Temer extingue Fundo Soberano do Brasil criado por Lula em 2008

Fundo deveria servir como uma espécie de poupança para o Estado brasileiro utilizar em tempos de crise e será redirecionado para pagamento de despesas

Lula Marques

Temer extingue Fundo Soberano do Brasil e reduz capacidade do país lidar com crises externas

Criado em 2008 pelo governo Lula para servir como uma espécie de poupança para o país em momentos de crises externas e ajudar a regular o valor do Real, o Fundo Soberano do Brasil (FSB) foi extinto nesta terça-feira (22) pelo governo golpista de Michel Temer. Destruindo as reservas e a soberania do país até a “a raspa do tacho”, Temer quer utilizar os recursos do fundo para o pagamento da dívida pública. O plano estratégico que havia sido formulado para o fundo previa sua consolidação até 2023.

O FSB chegou a ter mais de R$ 26 bilhões de reais em ativos. Nos últimos meses, porém, foi rapidamente dilapidado, chegando a apenas R$ 500 milhões. O último resgate importante feito pelo governo golpista foi de R$ 3,5 bilhões, na primeira semana de maio.

Apesar de não figurar entre os maiores fundos do mundo, o FSB possuía caráter duplamente estratégico, não apenas para financiar medidas anticíclicas como para ajudar a regular o valor de câmbio do Real. Com a extinção do fundo, na prática os recursos que seriam utilizados para investimentos em áreas de interesse público são redirecionados para o sistema financeiro, isto é, prioriza-se os banqueiros em detrimento dos interesses da população e de soberania nacional.

Com a descoberta do pré-sal, o potencial de crescimento do FSB era enorme. Porém, com o desmonte do sistema de partilha e a entrega do petróleo, esse crescimento ficou comprometido. “Claro que tal fato em nada justifica que o fundo seja extinto. Ele deveria ser fortalecido, não o contrário”, afirma o economista Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicável).

O especialista conta que o Brasil, quando realizou sua abertura econômica nos anos 1990, o fez sem ter criado, concomitantemente, mecanismos de proteção contra crises externas. Assim, o país se viu vulnerável com a chegada das crises do México (1994) e Asiática (1997), por exemplo.

“Foi para reduzir esta exposição brasileira às instabilidades do capitalismo que o Fundo Soberano foi criado. Ele é composto com excedentes comerciais que garantem liquidez de caixa em moeda forte para o país enfrentar turbulências externas e defender seu dinheiro de ataques especulativos”, explica Pochmann.

Segundo a economista e professora da UFRJ Esther Dweck, a ideia do fundo soberano tem a ver com regulação do câmbio, que complemente as reservas internacionais, com custo mais baixo, mas também possui um papel de estabilidade fiscal.

“[O Fundo Soberano] nutre o papel de poder armazenar quando sobra arrecadação. Foi criado em 2008 porque teve uma arrecadação muito forte e ao invés de usar todo o dinheiro para abater dívida, guardava-se no Fundo Soberano. Em 2012 foi usado quando faltou arrecadação. No Brasil tinha função de estabilizar a parte fiscal, não só câmbio”, explica Dweck.

Economia mais fragilizada

De acordo com Pochmann, sem o Fundo Soberano, o Brasil se torna mais frágil, menos capacitado a lidar com crises externas e com menor independência para regular suas próprias questões cambiais. Esther Dweck complementa explicando que o fundo era uma ferramenta útil, que foi extinta por um aporte relativamente pequeno no Tesouro Nacional, que atualmente registra déficit de aproximadamente R$ 137 bilhões.

“Não precisava extinguir para ter R$ 3 bilhões a mais no superávit primário. Extingue-se um instrumento importante. Era uma reserva de dinheiro que poderia ser usada em momentos ruins, aumentava a estabilidade, tornando o país menos sujeito a flutuações econômicas, principalmente de fluxos internacionais”.

“Era uma reserva de dinheiro que poderia ser usada em momentos ruins, aumentava a estabilidade”, diz Pochmann sobre o FSB

O economista Marcio Pochmann pontua exemplifica com o caso da Argentina, que, no início deste mês, enfrentou uma gigantesca fuga de capitais, o que o obrigou a desvalorizar a moeda local em 8% perante dólar. É contra este tipo de ataque especulativo que o Fundo Soberano foi criado.

Neste sentido, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirma que “Temer segue a cartilha do desmonte. Um governo sem visão estratégica, sem legitimidade, cujo único objetivo é atender aos interesses dos bancos e das grandes empresas. Agora quer transformar o Fundo Soberano em pó, abandonando qualquer perspectiva de desenvolvimento econômico de longo prazo e seguindo os passos da Argentina: ortodoxia neoliberal e aprofundamento da crise”.

Como funciona o Fundo Soberano

Estabelecido pela Lei 11.887, o Fundo Soberano do Brasil tinha como objetivo formal promover investimentos no país e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégico do País localizados no exterior.

Pelo projeto original, os recursos do FSB vinham de três fontes: do Tesouro Nacional, por meio de dotações do orçamento anual, e de recursos decorrentes da emissão de títulos da dívida pública; de ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União ou outros direitos de valor patrimonial; e dos resultados de aplicações financeiras do próprio fundo.

A lei que criou o fundo ainda estipulava que os recursos decorrentes de resgates deveriam atender exclusivamente o objetivo de mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e seriam destinados conforme a lei orçamentária anual. A União também poderia usar os recursos do FSB para participar como cotista única de Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE). O FFIE foi criado com caráter privado, porém, com as mesmas finalidades do FSB.

Transparência

Desde a sua criação, o FSB sempre divulgou seus resultados e prestou contas de seus atos à sociedade por meio de seus Relatórios de Administração (semestral) e de Desempenho (trimestral). Ainda com relação à transparência, o FSB foi avaliado pelo Sovereign Wealth Fund Institute (SWFI), sendo reconhecido como um fundo soberano de elevado nível de transparência, recebendo nove pontos de dez possíveis.

O fundo ainda era auditado pelos órgãos de controle interno e externo da administração federal, então representados pela Controladoria Geral da União (também extinta pelo governo Temer) e pelo Tribunal de Contas da União, respectivamente.

Por Pedro Sibahi e Vinícius Segalla da Agência PT de notícias

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