Pochmann: pobreza é regra de autoritários que defendem interesses de ricos
Posição da extrema-direita é destituir governos democraticamente eleitos e se impor para executar projeto de sociedade desigual
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A explosão recente da desigualdade estimulou o debate a respeito de quanta iniquidade a sociedade brasileira estaria disposta a suportar. Mas talvez o questionamento mais correto encontrar-se-ia na procura por saber o inverso, ou seja, o quanto de igualdade a sociedade brasileira toleraria de fato.
Isso porque em 90 anos de instalação e desenvolvimento da sociedade urbana, o país conseguiu conviver com somente dois únicos períodos de vigência democrática, sendo ainda interrompidos justamente no momento em que a desigualdade de renda medida pelo índice de Gini encontrava-se no menor patamar (0,5). De um lado, o golpe de Estado de 1964 transcorreu quando o índice de Gini de 1960 era de 0,499.
As escassas informações sobre a iniquidade na repartição da renda na sociedade agrária brasileira que predominava até a década de 1930 indicam que o índice de Gini da desigualdade girava em torno de 0,6. Se considerarmos o período democrático localizado entre 1945 e 1964, destaca-se o protagonismo do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na condução da importante agenda em torno do projeto de igualitarismo para a sociedade brasileira, inclusive a defesa da chamada reforma de base, que permitiu reduzir a desigualdade de renda no país.
De outro lado, o golpe de Estado de 2016 aconteceu quando o índice de Gini encontrava-se no patamar do 0,499 (2014). Isso porque desde 1964 com a instalação da fase autoritária até 1985, o grau de desigualdade de renda havia retornado à trajetória de crescimento gradual até ultrapassar o índice de Gini de 0,6.
Somente com a volta da democracia que as políticas redistributivas passaram novamente a ter predominância, sobretudo nos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (2003-2016). No seu projeto de igualitarismo, o PT estimulou o papel ativo do Estado na defesa da inclusão ampliada de toda a sociedade.
Em função desses dois projetos de igualitarismo vigentes nos períodos democráticos de 1945 a 1964 e de 1985 a 2016, ambos interrompidos por golpe de Estado, cabe indagar se a sociedade brasileira toleraria a desigualdade inferior a 0,5 no índice de Gini. A similitude nos dois golpes de Estado (1964 e 2016) encontra convergência na crítica da direita e extrema direita ao intervencionismo do Estado e ao igualitarismo contido no conjunto das políticas públicas, bem como na defesa das forças de mercado e da desigualdade meritocrática, muito distante de qualquer possibilidade de igualdade de oportunidade.
De certa forma, percebe-se que inversamente ao avanço material das ações igualizadoras objetivas entre os excluídos, parecem ascender às forças desigualizadoras subjetivas entre parcela dos super-incluídos. Em geral, reações ao processo de mobilidade social ascendente que representaria uma nova configuração de vínculos que se formam diante da chegada de estranhos nos espaços até então ocupado por poucos.
Os sinais da desigualdade subjetiva surgem e se proliferam frente a aproximação física do outro que busca conviver nos mesmos espaços de igualdade objetiva. Nesse sentido que a posição ideológica de direita e extrema direita encontra terreno fértil para se expandir, a tal ponto de conformar nova maioria para destituir governos democraticamente eleitos e se impor autoritária e democraticamente para executar o projeto de sociedade extremamente desigual.
E sobre a desigualdade parece não haver limites, pois sem a democracia, predominam os interesses de ricos e poderosos. Por isso a democracia é tão importante para que o projeto de igualdade possa se viabilizar através do apoio de incluídos e, sobretudo, os excluídos.
Marcio Pochmann é presidente da Fundação Perseu Abramo