Para Marco Aurélio Garcia, marca do PT foi ter enfrentado a desigualdade

Assessor Especial para Assuntos Internacionais dos governos de Lula e Dilma, político resgata a história do PT de sua fundação aos dias de hoje

Kamilla Ferreira/Agência PT
6º Congresso Nacional do PT

Marco Aurélio Garcia em sua residência

Depois de nove anos de exílio no Chile, Marco Aurélio Garcia voltou ao Brasil em 1979. O país estava em plena efervescência política, sobretudo devido ao movimento operário do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Foi lá que Garcia, egresso de movimentos políticos de esquerda que lutavam contra a ditadura militar, foi chamado para uma reunião do movimento pró-PT, no dia 5 de outubro de 1979.

Foi nessa reunião que o historiador conheceu pessoalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem seria Assessor Especial para Assuntos Internacionais durante seus dois governos.  “Depois teve um conjunto de reuniões, mas as coisas confluíram em fevereiro de 1980 quando ali no Sion nós fundamos o Partido dos Trabalhadores”, afirma.

Era a primeira vez em muitos anos, conta ele, que surgia um grande movimento de trabalhadores que estava reivindicando uma participação autônoma na luta política do país. “Para muitas de nossas organizações, que muitas vezes celebrávamos ter dois ou três operários, ver milhares de operários reunidos e reivindicando sua presença na política brasileira era uma coisa maravilhosa”, conta ele. Trabalhadores do movimento operário tradicional, metalúrgicos, trabalhadores rurais, ou que sofriam um processo de depressão social e econômica muito forte.

“Para muitas de nossas organizações, que muitas vezes celebrávamos ter dois ou três operários, ver milhares de operários reunidos e reivindicando sua presença na política brasileira era uma coisa maravilhosa”

“Uma grande parte das organizações de esquerda também se viu atraída pelo PT. Tivemos participação intensa da igreja católica, de setores democráticos de classe média, ligadas a luta de direitos humanos”, explica.
A marca do PT, para Garcia, foi introduzir o tema da desigualdade social na discussão política. “O Brasil é um país desigual. Essa questão era fundamental em 1980 e é fundamental hoje”, afirma.

Início eleitoral

Garcia conta que Lula já gravitava como grande personalidade política. Isso foi constatado em 1982, na campanha eleitoral em que o ex-presidente concorreu ao governo do Estado de São Paulo. “Havia cidades pequenas com comícios que reuniam 20 mil pessoas”, diz. “O comício do final da campanha você tinha impressão que Lula ia ganhar. Mas ficou em quarto lugar”.

O partido ainda engatinhava na esfera institucional. “Havia uma fluidez muito grande pelo fato de estarmos reunindo pela primeira vez pessoas de tradições muito diferentes”. Isso, aliado ao fato de que a lei eleitoral ainda no fim da ditadura militar era muito desfavorável, fez com que o resultado não fosse o esperado.

Primeiras vitórias e políticas públicas

“Durante um bom período nós éramos um partido meio banda de música que ficava todo tempo tocando alto, fazendo barulho e com presença muito forte nos movimentos sociais. Onde tivesse qualquer greve, ocupação de um terreno, uma mobilização, lá estavam os petistas sempre”, relembra.

Mas isso não basta, afirma. “Você tem que começar a oferecer alternativas concretas. Não basta dizer que você é socialista e que o socialismo vai te oferecer isso, você tem que dizer o que é isso, quais caminhos vão te levar ao que você anuncia”. E o PT foi começando a elaborar um pouco mais esses caminhos.

“Você tem que começar a oferecer alternativas concretas. Não basta dizer que você é socialista e que o socialismo vai te oferecer isso, você tem que dizer o que é isso, quais caminhos vão te levar ao que você anuncia

A partir de algumas vitórias em instâncias municipais e estaduais, o PT foi construindo o “modo petista de governar”. Além disso, os parlamentares impuseram um outro estilo de condução política, mais combativa. “Onde tinha uma greve ou um conflito eles estavam lá”, conta.

Em cada área, o PT foi desenvolvendo um pensamento de políticas públicas, junto a profissionais de saúde, de educação, de cultura, de transporte etc. “Nós construímos uma verdadeira academia de políticas públicas.”

E isso incluiu mudanças no modo de fazer política, como na implementação do orçamento participativo, que permitiu que a população pudesse efetivamente decidir quais seriam as prioridades de gasto do orçamento público. “Quando nós formulamos as teses do OP e aplicamos em algumas partes, fomos capazes de inovar e teve inclusive uma grande repercussão internacional”, comenta. O livro sobre o orçamento participativo publicado nesta época (início da década de 1990) foi traduzido em diversas línguas.

A chegada à Presidência

 

No fim da década de 1990, recorda Garcia, o PT começou a formular de forma mais contundente como ganhar a Presidência da República. “Se percebeu que era preciso criar um movimento mais amplo do que concretamente as nossas bases. Uma coisa é você ser uma força de oposição importante, outra coisa é você aspirar governar o país. Você não governa um país com 20%”.

