Três ações judiciais colocam em xeque política ambiental do governo Bolsonaro
No Dia Mundial do Meio Ambiente, ações protocoladas no Supremo Tribunal Federal e na Justiça Federal do estado do Amazonas questionam atitudes e omissões do Ministério do Meio Ambiente.
Publicado em
As peças jurídicas se basearam em documentos técnicos compilados pelo Observatório do Clima, rede composta por 50 organizações da sociedade civil. As análises concluíram que o governo federal atendeu a madeireiros e deixou de aplicar a lei na exportação de madeira contra a orientação de especialistas do Ibama, além de colocar a floresta amazônica e o clima global em risco ao congelar o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas (Fundo Clima).
A primeira é uma ação civil pública (ACP) contra União e Ibama, tem como autores a Abrampa, o Greenpeace e o ISA. Foi impetrada na Justiça Federal do Estado do Amazonas e exige a anulação de despacho emitido pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, que liberou a exportação de madeira nativa sem fiscalização, a pedido expresso de madeireiras. O despacho se aplica a todo o país, mas afeta especialmente a Amazônia.
Bim assinou o documento em fevereiro, vinte dias após a Associação de Exportadores de Madeira do estado do Pará (Aimex) solicitar o fim das inspeções, que alegavam ser “complicadas” e “obsoletas”. A área técnica do Ibama deu parecer contrário à liberação. Bim não apenas o ignorou, como também exonerou o principal autor do documento.
A segunda e a terceira peças são ações diretas de inconstitucionalidade (Adin), por omissão da União, movidas pelos partidos PSOL, PSB, PT e Rede, no Supremo Tribunal Federal. Elas exigem a retomada imediata dos fundos Amazônia e Clima, principais mecanismos financeiros da política climática brasileira, que permitiriam ao país cumprir a Lei nº 12.187, da Política Nacional sobre Mudança do Clima, bem como o compromisso brasileiro no Acordo de Paris. Ambos os fundos estão congelados por um ano e meio, desde que o governo Bolsonaro assumiu.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, dissolveu os dois comitês do Fundo Amazônia em 2019, sob alegações jamais comprovadas de que os contratos das ONGs tinham “indicativos de irregularidades” e que a queda do desmatamento — objetivo geral do Fundo — era um resultado “interpretativo” nas análises apresentadas em relatórios. Suas tentativas de recriar os comitês controlando sua composição foram rejeitadas pela Noruega e pela Alemanha, principais doadores. Independentemente de novos aportes e dos projetos em andamento contratados até 2018, há cerca de R$ 1,5 bilhão parados na conta do Fundo. Com isso, o governo federal, que sempre usa a falta de recursos para justificar a inação na política ambiental e nas ações voltadas à questão climática, deixa de usar os recursos.
O objeto da terceira ação é o Fundo Clima, estabelecido em 2009 para financiar ações de mitigação e adaptação com royalties de petróleo e empréstimos com juros especiais, por meio do BNDES. No início do mandato, o ministro Salles dissolveu a Secretaria de Mudanças Climáticas, o órgão governamental responsável pelo Fundo Clima. E, em abril do ano passado, um decreto do presidente Bolsonaro extinguiu seu comitê gestor. Assim, ele permaneceu inativo durante todo o ano.
Em 2019, havia autorização orçamentária para aplicação de R$ 8,050 milhões não reembolsáveis no fomento a estudos, projetos e empreendimentos. No fechamento do ano, foram empenhados pouco mais de R$ 718 mil, mas sem registro ainda de liquidação. Quanto aos recursos reembolsáveis, geridos pelo BNDES, estavam disponíveis mais de R$ 500 milhões, mas só cerca R$ 348 mil foram empenhados. No entanto, o direcionamento desses recursos ao BNDES também não se concretizou. A ação exige que o fundo seja imediatamente descongelado e que se desenvolva um plano para usar os recursos não apenas em 2020, mas também para os próximos dois anos.
