Em entrevista ao PT no Senado, a doutora em antropologia e assessora técnica da bancada na Casa Marcia Anita Sprandel fala da realidade do trabalho doméstico não remunerado.
PT no Senado: O trabalho doméstico não remunerado é uma questão debatida há décadas e não se restringe ao nosso país. É possível afirmar que esse debate tem amadurecido nos últimos tempos? Os países estão avançando nesse debate em torno da garantia de direitos?
Marcia Sprandel: Desde os anos 1970, quando os movimentos feministas europeus lançaram a bandeira da remuneração ao trabalho doméstico como uma provocação aos estados sobre o seu valor para a economia e para a sociedade, o debate se desdobrou em várias outras agendas das mulheres nas décadas de 1980 e 1990, até ser incorporado pelas Nações Unidas, e, dessa forma, chegar a vários países do mundo. No hemisfério sul, a agenda do trabalho doméstico não remunerado se uniu às demandas não só dos movimentos de mulheres, mas também de todas as lutas por trabalho decente, igualdade salarial, moradia digna, direito a creches etc. Penso que, com isso, ganhou nova força.
PT no Senado: Existe um debate acerca da economia do cuidado, inclusive sobre metodologias e possibilidade de remuneração dessas trabalhadoras. A criação de contas-satélites com o objetivo de medir (e ajudar a reduzir) as desigualdades de gênero e ajudar a eliminar as diferenças de rendimento é uma solução plausível para a questão?
Marcia Sprandel: As contas-satélites são instrumentos importantes para valorar a contribuição de determinada área da economia para o PIB do país. No caso da saúde, por exemplo – como já temos no Brasil- trata-se de trazer o que está espalhado no Orçamento para um lugar só, e depois quantificar. No caso da conta-satélite de trabalho doméstico não remunerado, o exercício é outro. É preciso quantificar as horas desprendidas pelas famílias – especialmente pelas mulheres, é fato- nas tarefas domésticas. Para isso o IBGE, na Pnad-Contínua, já tem os instrumentos (quantificação de horas e listagem de tarefas). A partir daí se calcula o valor dessas tarefas se fosse pago para outra pessoa realizá-la. Com isso, chega-se a um valor que representa a contribuição do trabalho doméstico não remunerado para o PIB. Os resultados são impressionantes.
PT no Senado: Projetos de lei sobre a economia do cuidado estão em tramitação no Congresso Nacional. Já está tramitando no Senado a Política Nacional de Cuidados – PL 5791/2019. Como a maior parte da carga de trabalho do cuidador não remunerado recai sobre as mulheres, o texto prevê a adoção de medidas para reduzir essa sobrecarga nas famílias, promovendo a corresponsabilização de outros familiares, principalmente os homens.
Caso essa proposta seja aprovada pelo Senado, já seria possível determinar o impacto dessas medidas na vida das pessoas que hoje realizam esse trabalho doméstico não remunerado?
Marcia Sprandel: A aprovação do PL 5791/2019 significa um avanço social e uma mudança cultural. Historicamente uma questão a ser resolvida apenas pelas famílias, e, dentro delas, delegado às mulheres, o cuidado passará a ser tratado como uma responsabilidade de toda a sociedade (famílias, estado, sociedade civil e empresas). Inovará, igualmente, ao estimular a divisão do trabalho doméstico entre homens e mulheres.
Nas redes sociais, o ministro Wellington Dias já anunciou algumas das ações a serem implementadas, como o direito previdenciário para cuidadores não remunerados, creches, centros de atenção diurna, cuidados domiciliares, teleassistência, direitos dos cuidadores remunerados etc Estou bastante otimista com a implementação da Política Nacional de Cuidados, um dos projetos prioritários do nosso governo.
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Do PT no Senado