Uberização: cada vez mais pessoas recorrem a “bicos” para sobreviver

Desprotegidos pelo desgoverno Bolsonaro, trabalhadores enfrentam precarização, renda baixa e instabilidade. Quadro só muda com política de emprego, diz pesquisador

Alexandre Martins / Site do PT

Bico, frila, ôia, biscate, corre, trabalho por conta. Os termos são muitos, e todos resumem a vida dos milhões de brasileiros e brasileiras que andam “se virando” para garantir a sobrevivência em todo o país. Desde a “reforma trabalhista” de Michel Temer, o que já se previa em 2017 concretizou-se nesses cinco anos de precarização, que Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes conseguiram agravar.

Na Folha de São Paulo, um estudo da B3 Social com a Fundação Arymax, em parceria com o Instituto Veredas, revela que havia 19,7 milhões de pessoas classificadas como informais de subsistência no terceiro trimestre de 2021. Dentre elas, 75,4% tinham apenas ensino fundamental incompleto ou inferior.

Esses trabalhadores representavam 60,5% de um universo de 32,5 milhões de pessoas em postos informais ou em vagas que, mesmo com carteira assinada ou CNPJ, tinham traços da informalidade. Como a incerteza dos rendimentos ao fim do mês ou mesmo da continuidade do serviço ao longo do tempo.

“Várias questões chamam atenção nos números, e uma delas é que ter uma ocupação pode não ser suficiente. A qualidade do trabalho importa demais”, explica Vahíd Vahdat, diretor de projetos e articulação institucional do Instituto Veredas. “Os informais de subsistência estão em ocupações completamente instáveis. Essas posições não criam um horizonte consistente para os trabalhadores.”

O segundo grupo mais numeroso (6,9 milhões, ou 21,1%) foi classificado como o dos formais frágeis. Os trabalhadores que, mesmo com carteira assinada ou CNPJ, desempenham funções com remuneração mais baixa (até dois salários mínimos) e enfrentam situações de incerteza ou vulnerabilidade, assim como os informais.

Entre os exemplos de formais frágeis citados pelo estudo estão as vagas de trabalho intermitente criadas pela “reforma” de Temer, cuja prestação de serviços não é contínua, ou postos sem salários regulares. “São vínculos que, em períodos de crise, tendem a ser rompidos”, ressalta Vahdat.

O estudo também revela 5,2 milhões (16,1%) definidos como informais com potencial produtivo. Mesmo à frente do grupo de subsistência em termos de formação e renda (de dois a cinco salários mínimos), seguiam ameaçados pela incerteza no mercado. A fatia restante, de 735,9 mil (ou 2,3%), era a dos informais por opção, reunindo profissionais com mais de cinco salários mínimos e chance de alcançar a formalidade.

“A informalidade não se expressa de uma única forma. Ela tem características diferentes dentro de cada grupo de trabalhadores”, defende Vahdat. O levantamento foi produzido a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, com foco nos assalariados, trabalhadores por conta própria e empregadores do setor privado. Informais dos setores agrícola ou público e domésticas não foram incluídos na amostra de 32,5 milhões devido a especificidades próprias.

Situação se agravou no primeiro trimestre de 2022

“Enquanto a gente não conseguir criar um horizonte econômico melhor para o país, a informalidade vai se manter alta ou até crescer”, afirmou Vahdat à Folha. “Parte da solução tem a ver com a criação de políticas econômicas para o emprego. Enquanto não houver um horizonte, vai ser muito difícil.”

Os números mais recentes da Pnad Contínua, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no fim de maio, mostram que, sem qualquer política oficial de criação de empregos, a precarização das relações trabalhistas e a baixa renda pioraram no primeiro trimestre de 2022.

Apesar do recuo para 40,1% da população ocupada, contra 40,4% no trimestre anterior, a taxa de informalidade ainda ficou acima da registrada no mesmo período de 2021 (39,3%), reunindo 38,7 milhões de pessoas. São 3,5 milhões de trabalhadores informais a mais que os formalizados.

O número de empregados sem carteira assinada (12,5 milhões) é o maior da série história do IBGE. Esse contingente cresceu 20,8% (2,2 milhões de pessoas) em um ano. No trimestre de fevereiro a abril, o número de trabalhadores por conta própria (25,5 milhões de pessoas) subiu 7,2% (mais 1,7 milhão) no ano.

Os trabalhadores formalizados são agora 35,2 milhões, ou mais 690 mil pessoas (2%) que no trimestre anterior. Mas o emprego com carteira assinada no total da população ocupada no setor privado ficou em 38,1%, bem distante do pico de 43% alcançado em 2014, sob Dilma Rousseff.

O número de trabalhadores com carteira assinada caiu 2,8 milhões entre 2014 e 2022, enquanto que o de trabalhadores por conta própria ou sem registro em carteira aumentou em 6,3 milhões em oito anos, revela estudo da LCA Consultores. “É um movimento de precarização do mercado de trabalho mesmo”, resume Bruno Imaizumi, autor do levantamento.

Queda dos rendimentos acompanha a informalização

No trimestre encerrado em abril, o rendimento médio real do trabalhador (R$ 2.566) se manteve 7,9% abaixo do registrado no mesmo período de 2021 (R$ 2.790). Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas por amostra de domicílios do IBGE, diz que a renda média próxima ao patamar mais baixo da série histórica se deve à dificuldade de reposição da inflação aos salários e à abertura de vagas com remunerações mais baixas.

Em abril, apenas 8% das categorias obtiveram resultados acima do INPC/IBGE, indicador referência para as negociações salariais no país, aponta boletim do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). É a menor proporção de reajustes com ganhos reais em 2022 e a segunda menor proporção nas últimas 15 datas-bases, acima apenas de novembro de 2021.

“Como planejado e executado, o conjunto de ações da chamada “ponte para o futuro” resultou, desde 2016, no rebaixamento progressivo do padrão de vida da classe trabalhadora no Brasil”, ressalta o Dieese em seu Boletim de Conjuntura maio/junho.

“Esse cenário de destruição se tornou ainda pior com a persistente pandemia e o morticínio decorrente da atuação (ou falta de atuação) do governo federal, e com a escalada inflacionária, impulsionada pela guerra na Ucrânia”, concluem os técnicos do Dieese.

O cenário de terra arrasada sob Bolsonaro e Guedes contrasta com o período de crescimento econômico e geração de emprego dos anos em que o Brasil foi governado por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Entre 2003 e 2016, foram criados 19,4 milhões de empregos formais no país, com média de 1,5 milhão de postos por ano.

Como resultado, o desemprego, que batia a casa de 10,5% no fim de 2002, despencou para 4,3% no final de 2013, atingindo um patamar que os especialistas chamam de pleno emprego, que ocorre quando a desocupação reflete um deslocamento de ocupação feito pelos trabalhadores. Além disso, no mesmo período, o salário mínimo registrou 77,2% de ganho real sobre a inflação.

Da Redação, com informações de IBGE, Dieese e Folha

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