Orçamento secreto: como funciona e quem ganha com isso

Entenda como funciona o esquema bolsonarista de cooptação de parlamentares por meio do “orçamento secreto” e impositivo

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Corrupção com orçamento público

Os orçamentos anuais dos governos sempre reservaram um volume de recursos cujo destino era definido pelos parlamentares. Divididos igualitariamente, os recursos até então eram incluídos na Lei Orçamentária por meio de emendas com valor definido, que podiam ser de três tipos: individuais, de bancada e de comissão. Os recursos eram destinados a investimentos em saúde e educação, com divulgação pública dos beneficiários – municípios ou estados – e dos parlamentares autores das emendas.

Até 2019, as emendas de relator eram usadas apenas para correções pontuais no orçamento. A partir de 2020, já no desgoverno Bolsonaro, o Congresso aprovou alterações no padrão da sua execução e criou uma rubrica específica para esses recursos. Os valores deixaram se ser distribuídos de forma igualitária entre os parlamentares e o relator-geral da Lei Orçamentária passou a incluir emendas sob o codinome RP9, impondo segredo sobre os nomes dos autores.

Desde então, não se sabe oficialmente o deputado que destinou o recurso, nem como ocorreram as negociações ou o que o governo ofereceu em troca dos votos dos parlamentares. Sem critérios técnicos e transparência, as portas estão abertas para dois propósitos: a compra de votos de parlamentares em projetos de interesse do governo e o desvio de recursos destinados via orçamento secreto.

Para a eleição de Arthur Lira à Presidência da Câmara, por exemplo, foram oferecidos R$ 10 milhões para cada deputado. Antes, na reforma da Previdência, o valor foi de R$ 20 milhões por voto – o dobro para líderes partidários. No fim de 2022, durante a votação da PEC dos Precatórios e da reforma administrativa (PEC 32/2020), os valores oferecidos chegaram a, respectivamente, R$ 15 milhões e R$ 20 milhões.

Os casos de corrupção ligados ao “orçamento secreto” se multiplicaram no ano passado. Como o do “tratoraço”, de parlamentares bolsonaristas que enviaram, via emendas de relator, recursos para compra de tratores e máquinas agrícolas com preços superfaturados.

Além de secreto, impositivo

De acordo com o deputado Patrus Ananias (PT-MG), a Comissão Mista de Orçamento (CMO), ao aprovar no dia 29 de junho o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023, também estabeleceu que as emendas de relator, chamadas de “orçamento secreto”, sejam impositivas – obrigatoriamente pagas pelo governo. A aprovação ocorreu mesmo com os votos contrários do PT.

“Essas emendas representam o fim das políticas públicas, já que não precisam estar vinculadas aos programas das áreas de saúde, educação, segurança alimentar, dentre outras”, advertiu Patrus logo após a votação. “Já manifestei e reitero minha posição contrária ao orçamento secreto do Congresso, que no próximo ano chegará a R$ 19 bilhões, e cujos recursos serão aplicados sem a devida transparência”.

Segundo Patrus, “com essa prática, o desgoverno Bolsonaro poderá ter o apoio desses parlamentares para aprovar medidas que atingem a soberania do país e o bem-estar dos brasileiros, como a privatização da Eletrobras, da Petrobras e o desmonte das políticas públicas, dentre outras.

Veja o histórico das votações

No fim de novembro de 2021, as bancadas do PT na Câmara e no Senado votaram contra o Projeto de Resolução do Congresso Nacional (PRN) 4/2021, que cria teto para o orçamento secreto, mas mantém ocultos os nomes de parlamentares já beneficiados. Aprovado, o texto foi a promulgação.

“Eu comparo a deterioração do dispositivo das emendas de relator com a margem de erro de uma pesquisa. A margem de erro passou a ser maior do que a própria pesquisa. É uma desproporção brutal para algo que se propunha apenas para meras adaptações e correções”, denunciou o senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria no Senado, durante a votação.