Declarações
“A Abrampa cumprindo seu objetivo de defesa do meio ambiente na semana em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, pleiteia no Judiciário anular mais um dos atos lesivos contra as florestas no Brasil. Nossa associação não poderia se furtar a garantir a proteção da Floresta Amazônica contra um ato que possibilita a exportação de madeira extraída ilegalmente em seu território, destruindo esse rico patrimônio nacional que pertence ao povo brasileiro e estimulando ainda mais a prática de crime ambiental. Desse modo, nos juntamos a todos que buscam um mundo sustentável para propor ao Judiciário que estabeleça um fim para tal iniquidade.” Cristina Seixas – presidente da Abrampa
“Este é um governo que abriu mão do seu papel de proteger a floresta para incentivar o desmatamento. Como resultado, a destruição, o crime e a violência explodiram na Amazônia. Cabe agora à sociedade cuidar do maior patrimônio ambiental dos brasileiros. É o que estamos fazendo hoje.” Tica Minami, diretora de Programas do Greenpeace Brasil
“A sociedade civil vai fazer a sua parte para garantir a proteção ambiental. Esperamos que o Poder Judiciário também faça a sua e impeça Salles de passar a boiada contra o meio ambiente.” Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental
“Por ter a visão que a preservação ambiental é um entrave aos lucros dos grandes exploradores dos recursos naturais, Salles atua como operador de interesses incompatíveis com a Constituição de 1988, que garante o direito de todos os brasileiros ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.” Nilto Tatto, deputado federal (PT-SP) e Secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT
“A governança climática no Brasil ficou paralisada no momento crítico em que o país precisava começar a implementar seus compromissos assumidos no Acordo do Clima de Paris. Isso ocorreu por ato deliberado do governo. Na reunião de 22 de abril, o ministro Salles disse temer que as ações do governo fossem objeto de ‘pau no Judiciário’. É exatamente isso que estamos ajudando a fazer, em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente.” Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Detalhes das ações:
ACP da exportação de madeira
Proposta na Justiça Federal do Amazonas, foca nos procedimentos de fiscalização e controle da exportação de madeira nativa. O objeto principal é declarar a nulidade do Despacho nº 7036900/2020, emitido pelo presidente do Ibama em 25 de fevereiro. Para obtenção da autorização de exportação de produtos e subprodutos madeireiros de espécies nativas, o interessado deve apresentar no Ibama, para fins de inspeção e liberação, uma série de documentos. O despacho argumenta que a existência do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e a Lei de Liberdade Econômica elimina esses requisitos. Também passa a admitir o uso para exportação de documentos de transporte expedidos por sistemas estaduais, o que implica ausência de controle federal.
Adin do Fundo Amazônia
Por omissão da União quanto à adoção de providência de índole administrativa, ela objetiva a suspensão da paralisação do Fundo Amazônia. Desde o início do atual governo, sob liderança de Salles, a estrutura de governança do Fundo foi implodida, o que acarretou na paralisação da contratação de novos projetos pelo Fundo, além da paralisação de novos aportes pelos doadores noruegueses e alemães. O fato é que há cerca de R$ 1,5 bilhão parados na conta do Fundo, que não foram destinados a novos projetos. Trata-se de uma inação calculada e ideológica, que tem o Judiciário como único caminho para sua reversão.
Adin do Fundo Clima
Por omissão da União por não adotar providências de índole administrativa relativas ao funcionamento do Fundo Clima, com todos os recursos autorizados pela lei orçamentária (abrangidas as modalidades não reembolsável e reembolsável) e permitindo sua captação por órgãos e entidades da administração pública direta e indireta (federal, estadual e municipal), fundações de direito privado (incluídas as fundações de apoio), associações civis, empresas privadas, cooperativas e outros possíveis beneficiários. A ação pleteia que o fundo seja imediatamente descongelado e que o Ministério do Meio Ambiente desenvolva um plano para usar o recurso em 30 dias, além de elaborar os planos para os próximos dois anos.