Rodrigo Cesar: Sobre o balanço – Parte 5

A continuidade da luta pelo socialismo nos próximos anos exige um novo caminho, uma nova estratégia

Tribuna de Debates do PT

Foto: Lula Marques/Agência PT

No quarto texto desta série constatamos que a maioria dos petistas deixou de perceber o esgotamento da política de conciliação de classes e que o ajuste fiscal nos fez perder grande parte do apoio que tínhamos na classe trabalhadora.

Ao mesmo tempo, os efeitos colaterais da política de conciliação tornaram-se cada vez mais visíveis e graves nos últimos anos.

Em sintonia com uma estratégia que não pressupõe reformas estruturais, a política de alianças conferiu caráter estratégico a alianças com frações da grande burguesia considerada produtiva. Imaginava-se que as contradições entre o capital industrial e o capital bancário eram suficientemente profundas para que a fração produtiva da burguesia se empenhasse na superação da hegemonia do capital financeiro, sem perceber que esta é a hegemonia da combinação entre o capital industrial e o bancário.

Com esta política de alianças, não entrava no programa do bloco que dava sustentação ao governo federal os interesses estratégicos da classe trabalhadora, como a desconcentração fundiária urbana e rural, a regulação do mercado financeiro e a progressividade da tributação.

Por sua vez, a política de governabilidade centrada no parlamento conferia prioridade aos partidos de direita e seus interesses fisiológicos para a construção de maiorias a cada votação, secundarizando as alianças no âmbito do campo democrático-popular e a mobilização social, que poderia garantir a implementação de medidas populares, como ocorreu no caso do programa Mais Médicos.

Consequentemente, no momento em que se consolidou o movimento de unificação das diferentes frações da burguesia para desmontar nossas realizações, reduzir salários, cortar gastos sociais e retirar direitos, a chamada “base aliada” sobre a qual se sustentava o governo federal rapidamente se desfez. Negociações palacianas não eram capazes de satisfazer os interesses estratégicos do bloco de centro-direita que se formou contra nós, pois são simplesmente incompatíveis com a presença do PT no governo federal.

Ideologicamente, o princípio de respeito à coisa pública confundiu-se com a ilusão no republicanismo das instituições e a defesa das liberdades democráticas confundiu-se com a defesa do Estado democrático de direito – que aliás nunca existiu em grande parte do território brasileiro, especialmente no campo e nas periferias urbanas. Ocultava-se, assim, o caráter de classe do poder de Estado e o antagonismo entre capitalistas e trabalhadores como principal contradição da sociedade.

A própria crença em uma transição (ou revolução) democrática ao socialismo deixa de levar em conta que a legalidade democrática não é um valor universal para a burguesia, que a viola sempre que considera necessário para garantir seus interesses de classe.

Assim, manifestava-se um grave sintoma da estratégia de conciliação: enquanto as instituições de Estado integravam a ofensiva conservadora com papel cada vez mais destacado, muitos petistas consideravam republicanas as operações da Polícia Federal e as decisões do Supremo Tribunal Federal, e consideravam democráticas as manifestações de direita que incitavam a quebra da legalidade reivindicando intervenção militar.

Além disso, uma estratégia que priorizou a institucionalidade como “via” para melhorar a vida do povo nos marcos do capitalismo por meio de políticas públicas e sem alterar os mecanismos de poder sob o comando da burguesia transformou profundamente o funcionamento do próprio PT.

Seu fortalecimento eleitoral foi acompanhado do enfraquecimento de sua capacidade de organização e mobilização social.

O aumento de poder dos mandatos e mandatários foi acompanhado pelo enfraquecimento das instâncias e dos filiados.

A direção política antes exercida pelas instâncias partidárias transferiu-se para os gabinetes de governo, o que ajuda a explicar porque a maioria da direção do PT está desorientada agora que não pode mais contar com o Palácio do Planalto.

A relação entre o partido e a classe trabalhadora visando sua organização e conscientização tornou-se cada vez mais uma relação entre legenda e eleitorado visando apenas o seu voto, à moda dos partidos tradicionais.

A formação política e a luta ideológica perderam densidade na mesma proporção em que o financiamento e marketing eleitoral ganhou importância.

Com isso, no momento em que o PT foi desafiado a travar batalhas urgentes e decisivas fora do terreno institucional para confrontar a ofensiva conservadora e golpista, sua “musculatura” encontrava-se “atrofiada”.

Porém, ainda que o Partido dos Trabalhadores tenha sido o principal derrotado no último período, a crise atual não significa o esgotamento de um partido, seja porque a derrota do PT é a derrota do conjunto da esquerda, independentemente do que pensem os que se pretendem alternativa de esquerda ao PT, seja porque a destruição do PT segue sendo prioridade do grande capital.

Por tudo isso, é possível dizer que a dimensão estratégica da derrota que sofremos também diz respeito à derrota de uma determinada estratégia que hegemonizou a esquerda no último período. A continuidade da luta pelo socialismo nos próximos anos exige, portanto, um novo caminho, uma nova estratégia.

Mas isso é assunto para o próximo texto.

Por Rodrigo Cesar, historiador, membro do conselho da Escola Nacional de Formação do PT e filiado no diretório municipal de São Paulo, para a Tribuna de Debates do VI Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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