“Nós estamos falando da ordem de R$ 17 bilhões livres para essas emendas. Votamos contra por considerar que essa é a antessala do semipresidencialismo implementado à marreta, em meio ao casuísmo e fisiologismos do mais alto grau”, finalizou o senador.

Os deputados se mantiveram em obstrução durante a votação. “O que está acontecendo no nosso orçamento não é mais o relator fazer ajustes, complementar políticas públicas não. A emenda do relator virou uma negociação para a aprovação de projetos de lei de interesse do governo Bolsonaro”, acusou Rogério Correia (PT-MG).

“A distorção da política é quando o orçamento e as indicações que deixaram de ser projetos republicanos passam a ter projetos de execução por parte de alguns parlamentares, não no sentido de estar dentro das diretrizes gerais para que o País possa ter sua soberania, seu desenvolvimento, mas com critério de atendimento das suas bases eleitorais”, criticou o então líder na Câmara, Elvino Bohn Gass (RS).

No dia seguinte à votação no Congresso, o ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que o desgoverno Bolsonaro usa verbas públicas para comprar votos a favor de projetos contrários aos interesses do povo brasileiro e manter a base de apoio. Durante evento com empresários na Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Guedes tentou justificar o esquema dizendo que a discussão de Orçamento é a “essência da política”, que nada mais é do que “o comando dos recursos públicos”.

Congresso x Supremo

As peças se movimentaram no escândalo do orçamento secreto bolsonarista, que envolve a liberação de recursos das chamadas emendas de relator nos Orçamentos da União de 2020 e 2021. O Congresso Nacional enviou na última sexta-feira (1º), um dia após o fim do prazo concedido, apenas parte das informações solicitadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas os dados confirmam o papel de personagens-chave do caso.

O ex-ministro da Secretaria de Governo (Segov) general Luiz Eduardo Ramos, por exemplo, surge como grande operador do desgoverno Bolsonaro no esquema. O militar da reserva aprovou 26 ofícios com pedidos de recursos da pasta, alguns deles superando os R$ 70 milhões.

Em dezembro de 2021, o plenário da Corte havia confirmado decisão da ministra Rosa Weber que liberava as emendas mediante a condição de que o Senado apresentasse, em 90 dias corridos, uma adequação às medidas de transparência para demandas passadas. A ministra chegara a suspender em novembro as emendas de relator (RP9), o artifício regimental utilizado para ocultar a autoria de emendas ao Orçamento.

Na decisão, a ministra escreveu que “o regramento pertinente às emendas do relator se distancia dos ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP9, recai o signo do mistério”.

Rosa Weber também determinou que fosse dada transparência às informações sobre os nomes dos responsáveis pelas demandas parlamentares e aprovações nos ministérios. O relator-geral do Orçamento de 2020, deputado Domingo Netto (PSD-CE), encaminhou os dados. O mesmo não fez o relator-geral de 2021, senador Marcio Bittar (União Brasil-AC), que resiste a divulgar os ofícios que mediou entre parlamentares e ministros.

O processo no STF foi aberto a partir de uma série de reportagens do jornal Estado de São Paulo que revelou o esquema bolsonarista de cooptação de apoio parlamentar a partir da liberação de verbas do Executivo. À época na Casa Civil, o general Ramos participou diretamente da articulação e criação do esquema para favorecer os aliados.

O jornal também revelou como o Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, se tornou um balcão de liberação de recursos sem a adoção de critérios técnicos. Mas o esquema se capilarizou com o tempo.

Também constam nos documentos encaminhados ao Supremo ofícios com pedidos de recursos autorizados pelos ministros e ex-ministros Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Paulo Guedes (Economia), Milton Ribeiro (Educação), Onix Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Rogerio Marinho (Desenvolvimento Regional), Damares Alves (Mulher, Família e Direito Humanos), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Tereza Cristina (Agricultura), Tarcisio Freitas (Infraestrutura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), e Fernando Azevedo e Silva (Defesa).

Da Redação

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