Por que a “deflação” de Bolsonaro é ruim para a economia

Recuo pontual do IPCA em julho não caracteriza um processo deflacionário. “Um mês ou outro é apenas uma flutuação atípica”, afirma economista do Ibre/FGV

Site do PT

Entenda o que é deflação

A dissonância cognitiva como método político de Jair Bolsonaro chegou à agenda econômica de seu desgoverno. Na busca desesperada por apoio em forma de votos, ele deu para chamar de “deflação” uma queda tarifária pontual do tripé gasolina-etanol-energia elétrica que influenciou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de -0,68% em julho. Para variar, Bolsonaro tortura os fatos e distorce um conceito para que caiba em sua visão peculiar de “recuperação econômica”.

Embora entre os teóricos haja ligeira controvérsia sobre o termo, a deflação ocorre quando os preços de produtos e serviços caem de forma generalizada, constante e duradoura. “Precisa de uma sequência. Um mês ou outro é apenas uma flutuação atípica”, explica André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), no Info Money.

LEIA MAIS: Queda da inflação em julho é artificial e de curto prazo, dizem economistas

“Todos os preços precisam cair de forma sistemática para configurar deflação. Índice abaixo de zero em um mês não é considerado deflação”, reforça Emerson Marçal, coordenador do curso de Economia da FGV em São Paulo, na BBC Brasil.

A taxa acumulada do IPCA em 12 meses segue em dois dígitos (10,07%). O indicador oficial da inflação está nesse patamar desde setembro de 2021. Sequência tão longa não ocorria desde o período entre 2002 e 2003. À época, o índice permaneceu acima de 10% por 13 meses consecutivos, de novembro de 2002 a novembro de 2003, quando a equipe econômica do Governo Lula domou o legado inflacionário do Governo FHC.

Dessa forma, a queda em curto prazo do IPCA – como ocorrerá no Brasil de Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes – não configura por si sum processo deflacionário e não permite dizer que a deflação é uma tendência. Esta se confirma apenas quando a baixa de preços afeta prolongadamente uma grande gama de produtos e serviços.

Reduções em poucos segmentos, como as atuais – apenas em dois dos nove grupos considerados na pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – não significam deflação. Mas como cada segmento tem um peso diferente na composição do indicador, a queda de preços numa área importante pode puxar a média para baixo, mesmo que a tendência não seja geral.

LEIA MAIS: “Deflação” só chega para famílias com renda acima de oito salário mínimo

É o que ocorre hoje com a redução temporária e por “canetada presidencial” dos preços de combustíveis e da energia elétrica, que têm forte impacto nas despesas de transportes e habitação, dois grupos com grande peso no cálculo do IPCA. Por isso a queda tarifária puxou o índice para baixo. Mas esse, pondera Braz, “é um evento esporádico, e não ditado pela maioria dos preços”.

Afinal, os valores de itens importantes, como alimentos e serviços, ainda sobem – e muito. A inflação de alimentos foi de 1,3% em julho e de 14,72% em doze meses. “Essa é na verdade a notícia mais importante, porque é a que mais afeta a população mais pobre. Houve um aumento real dos alimentos, o que significa que a cada visita que a família faz ao mercado, ela volta com menos alimentos”, aponta o economista.

Braz ressalta ainda que o índice de difusão, que mede a disseminação da carestia entre produtos e serviços, está em 63%. Então, quase dois terços dos preços que compõem o IPCA, na verdade, continuam subindo. “Do jeito que a deflação aconteceu, ela beneficia principalmente o brasileiro mais rico, que consome gasolina e gasta mais energia. É uma queda que foi mais sentida pelos ricos”, completa.

Sem gestão e planejamento, deflação prolongada pode conduzir a quadro recessivo

A deflação “clássica” ocorre quando a oferta de produtos e serviços é maior do que a demanda. Há mais itens à venda do que as pessoas estão dispostas ou têm condições de comprar. Pode ocorrer ainda quando há redução do volume de dinheiro em circulação. Menos moeda na praça resulta em menos compras e, consequentemente, em redução dos preços.

“Quando ela é persistente, virá acompanhada por destruição de postos de trabalho e de empresas. Nesse último caso, as consequências podem ser mais duradouras, pois podem comprometer a capacidade de investimento e de recuperação futuras”, afirma o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), André Chagas. “A consequência é menos emprego e renda, firmas fechando e nenhum incentivo ao investimento.”

Para debelar a deflação, o principal mecanismo do Estado é colocar mais dinheiro em circulação. Implementada de forma irresponsável, essa medida gerará alguma inflação em um período de três a seis meses, em meio a uma ilusão temporária de prosperidade. Como Bolsonaro vem tentando, ao saquear os cofres da União em busca de votos pela reeleição, desconsiderando os impactos futuros.

LEIA MAIS: Futuro governo herdará rombo de R$ 300 bilhões nas contas em 2023

Outra estratégia é derrubar a taxa básica de juros (Selic) para reanimar o consumo. Mas os sinais emitidos pelo Banco Central, que divulgou nesta quarta-feira (9) a Ata da 248ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), apontam para direção contrária. Ou baixar a tributação sobre produtos e serviços. Essa medida, no entanto, é acompanhada de queda na arrecadação, o que no longo prazo reduz o fôlego do governo para investir.

“Além disso, se você não mostra de onde está arrecadando para compensar essa redução de impostos, você gera incerteza e diminui a credibilidade fiscal do governo”, destaca André Braz, do Ibre/FGV. “Não sou contra o corte dos impostos, mas é preciso que seja feito com responsabilidade fiscal.” Um valor que Bolsonaro não tem o menor escrúpulo em descartar por conveniência eleitoreira.

Da Redação, com agências

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast