Nova “corrida do ouro”: as fábricas de fertilizantes da Petrobras
Um dia após o fracasso do acordo com empresa russa para venda de unidade no Mato Grosso do Sul, petroquímica que arrendou duas subsidiárias já manifestou interesse
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O desmantelamento do setor de Fertilizantes Nitrogenados da Petrobras abriu uma lucrativa oportunidade de negócios para o setor privado. Cada vez mais, o argumento do “prejuízo da operação” utilizado pela estatal após o golpe de 2016 para entregar os seus ativos é desmentido pelos próprios resultados obtidos nas unidades repassadas aos agora “parceiros do mercado”.
O melhor exemplo é o contrato de arrendamento das fábricas de fertilizantes nitrogenados (Fafens) de Sergipe e da Bahia para a Unigel. As unidades foram arrendadas por dez anos, prorrogáveis pelo mesmo período. Os resultados são tão positivos que na semana passada a petroquímica Unigel manifestou interesse na compra do projeto da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN) III, em Três Lagoas (MS), apenas um dia após o fracasso definitivo das negociações com a gigante russa Acron.
A subsidiária sul matogrossense foi colocada à venda em 2018, junto com a Araucária Nitrogenados (Ansa), de Curitiba (PR). Em 2019, a Acron selou acordo para a compra da empresa, mas, sem garantia de fornecimento de gás natural, o negócio não foi finalizado. As negociações foram retomadas em 2020, e em fevereiro deste ano a ex-Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chegou a anunciar o acerto antes da desincompatibilização para se candidatar ao Senado Federal.
Na última sexta-feira (6), o diretor financeiro da Petrobras, Rodrigo Araújo, afirmou que o acordo com a Acron para alienação da planta foi cancelado porque esbarrou em questões relativas à “transferência de benefícios e licenças que precisavam ser endereçadas com a esfera estadual e municipal”. Mas garantiu “celeridade” e informou que a gestão bolsonarista da estatal reabrirá negociações em junho.
“Já temos a sinalização de atores de mercado de que há interesse. É um ativo que tem novos interessados no mercado, estamos bastante otimistas. A nossa ideia é ter celeridade nesse processo, dado o interesse do mercado nesse ativo”, comentou Araújo em coletiva de imprensa. Os “atores do mercado”, no caso, são a Unigel e seus concorrentes, motivados pela nova corrida do ouro no Brasil: as fábricas da Petrobras.
Preços dobraram e importação caiu após o início da guerra
Ao portal Poder 360, Bernardo Silva, diretor-executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert), confirma o que a Federação Única dos Petroleiros (FUP) vem denunciando desde que a Petrobras, pressionada pela força tarefa da lava jato, decidiu pelo “desinvestimento” do setor de fertilizantes: a medida tornaria o Brasil dependente de fornecedores externos.
“É natural que, com o estabelecimento desse problema (dependência de importações e risco de escassez global) no nível que está, a conjunta política favorável para resolver esses problemas leva a um cenário de alto interesse de investidores”, comentou Silva.
A importação de fertilizantes mais do que dobrou nos últimos dez anos. Em 2021, o Brasil importou 41,5 milhões de toneladas, avaliadas em US$ 15,1 bilhões. O volume foi 119% maior do que o registrado em 2012 (18,9 milhões de toneladas). A maior parte dos fertilizantes veio da Rússia, que forneceu 9,3 milhões de toneladas do produto. Após o início da guerra, a importação de fertilizantes caiu 8%, enquanto os preços dobraram.
Se no ano passado os preços dos fertilizantes no mercado internacional já subiam acima da média, a eclosão do conflito no Leste Europeu fez os preços dispararem. O analista sênior da Datagro, Paulo Bruno Craveiro, estima que desde janeiro de 2021 os preços dos insumos em São Paulo aumentaram 135% para a ureia, 203% para o potássio e 92% para fosfato — os três nutrientes da composição NPK.
“Com esse cenário, de problemas de oferta, incertezas e consequentemente aumento de preços, existe maior interesse em investimentos na área, seja a construção de novas fábricas ou reativação de fábricas que estejam hibernadas, novos bens substitutos e novas tecnologias”, explicou o especialista.
Ao mesmo portal, o diretor executivo da Unigel, Luiz Felipe Fustaino, reafirmou o interesse na UFN3. “O fato de a Unigel ter sido muito bem-sucedida na retomada das Fafens também aumenta o interesse pelos ativos. Acho que a Unigel conseguiu provar capacidade operacional de rentabilizar os ativos, claro que numa conjuntura favorável, mas existiam dúvidas quanto à capacidade de manter esses ativos operando a plena carga, como de fato está desde que nós retomamos a produção”, comentou.
Segundo Fustaino, a Unigel “entrou por uma porta, que foi a porta das Fafens”. “Temos interesse em estar na produção de fertilizantes, em consolidar a liderança no Brasil e vamos nos organizar para participar desse processo que deve ser anunciado pela Petrobras”, prosseguiu o executivo.
A Unigel tem três das quatro fábricas de fertilizantes nitrogenados em operação no Brasil: as duas unidades da Petrobras e uma planta em Candeias, na Bahia. Com a aquisição da UFN 3, a companhia se consolidaria como líder no mercado de ureia.
Desmonte induzido pela lava jato conduziu à dependência externa
A Petrobras é dona de quatro das seis plantas de fertilizantes inacabadas ou hibernadas no país. Elas poderiam aumentar a capacidade nacional de produção em 62% caso entrassem em operação. Hoje, a capacidade nacional de produção das 23 plantas operacionais é de 15,3 milhões de toneladas por ano, segundo dados de 2020 do Sinprifert. As novas unidades representariam incremento de 9,5 milhões de toneladas.
As unidades foram planejadas durante outra crise no mercado de fertilizantes, em 2008 e 2009. Na ocasião, o Governo Lula lançou um plano nacional de fertilizantes. “Esse plano de fertilizantes previa que as empresas estatais e privadas aumentassem sua produção nacional de fertilizantes”, diz o pesquisador da Embrapa José Carlos Polidoro.
Segundo Polidoro, a proposta das produtoras de fertilizantes fosfatados era que entre 2011 e 2017 o Brasil reduzisse a importação desse tipo de insumo a no máximo 30%. Hoje, a dependência nacional chega a 85%. “A maioria não saiu do papel, ou a obra foi iniciada e parou naquela época”, finaliza o pesquisador.
As obras para a construção da UFN3 começaram em 2011. A fábrica integrava um consórcio composto por Galvão Engenharia, Sinopec (estatal chinesa) e Petrobras. Os responsáveis pela Galvão foram citados nas denúncias de corrupção da lava jato e as obras foram paralisadas em dezembro de 2014, com 85% de conclusão.
Além da planta do Mato Grosso do Sul, a Petrobras projetou mais duas, localizadas em Minas Gerais e Espírito Santo, que seriam as UFN 4 e 5, abandonou os planos em 2015, sob pressão da lava jato. Após tentativas frustradas de vender a Fafen do Paraná desde 2017, em 2020 a estatal hibernou a unidade, que produzia amônia e ureia a partir de resíduo asfáltico.
Apesar de defender o aumento da produção nacional para reduzir a dependência, a coordenadora do Núcleo de Inteligência de Mercado da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Natália Fernandes, diz que a indústria enfrenta condições pouco favoráveis no país. “É uma indústria bastante complexa, que precisa, por exemplo, da extração de minério ou de gás natural para produzir. O gás natural é muito caro no Brasil. Então, até que ponto é competitivo fazer fertilizantes no Brasil?”, questiona.
Segundo Natália, mesmo que houvesse condições favoráveis, a indústria precisaria de tempo para estruturar as fábricas e dar início à produção nacional. Por isso, conclui, esse é um problema que não deve se resolver neste ano.
Da Redação