Oposição quer devolver MP da Eletrobrás para o Executivo
Partidos protocolaram requerimento alegando inconstitucionalidade, ilegalidade e extemporaneidade da proposta de Bolsonaro, em um momento de crise econômica e tragédia sanitária. Dilapidação do sistema deve elevar a conta de luz em até 16,7%, prevê a Aneel. Eletricitários lembram apagões em áreas privatizadas
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Entregue ao Congresso Nacional na noite desta terça (23), a Medida Provisória (MP) 1.031/2021, que dá os passos iniciais para a privatização da Eletrobrás, enfrenta o primeiro dos muitos percalços que terá pela frente. Nesta quarta (24), os líderes da Oposição na Câmara (PT, PSB, PCdoB, PDT, Psol e Rede) protocolaram requerimento para que o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolva ao Executivo a proposta do desgoverno Bolsonaro.
Além do descumprimento de requisitos constitucionais, os parlamentares alegam que a MP carece de urgência, sobretudo nesse momento de pandemia de Covid-19, que já causou a morte de quase 250 mil pessoas no país e demanda “medidas efetivas e atenção integral do governo e do Congresso Nacional”.
Segundo o documento, Bolsonaro incorreu em “inconstitucionalidade e ilegalidade flagrante, usurpando a competência do Congresso Nacional para discutir a medida, impondo prejuízos gravíssimos irreversíveis à população brasileira e, mais especialmente, à União, acarretando prática de improbidade administrativa”.
A oposição afirma que a MP “não dispõe de qualquer sinalização que justifique o cumprimento real do requisito da relevância” e da urgência (art. 62, caput e §5º CF), “obrigação constitucional imposta para a Presidência da República fazer uso dessa excepcional edição de proposição legislativa como é a medida provisória”.
O requerimento assinala que em 2019 Bolsonaro já enviou um projeto praticamente idêntico à Câmara dos Deputados. Ressalta ainda que, em 2018, o usurpador Michel Temer também enviou texto com conteúdo similar, o PL 9463/18.
Ademais, alegam os oposicionistas, a medida, no seu artigo 1º, autoriza a criação de obrigações pecuniárias a serem arcadas pela União, “causando prejuízo ao Erário mesmo antes da conversão em lei”. Ou seja, a MP “promove verdadeiro desperdício de recursos públicos ao permitir desde já a contratação de empresas para avaliação, modelagem e outros serviços profissionais especializados, geralmente a custos milionários, que pretendam implementar a privatização, ainda que por atos preliminares ou preparatórios”.
O documento é assinado pelos líderes partidários Elvino Bohn Gass (PT-RS), Danilo Cabral (PSB-PE), Renildo Calheiros (PCdoB-PE), Wolney Queiroz (PDT-PE) Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Joenia Wapichana (Rede-RR), além dos líderes da Minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), e o líder da Oposição na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE).
Por ser uma medida provisória, o texto tem força de lei, mas precisa de aval do Poder Legislativo para se converter em norma definitiva. O prazo regimental para a apreciação de uma MP no Congresso é de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Em caso de não votação até o fim desse intervalo de tempo, o texto perde a validade.
Parlamentares atacaram a proposta
Pelo Twitter, parlamentares da Bancada do PT na Câmara ressaltaram que a MP de Bolsonaro é um crime contra a soberania do país, ao propor a entrega do patrimônio público ao setor privado, com graves consequências para a população.
“O que é importante? Antes de querer entregar a Eletrobrás ao lucro privado, é dever do Congresso exigir que o governo garanta acesso à comida a quem está passando fome, vacina para todo mundo e renda básica para, no mínimo, 32 milhões de desempregados/subutilizados/desalentados”, cobrou o líder Bohn Gass.
“Que tragédia, depois de afinar para o mercado em relação à Petrobras, agora vai entregar a Eletrobrás ao apetite privado. Não é só a privatização da energia, mas a vazão dos nossos rios, da água. Nossa matriz energética é hidráulica. Isso é uma loucura!”, ressaltou a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
“A privatização da Eletrobrás, como deseja Bolsonaro, pode ferir a economia popular e causar prejuízos aos trabalhadores. Se for realizada de fato, pode elevar a conta de luz em até 16,7% num primeiro momento”, alertou o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
O percentual de aumento mencionado por Paulo Pimenta foi previsto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula os preços do mercado. Segundo a autarquia, o custo da conta será de R$ 460 bilhões, que serão pagos ao longo de 30 anos, tanto pelos consumidores residenciais como pelos industriais.
Em nota, o Coletivo Nacional dos Eletricitários ressalta que a venda da Eletrobrás não afetará as contas públicas. “Aqueles que justificam a privatização para efeito fiscal ou social deveriam saber que a dívida pública ronda os R$ 6 trilhões e que apenas um mês de auxílio emergencial digno de R$ 600,00 custa aos cofres públicos R$ 50 bilhões, ou seja, três privatizações da Eletrobras”, afirmaram os representantes da categoria. O desgoverno Bolsonaro espera arrecadar R$ 16 bilhões em bônus de outorga.
