Tratar a fome como questão ideológica é um erro, aponta diretor-geral da FAO

Em entrevista à Folha, José Graziano destacou que a retórica antiglobalização dificulta cooperação internacional no combate à fome e lembrou do legado de Lula

FAO

José Graziano: ”A crise tem se agravado, sem que a gente consiga sair dela. E se manifesta num desmonte no aparelho público de proteção ao cidadão. Todas as políticas públicas estão se reduzindo sob o argumento de que não tem dinheiro, mas há uma redução deliberada”.

“O combate à fome só vai acontecer de verdade no mundo quando a fome for transformada num problema político, quando os famintos começarem a preocupar os governantes”. A frase dita por Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, durante assinatura de convênio para combate ao desperdício de alimentos, pode ser  considerada uma premonição nos dias atuais. Afinal de contas, pelo menos no Brasil, o governo não se preocupa com cerca de 5 milhões de pessoas que passam fome.

Se para Jair Bolsonaro (PSL), “passar fome no Brasil é uma grande mentira”, para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) esta é uma questão indiscutível. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o diretor-geral do órgão, José Graziano da Silva, revelou que “a fome está entre nós” e que houve redução do problema até 2013, mas que a partir de 2015 os índices, que naquele ano se estabilizaram, começaram a aumentar pouco a pouco. Para o ex-ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome do governo Lula, é um erro tratar a fome como um questão ideológica, como sugere o atual e despreparado presidente do Brasil.

“O fato de um país submeter o combate à fome a uma visão ideológica é um erro. A questão da fome é um valor universal. Países que adotam posições defensivas diminuem muito a cooperação, porque acreditam que têm que olhar para dentro para resolver os seus problemas. É um grande erro pensar que um país isoladamente conseguirá erradicar a fome sem cooperação internacional, ajuda tecnológica, assistência técnica”, explica Graziano na publicação desta quinta-feira (25).

O diretor-geral da FAO lembrou ainda do papel internacional do governo Lula no combate à fome e questionou as ações do Ministério das Relações Exteriores nos dias atuais.  “Assumi a FAO num momento bom para o Brasil, e trouxemos uma série de programas que foram copiados em outras partes do mundo. Por exemplo, o programa da merenda escolar com compra de alimentos por agricultores locais, ou o programa de cisternas, hoje implantado no Saara e no Sahel. Esses espaços poderiam ser ocupados pelo Brasil se houvesse uma orientação do nosso Ministério das Relações Exteriores para isso”, explica.

Desemprego e precarização do trabalho

Ainda na entrevista à Folha, Graziano apontou o fim das políticas sociais, com o desmonte promovido por Michel Temer (MDB) e piorado sob Bolsonaro, como um dos principais fatores para o crescimento da fome. Segundo o diretor-geral da FAO, a redução dos programas assistenciais, somada com o desemprego crescente intensifica o problema da fome no Brasil. “Uma coisa é ser desempregado, outra coisa é passar fome. Na Europa, está cheio de desempregado, mas ninguém passa fome. Tem um programa de cobertura social muito forte. Uma das razões pelas quais o Brasil saiu da fome [em anos anteriores], e também outros países da América Latina, foi a introdução de politicas de proteção social, tipo Bolsa Família”, destaca.

Na quarta-feira (24), Graziano concedeu entrevista ao Deutsche Welle (DW) Brasil e destacou a relação direta entre a fome crescente, o desemprego e à precarização do trabalho. “É preciso colocar o tema da fome no centro das políticas, além das questões relacionadas, como desemprego, a pobreza extrema e as desigualdades”, apontou. Segundo o diretor-geral da FAO, no entanto, o governo Bolsonaro “tem negligenciado a fome e as políticas sociais”.

Com Lula, o Brasil sai do Mapa da Fome

No início dos anos 2000, o índice de pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil era de 10,6%, o que representava 19 milhões de pessoas. Com os governos de Lula, o percentual despencou e chegou a 2,5%, entre 2008 e 2010. A redução só foi possível graças as políticas sociais contra a extrema pobreza e ao combate à seca no Nordeste. O diretor-geral da FAO destacou que “o Brasil erradicou a fome. Em 2014, a FAO tirou o Brasil do Mapa da Fome pela primeira vez”.

Tanto é que o trabalho de Lula no combate à fome no Brasil e no mundo foi reconhecido e exaltado pelo diretor-geral no dia 28 de junho, no seu último discurso antes do fim do mandato no órgão da ONU – ele deixará o comando da FAO no dia 31 deste mês. Na ocasião, Graziano lembrou que o ex-presidente Lula “mostrou ao mundo que o compromisso e a liderança são estratégias claras para que as nações possam reduzir rapidamente suas incidências de fome”. Em 2011, o ex-presidente recebeu prêmio destinado a personalidades de importante contribuição para o combate à fome no mundo.

Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações da Folha de S. PauloDeutsche Welle Brasil

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast