Rompendo silêncios “Ser negra está na pele, ser lésbica você pode esconder ou não”
Pesquisa dá voz a mulheres negras lésbicas e reflete sobre os avanços necessários inclusive dentro dos próprios movimentos negros e feministas
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A história de organização dos movimentos negros e feministas não segue uma trajetória linear de amadurecimento das pautas. No Brasil, a combinação dos preconceitos de gênero, classe e raça gerou um fenômeno que criou uma espécie de hiato — em que as mulheres negras lésbicas não conseguiam encontrar um campo acolhedor para suas pautas, nem no movimento negro, nem no movimento feminista.
A pesquisadora Sandra Regina de Souza Marcelino, autora da tese “Mulheres negras lésbicas: a fala rompeu o seu contrato e não cabe mais espaço para o silêncio”, ouviu diversas mulheres e refletiu sobre como essas relações que permeiam gênero, raça, sexualidade e organização coletiva. Sandra explica que, no movimento feminista, as mulheres negras se deparavam com o racismo e, no que concernia às mulheres negras lésbicas, a sua sexualidade não era compreendida como parte do universo feminino. Já no movimento negro, essas questões se agregavam ao machismo.
“A entrada das mulheres negras no movimento feminista, e das negras lésbicas no movimento negro, tornou-se um campo de tensão no qual, se por um lado há um racismo implicado dentro dos grupos de mulheres, por outro, a questão da (homo)sexualidade dessa mulher negra a coloca numa situação de “desonra” à cor/raça”, aponta a pesquisadora.
O estudo revela, que dentre as cargas de estigmas que as mulheres negras historicamente carregam, identificar-se como lésbica, revelar e afirmar “esse segredo” significa enfrentar uma opressão que envolve ao menos dois estigmas: a negritude e a lesbianidade.
Lélia Gonzales contribuiu para atacar esse silenciamento ao incluir homossexuais como parte das “minorias silenciadas” e defendia o direito de discutir suas especificidades em congressos. A luta LGBT tem avançado no sentido da interseccionalidade e da transversalidade das políticas, no entanto, a causa das mulheres negras lésbicas ainda é uma batalha permanente para garantir a visibilidade de suas pautas.
Romper silêncios
A riqueza da pesquisa está justamente no fato de, não apenas dar voz às silenciadas, mas a refletir em conjunto com elas esse fenômeno que marginaliza mulheres em duas vias, segregando-as a uma existência limitada de suas próprias possibilidades. Quando uma das entrevistadas ressalta “ser negra está na pele, ser lésbica você pode esconder ou não”, a autora reflete sobre quantas estratégias uma pessoa precisa inventar e reinventar no dia a dia para driblar muitas vezes o preconceito e a discriminação.
“Se a negritude está estampada na pele, quanto de esforço uma pessoa negra faz para atenuar as situações de racismo? Se for lésbica, quantas experiências não compartilhadas, quantos amores silenciados e inventados?”, diz a pesquisadora.
É possível notar que a lógica perversa do racismo, da lesbofobia, do machismo, da misoginia, entre outros, lança um olhar inquisidor como “se a polícia – aparelho orgânico-social da ordem e repressão – andasse atrás de todos/as que fugissem do campo normativo e regulador das relações humanas”.
Com a palavra, as mulheres
“não é fácil não! Você está na pirâmide, né? É mulher, você tá ferrada. Aí você é negra… hum, piorou mais um pouquinho. Aí você é lésbica, piorou um pouco mais e, se você for pobre…. e não é só isso porque ser mulher e negra está na cara, ser lésbica você ainda pode camuflar, a não ser que você seja aquela estereotipada mesmo que coça o saco e cospe no chão… Mas, se você não for, ou for o meio termo, as pessoas podem até pensar, mas vão ficar na dúvida, a não ser se você disser. E, você ser pobre também, pode camuflar. Agora, ser mulher e ser negra, não. Tá ali estampado, carimbado, não tem jeito!”, Dandalunda.
“Eu acho que pesa muito mais em algumas questões você ser negra. Questão de acesso e negra com agravante: cor de pele. A gente sabe que o racismo ele é mais contundente quanto mais preta for a sua negritude e a lesbianidade, a gente sabe que pesa mais quanto mais masculina você se apresenta dentro de uma sociedade heterossexista. Você não é excluída do seu núcleo familiar por ser negra, você pode ser excluída dentro da sua escola, mas não é expulsa por ser negra, você não é expulsa no seu templo de adoração por ser negra, então dependendo do contexto, lesbianidade pesa muito mais nas questões das exclusões e da negritude em relação aos afetos (…). Tudo vai depender do contexto, mas com certeza, tudo que é preto vai sofrer mais. A lésbica negra vai sofrer mais. Como uma mulher negra que podia estar rebolando, ganhando dinheiro, vai estar com uma outra mulher?!” Azaracá
“Raro o dia que eu não tenha passado uma situação de racismo, até porque além da minha pele negra eu sou rasta, meu cabelo é rasta (…). Isso também desperta dentro das pessoas o preconceito. Você passa num canto, as pessoas já se previnem de você. É na sua vizinhança, é no seu próprio trabalho, é quando você em algum espaço (seja político ou não), você se apresenta como lésbica (…). Como negra não é necessário porque tá na pele, aí você sabe como isso se modifica. Questões de racismo e lesbofobia são no cotidiano”, Ilnar.