Nota pública da Comissão Nacional de Assuntos Educacionais do PT sobre o coronavírus

Confira todos os pontos prioritários destacados pela comissão para o enfartamento à epidemia

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O Brasil conta com aproximadamente 3,3 milhões de trabalhadores de em educação, atendendo diariamente mais de 57 milhões de estudantes nos estabelecimentos de educação básica e superior Brasil adentro, por, pelo menos 200 dias e 800 horas anuais A educação é, seguramente, o serviço público mais presente em todos recantos da cidade e do campo, nos quilombos, aldeias indígenas, comunidades ribeirinhas. Em muitos casos, o único vínculo permanente entre a comunidade e o poder público, entre o núcleo familiar e outros atores sociais.

Mesmo com todos os avanços de expansão e da universalização do acesso à educação obrigatória, das exitosas políticas de acesso à educação superior, técnico-profissional e tecnológica vivida nos 13 anos de governos democráticos populares em âmbito nacional, ainda não superamos o quadro de baixos salários, de multiplicação da jornada de trabalho, de precarização dos modelos de contratação, a terceirização de serviços.

Entramos no 5º ano de vigência do ultraliberalismo retomado com o golpe de 2016. São crescentes as restrições derivadas da reforma trabalhista, associada à EC 95 cujos impactos perversos se somam às restrições da LRF, à desqualificação significativa resultante do chamado “novo ensino médio”, da “nova previdência social”, do desmanche dos programas nacionais de pesquisa, de formação inicial e continuada, dos contingenciamentos orçamentários que sufocaram universidades e institutos públicos de educação, ciência e tecnologia.

Estamos a 8 meses do fim da vigência do FUNDEB, enfrentando as PECs de extinção de fundos setoriais, da desvinculação. Desoneração e desindexação dos orçamentos públicos, de emergência financeira com a previsão de redução de jornada e de salários, extinção de carreiras, privatização de serviços e transferência direta de fundos públicos às instituições privadas de ensino.

O Brasil colhe a volta ao mapa da fome, recordes de desemprego, de informalidade, de desalento, de redução da participação da massa salarial no PIB, com efeitos severos na multiplicação da pobreza, do incremento das desigualdades e na desestabilização das formas de convivência. A estes cenários se somam a disseminação do ódio, a propagação do preconceito, a guerra cultural, a disseminação de notícias falsas, a naturalização da violência, a legitimação de milícias e a criminalização do senso crítico, da liberdade de organização e manifestação e da pluralidade política.

Temos consciência de nosso papel social. Sabemos, sem qualquer sombra de dúvida, que respondemos pela garantia do direito universal à educação. Direito que só pode ser exercido quando cuidamos das nossas vidas e das condições de nossa existência vinculado ao cuidado de outras vidas cujo presente e futuro são desenhados entre nós.
Em quatro semanas, desde a confirmação do primeiro caso de Covid-19, já computamos 2.915 casos e 77 óbitos por Covid-9, confirmando a tendência explosiva da doença em outros países.

Todos já percebemos que a situação é extremamente grave e os especialistas em Saúde Pública não podem afirmar, com precisão, qual será o comportamento e a extensão da epidemia, ou quanto tempo irá durar em nosso país. Entretanto, ainda há autoridades que desdenham da sua gravidade e de seus trágicos efeitos econômicos e sociais, em especial sobre os mais pobres e vulneráveis. Os próximos dias e semanas indicarão mais claramente o que vai ocorrer.
Não é improvável, como indicou o Diretor Geral da OMS, que aqui e em muitos países do hemisfério sul tenhamos duas ou mais ondas, a depender do alcance das medidas tomadas pelos governos e adesão da sociedade.

A primeira, que já estamos vivendo, com número imprevisto de casos, poderá ser seguida de outra mais importante, a partir do outono/inverno, em particular nas localidades mais frias do país, como os estados da região sul e sudeste.
A gravidade do quadro exige liderança e coordenação e este é o ponto mais crítico da resposta que o país vem dando ao Covid-19. As respostas à epidemia estão sendo efetuadas de modo descoordenado. Dada a incapacidade de agir das autoridades nacionais, a responsabilidade na condução das ações foi repassada para governadores, prefeitos, secretários de educação e conselhos respectivos, sem diretrizes nacionais que articulassem a intervenção em todo o território brasileiro.

Merece destaque o importante papel que os governos estaduais e municipais estão desenvolvendo, tendo que compensar a ausência de coordenação do governo federal – e muitas vezes a oposição às ações que estão empreendendo – para garantir o isolamento social, a redução orientada da circulação das pessoas, a organização dos serviços de saúde, a estruturação de estratégias de comunicação com a sociedade e a defesa do SUS como expressão de defesa da vida.

A maioria dos estados e municípios tem se dedicado a produzir respostas emergenciais, mas não foi preparada para essa fase da epidemia. A gestão da educação pública, provavelmente, é a que soma o maior número de petistas encarregados de políticas públicas. Em governos petistas e em governos de coalisão. No movimento sindical, acadêmico e estudantil estão muitos de nossos mais importantes quadros. Em muitas localidades, profissionais, estudantes, pais e mães sequer foram comunicados, menos ainda instados a refletir sobre os procedimentos a adotar.

Neste momento, os pilares principais de nossa conduta estão expressos no pacto da Constituição Federal de 1988, especialmente, na definição de nossa República, seus princípios e objetivos, assim como nos princípios da educação nacional. Em seus artigos 1º, 3º,5º,6º, 205º e 206º, o texto constitucional estabelece o Estado Democrático e de Direito, a educação como direito universal, sendo dever do Estado, da família e da sociedade de forma colaborativa, assim como garantia da valorização profissional dos trabalhadores e trabalhadoras em educação.

