Rodrigo Cesar: Sobre o balanço – Parte 3

O desenvolvimento das forças produtivas sob o modo de produção capitalista intensifica o antagonismo entre capitalistas e trabalhadores e reduz as condições objetivas para a conciliação

Tribuna de Debates do PT

Nos dois primeiros textos desta série, apontamos algumas posturas a se evitar no debate de balanço, bem como um percurso alternativo para debater o balanço e as principais movimentações dos golpistas para alterar a correlação de forças e nos derrotar.

A pergunta que fica é: por que eles conseguiram? Formulando de outra maneira: por que não conseguimos derrotar o golpe?

Na segunda metade dos anos 1990, tendo substituído o objetivo de superar o capitalismo pelo objetivo de superar apenas sua variante neoliberal, a estratégia de conciliação que passou a predominar no PT produziu, ao mesmo tempo, acúmulo de força institucional e acúmulo de fragilidades organizativas e ideológicas.

Depois de lograr uma importante vitória nas eleições municipais de 2000, o Partido dos Trabalhadores realizou seu 12º Encontro Nacional em Recife em dezembro do ano seguinte. As resoluções daquele encontro falavam de uma “ruptura necessária” com o neoliberalismo que envolvia “mudanças estruturais no país”. Contudo, meses depois o Diretório Nacional do PT aprovou a chamada Carta ao povo brasileiro, assinada pelo então candidato Lula e publicada em junho de 2002.

A noção de “ruptura” cedeu à ideia de “transição”; as “mudanças estruturais” deixaram de constar e passou-se a dar atenção à “preocupação do mercado financeiro com o mau desempenho da economia e com sua fragilidade”. Visando garantir a vitória eleitoral e a futura governabilidade, firmavam-se compromissos não apenas com os inimigos secundários, mas também com o inimigo principal: o capital financeiro.

Assim, nos últimos quinze anos a estratégia de conciliação aprofundou-se. Se por um lado obtivemos quatro vitórias nas eleições presidenciais e melhoramos a vida da maioria povo, por outro lado aquela estratégia nos debilitou para enfrentar a contraofensiva neoliberal e prosseguir. Ou seja, ela nos levou até onde chegamos, mas não nos permitiu ir além.

As medidas para dividir a grande burguesia, neutralizando ou atraindo frações de classe, incidiram não apenas taticamente, mas comprometeram estrategicamente a possibilidade de realizar até mesmo a chamada “transição” rumo a outro modelo de desenvolvimento econômico, que garantisse crescimento, emprego e combate às desigualdades.

É preciso lembrar que somente depois de 2005 – quando o golpismo fez sua primeira investida quase exitosa e o então campo majoritário perdeu sua condição de maioria no Diretório Nacional do PT – o governo Lula fez uma inflexão em sua política econômica:  a ênfase em monitorar e estimular os humores do mercado financeiro cedeu espaço à centralidade dos investimentos estatais para induzir o desenvolvimento, sendo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a maior ilustração dessa nova orientação.

A expansão do mercado interno de massas, por um lado, e dos investimentos estatais, por outro, serviram para estimular a demanda, aquecer a indústria e alavancar os investimentos privados. Assim, ao lado do Bolsa Família, da política de aumento real do salário mínimo e da expansão do crédito consignado, implementou-se a política de conteúdo nacional, os empréstimos subsidiados dos bancos públicos e a redução do superávit fiscal primário, que caiu de 4,84% do PIB em 2005 (R$ 93,5 bi) para 1,9% em 2014 (R$ 91,3 bi).

Mas a arrecadação do Estado para realizar políticas públicas e aumentar os recursos para as áreas sociais depende da atividade econômica e, portanto, da taxa de investimentos. Uma compreensão que não é novidade: o 12º Encontro do PT já havia apontado que o êxito do novo modelo de desenvolvimento dependeria do dinamismo do investimento.

Depois de 2006, o gradativo aumento da taxa de investimentos e da massa de rendimento do trabalho garantiu as condições para que as políticas anticíclicas do governo federal surtissem efeitos iniciais temporários e o Brasil enfrentasse os primeiros anos da crise internacional de 2007/2008 mantendo a geração de empregos e o crescimento do PIB.

Mas as desonerações fiscais que visavam estimular o setor privado a aumentar a taxa de investimentos não deram o resultado esperado. Sem formalizar a necessidade de contrapartida, o empresariado beneficiado, ao invés de investir na produção, investiu no mercado financeiro os recursos que antes seriam destinados ao pagamento dos impostos.

Aliás, a falta de contrapartida demonstrou-se erosiva no ilustrativo episódio das desonerações dos produtos da cesta básica: ao invés de repassar aos consumidores a queda de preços, os empresários dos setores de produção, distribuição e comércio destes itens colocaram no bolso a diferença.

Se até 2010 a estratégia de conciliação conseguiu promover um ciclo de desenvolvimento que incluiu milhões de brasileiros e ao mesmo tempo garantiu superlucros aos bancos, o impacto prolongado da crise internacional estreitou a margem de manobra do governo federal e precipitou o desfecho de um impasse político e econômico – um impasse que mais cedo ou mais tarde teria resolução, pois o desenvolvimento das forças produtivas sob o modo de produção capitalista intensifica o antagonismo entre capitalistas e trabalhadores e reduz as condições objetivas para a conciliação.

Como reagiu a maior parte dos petistas? A essa questão nos dedicaremos no próximo texto.

Por Rodrigo Cesar, historiador, membro do conselho da Escola Nacional de Formação do PT e filiado no diretório municipal de São Paulo, para a Tribuna de Debates do IV Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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