O enraizamento social e a mobilização eram fundamentais, mas não suficientes. O caminho à Presidência era eleitoral. “Precisávamos ter um projeto coerente com o que defendíamos desde o princípio mas ao mesmo tempo suficientemente flexível. E isso não é fácil”, explica.

Havia uma conjuntura no país que também contribuiu para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhasse em 2002. “Houve uma série de fatores na sociedade brasileira que ajudaram o país a compreender que Lula era a grande alternativa”, diz.

Houve uma série de fatores na sociedade brasileira que ajudaram o país a compreender que Lula era a grande alternativa”

Fernando Henrique Cardoso (PSDB) havia conseguido estabilizar a moeda, mas não havia sido capaz de oferecer um projeto de desenvolvimento. “Era um país muito desigual e a desigualdade havia inclusive se aprofundado. Havia uma necessidade urgente do país mudar, e o país decidiu mudar naquele momento.”

Carta ao povo brasileiro

No último encontro do PT antes das eleições de 2002, o tema central foi o da ruptura, conta Marco Aurélio Garcia. O então coordenador do programa naquele momento, o prefeito Celso Daniel, defendia uma ruptura programática. Com a morte de Celso, conta, houve trocas na condução. Além disso, ficou claro que o PT tinha uma grande possibilidade de chegar à Presidência, mas tinha obstáculos que saltar. “Uma das formas que se tratou de contornar foi oferecendo algumas garantias entre outras coisas para o sistema econômico do país que as rupturas não fossem tão radicais”, explica. “Houve uma campanha de terror muito forte contra o Lula”, relembra.

“Saiu a Carta ao Povo Brasileiro, que foi uma cajuína, um calmante. Não era em si um documento de conciliação”, opina.
Para ele, manter determinados fundamentos da economia era taticamente necessário. “O que me incomodou, e isso eu disse durante o governo Lula do qual eu fiz parte, foi que determinadas questões que fizemos, e que tínhamos que fazer para manter a economia equilibrada foi que tenhamos feito não por necessidade mas tentando celebrar aquilo como se fosse uma grande solução”, critica.

Na prática, essa política foi positiva para que o Brasil atravessasse os dois primeiros anos do governo Lula, que foram muito difíceis, segundo ele.

“Mas teve um efeito negativo que foi de uma certa forma apagar o debate econômico dentro do partido e do próprio governo”, afirma.

Segundo Garcia, apesar de quatro eleições presidenciais vitoriosas, há uma resistência muito forte ao PT na sociedade brasileira. “A gente nunca pode esquecer disso”, diz. “Nas quatro eleições que ganhamos nós ganhamos no 2º turno”, afirma.

Reforma política

“Todas as mudanças que fizemos aqui não afetaram o modelo institucional”, explica. “Porque se falava em reforma política? Havia uma nítida convicção de que as mudanças sociais e econômicas que estávamos fazendo dificilmente seriam feitas naquele arcabouço político e jurídico”, diz.

Não era uma ruptura revolucionária, explica, mas uma mobilização social que levasse a esse mudança. “Nâo mudou e não fizemos o suficiente para mudá-lo”, diz.

6º Congresso Nacional do PT

“Nós somos um partido que faz congresso e no qual as pessoas se expressam e dizem o que tem que dizer, falam bem da direção e falam mal da direção. O que revela um clima democrático dentro do partido”, afirma. “O 6º Congresso provavelmente vai ser o mais importante de todos os que tivemos até agora”, afirma Garcia.

“O 6º Congresso provavelmente vai ser o mais importante de todos os que tivemos até agora”

O sociólogo afirma que o impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e a estigmatização do PT junto a uma parte da sociedade significaram uma grande derrota e que contribuiu para outra derrota eleitoral nas eleições municipais. “Quando você tem uma derrota dessa natureza, não é possível que você fique como se não tivesse acontecido nada. Você tem que fazer uma reflexão profunda”.
E, mesmo com toda o ataque midiático, Lula continua tendo 35% de intenções de votos nas últimas pesquisas divulgadas. Isso faz com que o PT tenha uma responsabilidade muito grande. “O Brasil vem passando por uma contra- reforma profunda, provavelmente a mais profunda da nossa historia republicana, com o desmonte do estado, ataque aos direitos dos trabalhadores, que se traduz no ataque a previdência, nas mudanças das leis trabalhistas, e na disposição dos golpistas governantes de congelar o pais”, afirma. 

“É  um dos problemas que não vamos resolver no congresso, mas vamos discutir no congresso. É importante que possamos unir o partido em torno de uma ideia que não será a minha nem a sua mas será uma síntese de um conjunto de ideias que estão colocadas no debate hoje”, diz.

Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias

 

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