Pró-Brasil é rídiculo para reerguer economia
Ex-ministra do Planejamento, Míriam Belchior diz que o programa de obras do governo está no caminho certo, mas é muito pouco para a retomada do crescimento. “R$ 30 bilhões é um montante ridículo para as necessidade de infraestrutura brasileira, sucateada nos últimos anos”, critica. Nelson Barbosa diz que os críticos à próposta – uma “carta de intenções” – são liberais
Publicado em
Lançado com estardalhaço pelo governo na quarta-feira (22) no Palácio do Planalto, sob os auspícios do general Braga Neto, ministro-chefe da Casa Civil, o Programa Pró-Brasil, que se compromete a garantir R$ 30 bilhões em investimentos públicos em obras espalhadas pelo país pelos próximos anos, é ridículo para as necessidades do país. A opinião é da ex-ministra do Planejamento Míriam Belchior, que coordenou o Programa de Aceleração do Crescimento no governo Lula. O Pró-Brasil prevê ainda atrair R$ 250 bilhões da iniciativa privada em concessões.
“R$ 30 bilhões é um montante ridículo para as necessidade de infraestrutura brasileira, que vem sendo sucateada nos últimos anos, e para a retomada da economia”, avalia Míriam Belchior, engenharia de alimentos formada pela Unicamp, que também presidiu a Caixa Econômica Federal. Em 2007, ela era a secretaria executiva do PAC e, a partir de abril de 2010, com a saída da então ministra Dilma Rousseff do governo, tornou-se a coordenadora-geral do PAC. Em sua primeria fase, o PAC previa investimentos totais de R$ 503,9 bilhões até 2010.
“O PT defende que o Brasil retome um grande volume de investimentos públicos e de investimentos privados para voltar a crescer”, ressalta Míriam. “Já mostramos no governo que sabemos o caminho que o Brasil precisa para voltar a crescer, criando empregos e reduzindo desigualdades”. O PAC 2 foi lançado em 29 de março de 2010 e previa recursos da ordem de R$ 1,59 trilhão em áreas como transportes, energia, cultura, meio ambiente, saúde, área social e habitação.
“O PAC previa obras de infraestrutura econômica e social em todo o país, gerando milhões de empregos. Só o programa Minha Casa Minha Vida criou 1,7 milhão em quatro anos”, lembra. “Não há outra saída. É necessário acabar com o Teto de Gastos para aumentar o investimento público e recompor recursos para as áreas essenciais para a população brasileira”.
Demonização
“Desde o Golpe de 2016, o Estado e o investimento público vêm sendo demonizados no país”, alerta Míriam. “O investimento público no Brasil é o menor em 50 anos. E isso é consequência do governo golpista do Temer e da política ultraliberal do Paulo Guedes”, insiste. Míriam lembra que o senador Jaques Wagner (PT-BA) é autor de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 131, que, se aprovada, autorizaria o governo a investir em infraestrutura até 1,5% do PIB por fora da Lei Teto de Gastos. “O Brasil tem como enfrentar essa tempestade, mas precisa querer”, aponta.
Míriam argumenta que a Emenda do Teto de Gastos, que congelou os investimentos públicos até 2036, hoje representa um entrave para o desenvolvimento do país, porque ancora toda a estratégia econômica numa política fiscal restritiva e que simplesmente ignora os problemas do país. Somente nos últimos dois anos, a saúde perdeu R$ 12,5 bilhões por conta da PEC. “É dinheiro que falta agora para o enfrentamento da pandemia do coronavírus”, destaca.
‘PAC raquítico’
O ministro Paulo Guedes tem denunciado o Pró-Brasil como um ‘programa dilmista’, um PAC mais tímido e raquítico, mas que recoloca no centro da estratégia o papel do Estado brasileiro na economia. Guedes repete a ladainha de que o governo do PT quebrou o país, uma mentira tendo em vista que hoje o colchão de segurança do Brasil são as reservas internacionais, que estavam na casa dos US$ 370 bilhões quando veio o Golpe em 2016. Somente no ano passado, o governo Bolsonaro torrou US$ 37 bilhões dessas reservas para conter a desvalorização do real
“O governo não percebe a tragédia que vai se abater sobre o planeta após a pandemia”, diz a ex-ministra. Míriam diz que o governo emite sinais contraditórios, porque apresentou o programa de obras públicas agora, mas a equipe econômica rejeita a proposta e diz que não é possível investir dinheiro público. “O teto de gastos segue como a principal âncora fiscal, de acordo com projeto apresentado pelo governo Bolsonaro”, denuncia.
Dificuldades no setor privado
Em artigo publicado na Folha nesta sexta-feira (24), o também ex-ministro do governo Dilma, o economista Nelson Barbosa, diz que dificilmente a equipe econômica conseguirá atrair investidores privados para fazer apostas no Brasil, diante do quadro de contração econômica global e a instabilidade política no país. “Após o pior da crise, setor privado estará mais endividado, com elevado desemprego e capacidade ociosa, em um contexto doméstico ainda instável (família Bolsonaro versus impeachment) e situação externa provavelmente incerta (efeitos estruturais da Covid-19 na economia mundial, eleições nos EUA, discordâncias entre europeus e evolução da China pós crise)”, observa.
Ele diz que não dá para falar nada sobre o Pró-Brasil, porque no fundo o projeto é agora apenas uma carta de intenções. “É preciso ser muito papalvo para achar que R$ 30 bi do Pró-Brasil quebrarão o país”, ironiza. “E, independentemente da opinião de nós, economistas, sobre o Pró-Brasil, parafraseando Churchill, ainda não chegamos ao ‘fim do começo’ da crise atual”. Segundo Nelson Barbosa, o contágio do coronavírus continua crescendo no país e no mundo, a capacidade dos hospitais já se esgotou em várias capitais e a maioria das medidas anunciadas pelo governo não foi posta em prática. “Nessa situação, é um luxo debater o que o paciente fará quando sair do hospital”, pondera. “Antes disso, precisamos mover o paciente da UTI para o quarto”.