Patrus Ananias: “A saída é fortalecer os movimentos populares”
Deputado federal e ex-ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, fala sobre o retorno do Brasil ao Mapa da Fome
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Patrus Ananias, 66 anos, é advogado, ex-prefeito de Belo Horizonte (MG), ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do Desenvolvimento Agrário do governo de Dilma Rousseff. Atualmente cumpre mandato como deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e já anunciou que buscará a reeleição ao cargo, para seguir fazendo a luta pela redução das desigualdades na Câmara dos Deputados.
Uma das primeiras missões do mineiro durante os governos petistas foi chefiar o ministério responsável por um dos principais programas do primeiro mandato do ex-presidente Lula: o Fome Zero. O programa inaugurou uma série de políticas sociais dos governos petistas, que possibilitaram a retirada do Brasil do Mapa da Fome, em 2014.
Na semana em que começa a Caravana Semiárido contra a Fome, organizada pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Patrus concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, na qual fala do recém-divulgado dado de crescimento da pobreza extrema depois do golpe de estado de 2016, as razões e as saídas para essa triste realidade.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato – Recentemente, foi divulgado um dado de que a pobreza extrema cresceu no país, devolvendo o Brasil para o Mapa da Fome. Como o senhor, que foi um dos responsáveis pelo Fome Zero, recebe essa informação?
Patrus Ananias – Com uma dor enorme no coração. Aqueles dias de esperança que vivemos nos governos do presidente Lula, da presidenta Dilma, especialmente quando nós estávamos a frente do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, aqueles dados animadores, esperançosos, o Brasil saindo do Mapa da Fome, o Brasil reduzindo a mortalidade infantil. Não tivemos mais os retirantes da seca que afetou por cinco ou seis anos o semiárido nordestino, lá na minha região, o norte de Minas, que tem características climáticas muito semelhantes ao semiárido nordestino. As pessoas melhorando suas condições de vida. E de repente esse retrocesso lamentável, a volta da fome, o aumento assustador das populações de rua, crianças e adolescentes voltando às ruas, algo que parecia um capítulo superado na história do Brasil, o aumento da mortalidade infantil, a fragilização do SUS, o Sistema Único de Saúde, do SUAS, o Sistema Único da Assistência Social, a redução do programa Bolsa Família. Então tudo isso realmente nos deixa com o coração doendo, mas ao mesmo com muita indignação e muita determinação de continuarmos a nossa luta para revertermos esse quadro.
Na sua opinião, o que levou o país a essa situação?
A leitura que eu faço é que as forças do capital, as forças conservadoras, os serviçais do dinheiro, dos interesses econômicos, deram um golpe. Um golpe que continua. Deram um golpe afastando a presidenta Dilma sem que houvesse qualquer fundamentação jurídica, tanto é que ela saiu exercendo seus direitos políticos, sua cidadania, colocando a sua candidatura ao Senado aqui por Minas Gerais.
Depois veio uma operação desmonte. Tudo o que era destinado e que dizia respeito aos pobres, às classes trabalhadoras e também à classe média assalariada, ou até mesmo, aos pequenos e médios empreendedores, começou a ser desmontado. Essa operação começa primeiramente com a Emenda Constitucional 95, que a meu ver, descaracteriza a nossa Constituição Cidadã. E a operação desmonte continuou com a chamada reforma trabalhista, que é uma desconstrução dos direitos trabalhistas no Brasil. No caso da reforma previdenciária, inicialmente, eles propunham praticamente acabar com o Benefício por Prestação Continuada, que garante o salário mínimo para pessoas idosas com mais de 65 anos e às pessoas com deficiência e incapacidade para o trabalho. E junto com essa operação desmonte dos direitos sociais, a operação de desmonte do país, a entrega do Brasil, o comprometimento da nossa soberania.
Tanto que nós constituímos também no Congresso a Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional, porque estão entregando tudo: a Petrobras, o pré-sal, querem entregar a Eletrobras. Nós sabemos que o sistema elétrico brasileiro é baseado em hidroelétricas, o que significa que privatizar a Eletrobras é também privatizar as nossas águas. Então é um golpe que vai no sentido de atender aos interesses do grande capital internacional, transnacionais e do sistema financeiro, certamente atendendo aos interesses de nações poderosas, às quais não interessa que o Brasil se viabilize como um projeto de nação soberana, uma nação dona da sua história, um país economicamente forte, socialmente justo, e que preserve as suas riquezas, o seu patrimônio, para as gerações presentes e as gerações futuras.
A prisão do ex-presidente Lula também é parte desse golpe?