“As recentes privatizações de distribuidoras de energia elétrica no Brasil tiveram sempre dois efeitos colaterais preponderantes: tarifaço e apagão. As populações de Goiás, Acre, Rondônia, Roraima, Amazonas, Piauí e Alagoas penam com o descaso na prestação de serviço privatizado”, afirmam os eletricitários. “Ainda sobre apagões, como não lembrar do recente episódio sombrio no Amapá, quando uma transmissora de energia privada deixou a maior parte do estado sem luz por 20 dias?”
Além do aumento das tarifas, outra preocupação da entidade é com o impacto ao meio ambiente. A Eletrobrás tem 47 barragens hídricas, algumas delas com mais de 60 anos, e por responsabilidade de Estado e expertise em engenharia de segurança de barragens dos trabalhadores da estatal, nunca houve maiores incidentes.
“Se este governo pensasse como Estado, entenderia que a Eletrobrás, com baixo endividamento e forte fluxo de caixa, está pronta para investir em obras estruturantes, aumentando a capacidade brasileira de geração e transmissão de energia de qualidade e gerando empregos para recuperar a nossa economia desta crise sem precedentes”, conclui a nota.
A Eletrobrás é a maior empresa de energia elétrica da América Latina, responsável por 30% da geração e 50% da transmissão de energia à população. Teve superávit de mais de R$ 30 bilhões nos últimos três anos e, nas últimas duas décadas, distribuiu mais de R$ 20 bilhões em dividendos para a União.
Com a venda de parte do sistema, as companhias Chesf, Eletronorte, Eletronuclear, Eletrosul, Furnas e metade de Itaipu, entre outros agregados, ficariam nas mãos de acionistas do mercado financeiro. O governo ficaria apenas com a Eletronuclear (as usinas de Angra) e Itaipu Binacional, que acaba de trocar o general Joaquim Luna e Silva pelo general da reserva João Francisco Ferreira no cargo de diretor-geral brasileiro.
Luz para Todos chegou a mais de 16,8 milhões de pessoas
Perseguida primeiro por Temer e agora por Bolsonaro, a dilapidação da Eletrobrás é uma distorção conceitual. A energia deixa de ser considerada um bem social, na ótica de um serviço estatal cooperativo, e é transformada unicamente em mercadoria, dependente das oscilações da oferta e demanda, comandada apenas pela perspectiva do lucro. É o oposto do papel exercido pela Eletrobrás no Programa Luz para Todos, por exemplo.
Criado em 11 de novembro de 2003, o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos (LPT) foi instituído pelo Decreto nº 4.873, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dez anos depois, o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou que a iniciativa brasileira era um exemplo a ser seguido pelas demais nações.
Coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), à época sob o comando de Dilma Rousseff, o Luz para Todos era operacionalizado pela Eletrobrás e executado pelas concessionárias de energia elétrica em parceria com os governos estaduais.
A meta inicial era atingir dez milhões de pessoas, mas em novembro de 2016, 3,2 milhões de famílias, ou 15,9 milhões de pessoas, já eram beneficiadas. Hoje, o número passa dos 16,8 milhões de pessoas que passaram a ter acesso à energia elétrica no país.
Em 2013, o MME realizou uma pesquisa sobre a política social com os beneficiários do programa, e os resultados apontaram alto índice de satisfação. Os benefícios principais para 92,9% das famílias foram na qualidade de vida, enquanto 81,8% disseram ter melhoria nas condições da casa; 56,3% consideravam-se mais seguros e 40,5% viram surgir mais oportunidades de trabalho.
Com relação à educação, houve melhoria de 64,2% das atividades escolares durante o dia e 50,8% durante a noite. Outros 47,7% consideraram haver melhora na saúde familiar, e 40,6% viram melhoria da disponibilidade de postos de saúde.
Nas áreas rurais, houve melhora na renda familiar de 41,2% das pessoas, fora a melhora na produção agrícola para 31,8% e na própria área agrícola, para 30,7% das pessoas. De maneira mais palpável, o Luz Para Todos permitiu acesso a celulares, computadores e à internet, que não fazia parte da realidade de muitos moradores de áreas rurais.
Por conta da maior sensação de segurança nas comunidades – percepção de 81,8% dos entrevistados – 245 mil mulheres começaram a trabalhar e 309 mil começaram a estudar ou retornaram aos estudos depois do Luz Para Todos. Além disso, para a instalação de transformadores, cabos de energia elétrica e outros materiais, foram criados 490 mil postos de trabalho.
Segundo o balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o período de 2015 a dezembro de 2017, o Nordeste é a região com o maior número de novas ligações feitas pelo Luz para Todos: um total de 1,69 milhões, ou 152% da meta original estabelecida em 2003, e 118% da meta após sua ampliação no ciclo 2009-2010. Na região Sudeste houve a maior expansão, com 503 mil ligações, ou 301% da meta original (2004-2008) e 111% da ampliada (2009-2010).
Da Redação, com PT na Câmara