Keila Simpson: Um viva a quem luta para existir e resistir todo dia
Presidentra da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, cobra ações efetivas do poder público no combate à violência e avisa: vigilância contra retrocessos será diária
Publicado em
Com o tema: “Resistir para Existir, Existir para Reagir” a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) continua a sua atuação no Mês da Visibilidade Trans e, no dia 29 de janeiro de 2019, novamente vem chamar a atenção para as graves violações de direitos humanos da população de Travestis, mulheres Transexuais e homens Trans no Brasil. O pais que mais
assassina pessoas Trans no mundo. O número de assassinatos no Brasil é três vezes maior que o segundo colocado mundialmente, o México.
“Não há o que comemorar”. Repete-se a cada ano e as vozes não ecoam aonde deveriam chegar. Os parlamentares do Brasil ainda não ouviram esses clamores, se preocupam muito mais com a representação de uma travesti crucificada ou numa que faz espetáculos usando o corpo como a representação do Cristo.
“Estamos à mercê de nós mesmas. Quem chora por nós? Quem vai contribuir com a vaquinha para enterrar mais uma para que não seja enterrada como indigente?” São frases que se lê cotidianamente nas redes sociais no pais que tem o status de ser o que mais procura essas pessoas para relações sexuais via internet e a mesma sociedade que as cunha como abjetas.
Contudo é preciso reagir usando os corpos como escudos para promoção da visibilidade que se quer e, é através desses corpos identificados e construídos que a população Trans vem passar a mensagem reivindicando o respeito que ela almeja, e esse deve ser dado por inteiro e não em partes como tem acontecido no dia a dia.
O dia da visibilidade Trans tem um marco histórico quando em 2004 pela primeira vez travestis adentraram o congresso nacional para lançar a campanha travesti e respeito do Departamento de HIV/Aids e Hepatites Virais. A campanha intitulada: “Travesti e Respeito: Já está na hora dos dois serem vistos juntos em casa, na boate, na escola, no trabalho, na vida”.
Passados 15 anos desse lançamento e algumas pessoas que fizeram parte da campanha não estar mais nesse
plano tem ganhos sim, mas também têm muito ainda a se conquistar e a dizer sobre qual panorama essa população quer continuar.
Obviamente que o respeito pedido na campanha ainda está muito distante de ser conquistado, entretanto os avanços que vieram com o passar dos anos é algo que deve ser visto como conquista coletiva de quem não se acomoda e que não vai descansar até que todos os direitos possam de fato ser garantidos.
Vivemos um período importante nos últimos anos em que o governo federal aproximou dessa população e desenvolveu com elas diferentes estratégias, ações e políticas mesmo que incipientes era de fato algo que o movimento estava acompanhando e ajudando a conduzir. O advocacy que o movimento social organizado desenvolveu também foi importante para conquistar as vitórias que obtiveram via Supremo Tribunal Federal.
Na contramão dessas iniciativas ruma o congresso nacional que teima em levantar polemicas sobre qualquer tema que tenha a palavra LGBT do que olhar para essa população como mais uma parte da sociedade brasileira, junte-se a isso os discursos inflamados de “líderes religiosos” que ainda fazem as suas investidas contra a população Trans usando a Bíblia como instrumento da propagação dessas violências, e justificando os seus discursos entre bons e maus, santos e demônios.
Por fim, o Brasil está sob a égide de um governo que se elegeu atacando e fomentando a violência contra as pessoas trans, não reconhecendo a importância das individualidades de cada brasileiro e fazendo um discurso caricato sobre as existências dessa população reconhecendo que não conhece de fato quem é, e o que reivindicam essas pessoas, e para justificar esse apagamento popularizam em discursos o termo “ideologia de gênero” para responder a quase tudo referente a existência da população Trans usam um discurso atravessado de defender crianças como se a população Trans estivesse na iminência de atacar crianças e não respeitasse o ECA. A população Trans é terminantemente contra a pedofilia só pra constar.
O governo federal não fará ação esse ano no dia da visibilidade, pelo menos até agora não foi divulgado nada e o próprio movimento social organizado que colabora com essas ações não foram sequer sondados sobre tal ação. Isso afirma exatamente como o novo governo vai dialogar com a população, mesmo assim há pessoas e organizações acreditando no teatro feito por alguns ministros desse governo.
Mas as organizações dos movimentos sociais organizados, conselhos de classes, universidades, governos estaduais, partidos políticos etc. farão sim ações nesses dias celebrando a data, e conclamando cada vez mais pessoas e organizações a se juntar na luta quotidiana contra os retrocessos. Entendendo que cada brasileiro e brasileira tem o direito de ser quem é, e que não compete a governo determinar o que cada pessoa tem que ser, em quem tem que acreditar ou vestir a cor de acordo com o padrão cisheterossexista vigente no discurso e prática desse governo.
Com isso a atuação desse movimento será de vigilância constante em cada gesto, em cada passo que se dê nesse novo cenário e prontas a reagir pelo viés democrático em quaisquer circunstâncias. Essa população já entendeu que só a luta constante lhe salvará, e está muito imbuída disso.
Keila Simpson Sousa, travesti, 53 anos, PresidenTRA da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), coordenadora do Espaço de Sociabilidade e Convivência do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT da Bahia