Sim. Eu mencionei os capítulos do golpe, que foi o afastamento da presidenta Dilma, o desmonte dos direitos sociais, o desmonte da soberania nacional, e esqueci um fato fundamental, que é a prisão do presidente Lula, sem nenhuma fundamentação jurídica. Inclusive eu fiz um discurso na Câmara apresentando as razões jurídicas pelas quais o presidente Lula é um preso político. Então a prisão da nossa maior liderança política, maior liderança popular da história do Brasil, que realizou um governo histórico, que tirou o Brasil do Mapa da Fome, que melhorou as condições de vida de milhões de pessoas, de famílias, se insere também no contexto desse golpe, para impedir que ele dispute as eleições, as ganhe, e volte a governar o Brasil para o bem do povo brasileiro.
O senhor, que foi ministro do Desenvolvimento Agrário, acredita que a política do governo golpista para o campo tenha produzido esse resultado avassalador de retorno da fome ao país?
Claro. Eles reduziram, praticamente eliminaram, os recursos da assistência social e também da agricultura familiar, da educação no campo. Agora estão tentando aprovar uma lei que libera a venda de agrotóxicos, de veneno sem limites na nossa agricultura. Todo o trabalho que vínhamos fazendo com o cooperativismo, com a agricultura saudável, a produção de alimentos que realmente promovam a saúde e a vida das pessoas, e não a morte. Uma discussão séria é o tema da reforma agrária, na perspectiva da função social da terra, lembrando que a terra é a guardiã das águas e a água é um bem público. A discussão sobre a função social da propriedade das riquezas, na perspectiva do bem comum, dos interesses coletivos. Tudo isso foi cravado. Mas mais dia, menos dia, nós retornaremos.
Sobre a Caravana contra a Fome, como o senhor avalia esse tipo de iniciativa?
A caravana deve passar aqui em Belo Horizonte na segunda-feira e eu liberei totalmente minha agenda para participar da recepção e do encontro com eles e ajudar nessa caminhada até Curitiba, em solidariedade ao nosso grande líder, o presidente Lula. Enquanto fui ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome tive uma relação muito forte com o Consea, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A ASA, Articulação do Semiárido Brasileiro, teve uma participação muito destacada no Consea, é uma entidade muito séria, foi a nossa grande parceira na construção das cisternas, um belíssimo programa, muito simples, mas que melhorou a vida de tantas milhares de pessoas, de famílias, de comunidades do nordeste. Cisternas que captavam água da chuva e guardava essa água para o consumo familiar e a pequena agricultura no período da seca. Então foi uma grande parceira, e por isso estamos inteiramente solidários.
Qual a saída para essa situação e de que forma isso estará refletido no programa de governo do PT para as eleições presidenciais?
Eu penso que a saída está em fortalecer cada vez mais os movimentos sociais. Nós precisamos realmente voltar às bases, ter um contato mais direto com as pessoas, com as famílias, com as comunidades mais pobres. E nesse sentido nós temos um conjunto de entidades que são muito importantes. Temos as entidades que compõem a Via Campesina, com destaque para o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mas também o MAB, o Movimento de Atingidos por Barragens, o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), as mulheres camponesas, temos também um trabalho importante na área rural com a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e das suas federações e sindicatos estaduais e regionais, a Contraf.
Temos também a retomada dos movimentos sociais urbanos. Eu, pessoalmente, estou muito convencido de que é preciso aproximar cada vez mais a cidade do campo. Porque a questão da terra, a questão da água, ligando a questão social com a questão ambiental, dizem respeito tanto às áreas rurais como às áreas urbanas. Tem espaços de convergência entre esses dois temas fundamentais.
Portanto, eu considero que devemos colocar sempre na mesma linha a luta pela reforma agrária e a luta pela reforma urbana, nessa perspectiva da função social da propriedade, da função social da terra. Então essa retomada dos movimentos de base, dos movimentos ligados às igrejas cristãs, as comunidades eclesiais de base, os grupos de fé e política, as pastorais sociais efetivamente comprometidas com a vida, com o bem comum, com a justiça social.
E penso também que agora, nesse período eleitoral, nós, do Partido dos Trabalhadores e dos partidos de esquerda, o chamado campo democrático popular, precisamos também fazer campanhas pedagógicas, aproveitando o momento eleitoral para discutirmos com as pessoas, com as famílias, com as comunidades, com os grupos sociais organizados, esse momento que estamos vivendo. Temos contra nós também a mídia, a grande mídia, manipulando, enganando. Então, na campanha eleitoral, e na militância política, social, temos que cumprir o papel pedagógico, de esclarecimento do momento que estamos vivendo e a importância da conscientização e organização das pessoas para que a gente possa retomar esse trabalho.
Por Brasil de Fato