Sabotagem e falta de planejamento comprometem vacinação no país
Entre ataques bolsonaristas à China, atrasos na entrega de matéria-prima e a disputa da Anvisa com a Rússia, brasileiros perdem o prazo para a aplicação da segunda dose e são obrigados a ir várias vezes aos postos para se imunizar
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Milhares de brasileiros se aglomeram em filas para receber a segunda dose de vacinas contra a Covid-19, e pelo menos 12 capitais brasileiras já tiveram que suspender a vacinação até esta terça (11), por falta de medicamento. Na segunda, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse que não deve ter mais vacinas a partir de sexta-feira (14). Segundo Covas, a instituição já envasou todo insumo que tinha em estoque.
A paralisação na produção da Coronavac, criada pelo laboratório chinês Sinovac Biotech, se deu pela falta do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), vindo da China. A direção do Butantan está em tratativas com a Sinovac para a liberação de um carregamento de pelo menos três mil litros da matéria-prima, mas elas devem chegar somente em 18 de maio. Se a data se confirmar, não será possível entregar novas doses antes de junho.
Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), afirmou em entrevista à CNN nesta segunda que os atrasos na entrega das vacinas podem ocorrer até julho. Com isso, milhares de brasileiros devem receber a segunda dose com atraso.
O IFA da vacina da AstraZeneca, que está sendo envasada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também é importado da China. A instituição cita “dificuldades burocráticas e diplomáticas” para a liberação do produto na origem.
Em janeiro deste ano, a Fiocruz anunciou a entrega de 50 milhões de doses até abril. Mas menos da metade das doses foram entregues: 22,5 milhões. Em 5 de fevereiro, a Fiocruz prometeu entregar 15 milhões de doses em março. Ao final, a entrega foi de só 2,8 milhões de doses, o equivalente a 18,7% do prometido.
Para explicar o adiamento da entrega das primeiras doses da vacina do começo de fevereiro para meados de março, a Fiocruz alegou que houve a quebra de uma máquina, com descarte indevido de vacinas, além do atraso no envio do IFA chinês.
No caso da demora na entrega de quatro milhões de doses prontas da Índia, praticamente só rotuladas pela Fiocruz, os dirigentes da instituição disseram que o agravamento da pandemia no país acabou por retardar ainda mais a liberação da mercadoria.
Em relação ao atraso da produção de vacinas com IFA nacional, a Fiocruz afirma que ele se dá pela “complexidade” da tarefa e à nova tecnologia que está sendo incorporada no processo. A entrega das vacinas com IFA nacional deve ocorrer só a partir de outubro, conforme promessas da Fiocruz e do Ministério da Saúde.
O governador de São Paulo, João Doria, responsabilizou Jair Bolsonaro pela não liberação de dez mil litros de insumos retidos na China, à espera de autorização para serem enviadas ao Brasil. O volume é suficiente para produzir 18 milhões de doses. Na semana passada, Bolsonaro insinuou que o coronavírus poderia ter sido criado em laboratório pela China como parte de uma guerra “química, biológica e radiológica”.
“Temos o temor (de atrasar a vacinação). Faltam insumos. Por quê? Porque o governo da China não autorizou o embarque. Temos dez mil litros aguardando a liberação. É muito necessário para o Brasil”, lamentou Doria. “É um problema diplomático, um problema que se dá pelas manifestações sucessivas erráticas e desnecessárias pelo governo federal, do presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e ministros.”
Ernesto Araújo será investigado pela CPI da Covid
Os senadores que compõem a CPI da Covid pretendem investigar o ex-chanceler Ernesto Araújo por apoiar a campanha anti-China de Bolsonaro e por ter usado o Itamaraty para garantir o fornecimento de cloroquina, ao invés de vacinas. O depoimento, previsto para esta semana, foi adiado para o próximo dia 18.
O ex-ministro das Relações Exteriores mobilizou o aparato diplomático brasileiro para agir junto a outros países e evitar o desabastecimento do medicamento no país. A corrida do Itamaraty atrás da cloroquina começou pouco depois de Bolsonaro falar em “possível cura para a doença” em suas redes sociais, em 21 de março do ano passado.
Durante todo o mês de abril de 2020, houve inúmeros pedidos do Itamaraty para obtenção de cloroquina. O empenho do Itamaraty para garantir vacinas e medicamentos da China foi muito menor. Até novembro de 2020, o ministério não havia enviado instruções específicas para diplomatas prospectarem potenciais fornecedores de vacinas ou medicamentos.
Segundo o senador Humberto Costa (PT-PE), o ex-chanceler não atuou como deveria. “Ernesto não moveu uma palha para a vinda de respiradores, EPIs, testes e não participou das articulações para a compra de vacinas”, acusou o membro da CPI.
Em outra frente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) informações sobre documentos pendentes para a análise de novo pedido de autorização de importação e distribuição da vacina russa Sputnik V. A agência afirma que os pedidos de importação ainda não atenderam “a exigência da apresentação do relatório técnico de análise da autoridade sanitária estrangeira”.
As informações foram prestadas horas depois da decisão do ministro do STF Ricardo Lewandowski, que deu prazo de 48 horas para que a Anvisa detalhasse ao Supremo quais documentos faltam para análise definitiva do pedido de importação e distribuição do imunizante produzido pelo Instituto Gamaleya, na Rússia.
Lewandowski atendera a pedido do estado do Maranhão, que não foi o único a solicitar permissão para importar e aplicar a Spuntik. Pelo menos outros 13 estados e duas cidades fluminenses apresentaram o mesmo pedido.
A Anvisa já analisou dez pedidos (o do Maranhão incluso), e indeferiu todos. O primeiro pedido de autorização para uso emergencial da Sputnik V foi apresentado em dezembro de 2020. Na época, a solicitação foi devolvida, sob argumento de que a vacina não cumpria todos os critérios necessários.
Da Redação