Supervisora do Dieese explica que não há déficit na Previdência

Em conversa com o Brasil de Fato, Ana Georgina Dias, supervisora Técnica do Escritório Regional do Dieese, explica como a PEC vai atingir a vida dos trabalhadores

Ana aponta que "déficit seria se, juntando tudo, tivesse uma receita insuficiente para despesas e não é o que acontece"

O Brasil de Fato Bahia conversou com Ana Georgina Dias, Supervisora Técnica do Escritório Regional do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos na Bahia, sobre o que muda e quais são as prováveis consequências da proposta de reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Principais mudanças com a proposta de reforma da previdência

A proposta traz uma mudança profunda. Desde a previdência propriamente dita, como também a assistência social, quando propõe, por exemplo, uma idade diferente para que os idosos com baixa renda acessem os benefícios de prestação continuada. Em linhas gerais, além da mudança da idade mínima de aposentadoria para as mulheres – de 60 para 62 anos -, a forma de cálculo do valor do benefício a ser recebido tem uma mudança grande. Hoje o trabalhador quando se aposenta recebe aquilo que seria o valor potencial dele junto com o fator previdenciário, se ele não tiver ainda na condição de receber a integralidade. A partir da reforma, o tempo de contribuição passaria para vinte anos. Hoje são quinze no regime geral. E a pessoa, na combinação dos vinte anos de contribuição e a idade mínima teria direito apenas a 60% daquilo que seria o valor potencial do seu benefício.

Então, na realidade para a pessoa receber 100% daquilo que poderia, teria que contribuir por 40 anos. Pois os primeiros 20 anos garantem apenas 60% do valor que seria o total. Para receber os 100% teria que trabalhar mais 20 anos, pois a cada ano trabalhado incorpora-se mais 2% sobre esse valor.

Outra coisa importante também é que hoje a gente tem duas modalidades: a aposentadoria por idade e a aposentadoria por tempo de contribuição. Além da possibilidade da aposentadoria que chamamos “por invalidez”.  Com a reforma você não mais as duas modalidades.

Da Repartição Simples para Capitalização

Outra mudança preocupante é em relação ao sistema de previdência. Desde 88 com o sistema de seguridade a previdência é um sistema de repartição simples, onde todas as pessoas contribuem direta ou indiretamente, e a geração que hoje está na ativa, trabalhando ainda, é responsável pela previdência e pela seguridade social das gerações que já trabalharam. Então, é como se fosse uma grande caixa onde todo mundo contribui e isso é dividido de forma simples entre todos.

A partir dessa proposta, há a passagem para o sistema de capitalização: que se poderia resumir como um sistema de poupança, no qual o trabalhador seria responsável por capitalizar, ou seja, por guardar todos os meses, o recurso para que ele possa utilizar no momento de sua aposentadoria. Todos os países que usaram esse sistema de previdência tiveram consequências muito sérias. Um caso muito falado é o do Chile, onde esse sistema foi adotado e hoje grande parte dos aposentados/idosos têm um rendimento em torno da metade de um salário mínimo.

Déficit ou desequilíbrio previdenciário?

Essa é uma questão importante, é o coração de tudo. Na realidade, essa é uma proposta que vem do governo Temer, e, antes disso, já houve outras propostas de reforma. O que tem sido muito utilizado tanto no governo Temer, como agora no governo Bolsonaro são duas questões: 1) É o déficit, com a ideia de que se a previdência não for reformada vai quebrar e vai ser impossível pagar as aposentadorias e os benefícios das pessoas a partir de um determinado período; 2) Outro elemento que tem sido muito usado é a questão demográfica no sentido do envelhecimento da população.

De fato o Brasil, a partir de 2030, vai ter uma parcela maior da população de pessoas idosas comparado a hoje. No entanto, do jeito que foi desenhado o sistema de seguridade social na Constituição de 88 e levando em conta principalmente o fato de que temos um mercado de trabalho cheio de problemas, que impossibilita o trabalhador de ter um trabalho protegido. Por conta disso, as contribuições de trabalhadores, empresas e governo no caso dos trabalhadores do setor público, não são as únicas fontes de financiamento desse sistema.

Vários impostos e tributos têm parte do que é arrecadado que vai a seguridade. Como o PIS, COFINS, entre outros. Além disso, as loterias da Caixa Econômica Federal, parte do que é arrecadado com Megasena, Lotomania, raspadinha, vai para Seguridade.

Hoje a grande parte do desequilíbrio entre a receita previdenciária e despesa previdenciária ela vem muito mais do fato de que se tem uma economia em ritmo lento, redução nas contribuições diretas dos trabalhadores, das empresas porque se tem um desemprego elevado e da informalidade. Então em vez de fazer uma reforma tão radical, que vai retirar mais pessoas dessa cobertura social, seria mais interessante você trazer as pessoas que estão fora.

Desequilíbrio não é déficit, déficit seria se juntando tudo, tivesse uma receita insuficiente para despesas e não é o que acontece, hoje a gente tem um desequilíbrio.

Quem será mais atingido com a reforma

É possível dizer, sem exagero, que toda a sociedade vai ser atingida de forma bastante dura. No entanto, alguns setores populacionais acabam tendo um ônus maior. Começando pelas mulheres, que vão ter um tempo maior de contribuição. A princípio parece pouco, mas uma idade mínima menor não é um privilégio para as mulheres, porque além de ter uma dificuldade maior no mercado de trabalho, a taxa de desemprego mais alta, tem dupla jornada de trabalho que não é remunerada.

Para os trabalhadores e trabalhadoras rurais hoje existe uma idade menor para aposentadoria. O trabalhador do campo, principalmente o agricultor familiar está sujeito à questão do clima, falta de acesso a crédito, sazonalidade das safras.  E quando se aumenta a idade mínima significa dizer que você está tornando mais difícil conseguirem acessar essa proteção social.

Outro grupo também vulnerável é o dos idosos com renda familiar baixa. Hoje o critério é com 65 anos, o idoso que tem a renda per capita familiar de menos de 1/4 do salário mínimo pode acessar o benefício de prestação continuada [BPC], um salário mínimo por mês. A partir da reforma proposta que ele possa acessar a partir dos 60 anos, só que ele acessa R$ 400 e não um salário mínimo, e aí isso vai ser progressivo até ele começar a receber um salário mínimo só quando ele tiver 70 anos.

Consequências dessa reforma a longo prazo

As consequências são alarmantes. Principalmente levando em consideração a dificuldade de pessoas acima de 40 anos de reinserção. Imagine uma pessoa que perde o posto de trabalho com cinquenta e poucos. Ela nem vai ter idade para se aposentar e nem conseguir emprego.  Então fica a situação da dificuldade de aposentar e a dificuldade de ter um posto de trabalho para te permitir se aposentar.

A gente já tem um desemprego grande para os jovens, e com as pessoas com mais idade tendo que ficar mais tempo no mercado de trabalho, serão dificuldades adicionais para o jovem entrar no mercado de trabalho, e caso esse jovem comece a acessar mercado de trabalho, fica mais difícil para quem tem mais idade.

Em relação também prova questão que não é tratado na reforma diretamente, mas os municípios pequenos têm, na maioria, a Previdência uma fonte de recursos gigante, porque muitos não têm dinâmica econômica própria. Esses municípios vivem de fundo de participação dos municípios e da Previdência, segurados especiais, que são os do campo, junto com as políticas de transferência de renda como Bolsa Família e BPC, que são os dinamizadores dessa economia. Então se você dificulta o acesso à previdência, significa um tempo quando estiver na sua vigência, você pode ter esses municípios de alguma maneira da situação difícil.

Por Brasil de Fato

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