capital, mas, constrói resistências seculares que mantém o equilíbrio que ainda resta da natureza. Os 88% do que temos de natureza preservada no mundo se deve a existência de indígenas nessas áreas. E isso pesquisadores de todo o planeta podem provar.

O Brasil passou por 12 anos de governo democrático e popular, que mesmo com todos os avanços na inclusão social, na garantia de direitos humanos e distribuição de renda não conseguiu superar a estrutura por séculos enraizada da desigualdade fundiária e, portanto, romper definitivamente com um dos principais (se não o principal) motor das desigualdades do Brasil. Foram poucas as terras indígenas demarcadas e a reforma agrária como sonhamos nunca foi feita, apesar do reconhecimento de todos os direitos legais e identitários de diversos povos tradicionais.

O que voltamos a ver no Governo Bolsonaro é uma lógica de reprodução econômica bastante parecida com o período militar, o que explica, no centro de seus ataques a necessidade de ampliar ainda mais essa desigualdade fundiária como forma de fortalecimento de um novo ciclo do capital financeiro que vem mostrando sinais de esgotamento no setor industrial, prestação de serviços e na construção civil desde a crise de 2008. Transformar os indígenas, outros povos tradicionais e os que lutam por terra em inimigos da Nação é a espinha dorsal para os interesses do agronegócio, ruralistas, latifundiários e mineradores. Tudo isso somado ao afrouxamento das leis ambientais, da permissão de porte de armas e direito de defesa de latifundiários, anistia de dívidas de ruralistas, liberação para mineração em territórios indígenas e permissão das polícias para matar.

Por isso o PT vem se solidarizar e denunciar as atrocidades acontecidas ao povo Wajapi e a todos os atentados ocorridos aos indígenas sob o governo Bolsonaro. Vem repudiar as práticas genocidas do atual presidente, defender o direito a terra, exigir a retomada dos processos de Demarcação de Terras indígenas que foram paralisadas e o fim do geno/etnocidio do povo indígena.

Nilto Tatto

Secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT 

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