Sua tradução operativa se encontra sistematizada na LDB. A defesa incondicional da vida não nos opõe à garantia elementar do cumprimento mínimo dos 200 dias e das 800 horas anuais.

Portanto, quanto às medidas de enfrentamento da COVID 19, é preciso considerar que:

1 – Antes mesmo de deflagrada a pandemia, vivenciamos uma ofensiva na área da educação, com foco na implementação progressiva da educação a distância na educação básica e na drenagem de recursos públicos para o mercado privado da EaD; ofensiva que se intensifica sobremaneira durante a pandemia, no contexto da suspensão do ano letivo.

2 – A suspensão do ano letivo é uma medida necessária para reduzir a disseminação comunitária do vírus, a mortalidade dela derivada, uma vez que o isolamento social é necessário para proteger não apenas estudantes e trabalhadores em educação, mas toda a população brasileira, em especial os idosos.

3 – A inevitável suspensão do ano letivo não deve servir de pretexto para a progressiva precarização e privatização da educação básica, na forma da educação a distância, até porque 58% dos domicílios não dispõe acesso aos recursos tecnológicos necessários ao exercício da EaD, resultaria no agravamento das desigualdades educacionais.

4. A EaD é uma modalidade de oferta educacional já regulada e não se confunde com o uso de recursos tecnológicos utilizados na educação presencial. Não se confunde com as redes de relacionamento social e comunitário, importantíssimas na manutenção de vínculos pessoais e de grupos, de turmas e comunidades escolares que devem permanecer ativas e coordenadas, por razões pedagógicas, afetivas, profissionais e de atenção pública.

5 – Não abrimos mão da defesa da educação como um direito fundamental e inalienável, ofertada presencialmente em nossas escolas públicas, por profissionais da educação qualificados e devidamente valorizados, durante o período letivo assegurado na legislação.

6 – A flexibilização do calendário escolar, a ser debatida nos conselhos escolares, em cada rede de ensino, fundamentada em relações democráticas de trabalho e da gestão educacional, não pode significar a negação do direito à educação nem tampouco a transgressão da LDB. O reconhecimento dos sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais na representação coletiva é irrenunciável. São os instrumentos essenciais à defesa e proteção de direitos conquistados legitimamente em longas trajetórias de mobilização e luta.

7 – A suspensão emergencial das aulas não pode dar motivo à supressão unilateral de contratos. A aferição de suas consequências se dará no retorno à normalidade que será gradual e diversa, como diversas serão as alternativas para o cumprimento do direito à educação e de sua contrapartida profissional.

8 – A manutenção da oferta de alimentação escolar deve vislumbrar a diversidade de possibilidades visando a segurança alimentar de crianças, adolescentes e jovens, os vínculos com a comunidade escolar, a aquisição de alimentos saudáveis e oriundos da agricultura familiar, nas cozinhas escolares ou em provedores da merenda, aplicando-se as mesmas regras sanitárias de funcionamento de restaurantes populares e comerciais da cidade, assim como o uso dos equipamentos de proteção individual a seus profissionais. A distribuição alternativa de cestas que assegurem a qualidade da alimentação oferecida deverá seguir o mesmo caminho.

9. Para tanto é imprescindível garantir recursos para os estados e municípios fazerem a gestão adequada do uso de aplicativos e plataformas de relacionamento permanente estendida a dirigentes, profissionais da educação, estudantes, pais e mães.

10. Igualmente importante será a integração de iniciativas articuladas com os setores da saúde, da assistência social, da proteção e da defesa de direitos, conselhos tutelares, defensorias e delegacias encarregadas da proteção de mulheres, crianças e adolescentes. Tal articulação contribuirá para evitar a desinformação e a disseminação de notícias falsas, ao tempo que servirá de ferramenta importante para o combate à violência doméstica. Da mesma maneira facilitará a garantia da alta taxa de cobertura vacinal para influenza, com redução da faixa etária para 55 anos, ampliando a vacinação para grupos de risco como profissionais da educação. Servirá para dispor a todos os cidadãos soluções que estejam articuladas a serviços para realizar orientações clínicas, agendar procedimentos que tenham as unidades educacionais como referência, entre outras diversas possibilidades.

11. Num país com tamanhas assimetrias, a necessidade de promover adequações a partir da realidade de cada modalidade, etapa ou nível da educação, assim como região ou localidade é uma evidência. Igualmente, a manutenção dos programas assistenciais de alimentação, residência, transporte e saúde e a ampliação de vigência de bolsas de extensão e pesquisa das instituições de ensino superior, profissional e tecnológica, assim como a extensão e revisão dos custos das bolsas e financiamentos concedidos em instituições privadas são ações necessárias.

Por fim, revogar a EC 95, flexibilizar a LRF, suspender as medidas de ajuste fiscal, incluindo as PECs, e de esvaziamento da legislação trabalhista, em tramitação no congresso nacional, são ações imediatas indispensáveis para a superação das restrições atuais e a ampliação das recuperações futuras, complementando-se com a provação mais breve possível do FUNDEB Permanente, a manutenção do Fundo Social do Pré-Sal e a garantia da renda mínima de 1 SM para todas as famílias do Cadastro Único, Trabalhadores Informais e Desempregados.

A garantia e a proteção da vida precedem a tudo.
Defender o SUS é defender a vida.
Renda Básica Já!

Recife, 26 de março de 2020

Coordenação Nacional
Comissão de Assuntos Educacionais
Partido dos Trabalhadores

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