Val Carvalho: “CNB – a responsabilidade de ser Corrente Majoritária”

Como corrente majoritária de um partido essencialmente plural, a CNB tem de pensar, em primeiro lugar, no interesse geral do partido, mas sem deixar de agir internamente como corrente

Agência PT
Tribuna de Debates do PT

Delegados votando no 6º Congresso Nacional do PT

1. Como corrente majoritária de um partido essencialmente plural, a CNB tem de pensar, em primeiro lugar, no interesse geral do partido, mas sem deixar de agir internamente como corrente. Essa compreensão do nosso papel ao mesmo tempo em que previne atitudes hegemonistas, demanda uma maior formação política e organização de base de nossa corrente, duas condições para respondermos aos desafios da conjuntura, e também para conseguirmos colocar em prática as Resoluções dos Congressos, Encontros e da Direção Nacional do partido, que geralmente sentem dificuldades de sair do papel.

2. Mas para respondermos à conjuntura atual precisamos explicar antes o que causou no curto prazo de três anos, o golpe do impeachment da presidenta Dilma e a eleição do fascista Bolsonaro. Por termos estado no epicentro que levou a esse retrocesso político tremendo a nossa responsabilidade é diferenciada no campo democrático e de esquerda. Ou seja: devemos explicações ao campo progressista, não sendo suficiente a resposta escapista de que o golpe foi dado contra nossas virtudes e não pelos nossos erros, pois isso é uma obviedade em qualquer golpe de Estado dado pelas forças reacionárias e entreguistas.

3. Nossa adesão, pressionada pela disputa eleitoral, às diferentes formas de financiamento privado de campanha, para usar um eufemismo, abriu uma brecha enorme que facilitou a ofensiva da direita golpista contra o nosso governo. Desde o chamado “mensalão”, em 2005, que aquela brecha foi sendo ampliada, facilitada pela passividade de um PT surpreendido pela intensidade da ofensiva judicial-midiática da direita. Sequer lutamos por nossos principais dirigentes abatidos um a um pela reação. Esse processo golpista continuou avançando até 2013, quando os reflexos da segunda crise econômica internacional facilitaram o golpismo, com a ajuda decisiva da mídia, promover as grandes manifestações de 2013 contra o governo Dilma. A partir daí a direita passou a ter base de massa e a incapacidade de reação do partido ficou evidente.

4. O PT não conseguiu reagir ao avanço do golpe desde o “mensalão” em grande medida porque confundiu o seu papel de classe, com o nosso governo de centro-esquerda. Porém, se na correlação de forças parlamentar dada, Lula e Dilma estavam certos de agir como governos de centro-esquerda, com concessões à direita, o PT não deveria agir da mesma forma. Foi precisamente por isso que, sem termos intenção, acabamos por contribuir para o enfraquecimento do componente de esquerda do bloco de poder democrático e popular. Ao rebaixarmos a estratégia do PT à chamada governabilidade parlamentar, deixamos de elevar a consciência popular e de organizar as massas trabalhadoras e a juventude comprometendo com isso a capacidade do partido para pressionar o avanço do governo no sentido estratégico e programático.

5. Presentemente o país vive um regime político híbrido, de conteúdo ditatorial, mas coberto por um formalismo constitucional cada vez mais esfarrapado. Esse novo regime, que teve início no golpe do impeachment, o governo Temer, a prisão política e que sem o menor pudor assume horrenda face de Estado de exceção com a “eleição” do fascista Bolsonaro. É um regime onde todo o Executivo e parte do Judiciário e do Legislativo têm clara tendência fascista.

6. Mas o projeto da direita e da extrema-direita unidas no segundo turno contra Haddad se teve êxito eleitoral, ajudado por toda a violência da cassação da candidatura de Lula e de outros casuísmos, não está dando certo no governo. E a causa principal desse fracasso evidente não é a ação da oposição democrática e popular que ainda está lambendo suas feridas e unificando suas forças, mas o próprio presidente eleito. Sem a mínima condição para governar e articular uma base parlamentar, Bolsonaro continua no palanque disparando seus fake news pelo Twitter e causando crises políticas diárias. A direita, representada politicamente pela Rede Globo e os tucanos ora dispersos, estão se colocando abertamente contra Bolsonaro mas não encontram uma saída segura para os interesses da continuidade do golpe de 2016, para fazerem o vice Mourão assumir a presidência.

7. Essa contradição entre a direita e a extrema-direita ocorre porque Lula continua preso e a oposição e o povo ainda não estão nas ruas, mas é uma contradição que abre muitas brechas para potencializar a luta pela volta do Estado democrático de direito. E aqui é onde entra a importância tática e também estratégica da bandeira Lula Livre. Não se pode falar de democracia real com o principal líder popular mantido como preso político. Sua libertação é a condição preliminar o restabelecimento do Estado democrático de direito e para o STF retomar suas funções constitucionais, melhorando assim a sua biografia coletiva.

8. Como preso político a liderança de Lula tem dimensão tática fundamental na luta contra o Estado de exceção. Livre, sua liderança tem importância estratégica na disputa social por um programa avançado de transformação econômica e social. Lula tem clara consciência disso quando disse, em sua última Carta, que “resisto principalmente porque sei que ainda tenho uma missão importante a cumprir nesse momento…”. A memória popular do governo Lula e a sua forte liderança de massa são geralmente traduzidas como “lulismo”, para alguns, algo negativo, associado ao populismo, mas para outros expressão de uma autêntica liderança popular, que não nega nem substitui o necessário papel organizador do partido.

9. A democracia popular pela qual o PT luta e a Nação soberana e popular precisa é aquela que começa revogando todos os retrocessos feitos desde o golpe do impeachment, em primeiro lugar a PEC 241, conhecido como PEC da Morte, a reforma trabalhista, a lei do “direito de matar”, de Moro e a reforma da Previdência contra a aposentadoria das mulheres e do povo trabalhador. Trata-se de um novo regime político, democrático e popular, que avance em pontos programáticos como uma Reforma da Previdência que proteja os mais necessitados; a proteção do salário mínimo e do trabalho, em suas diferentes formas assumidas no capitalismo atual; a inclusão social; o imposto sobre grandes fortunas; a reforma agrária; a defesa sustentável do meio ambiente; o fortalecimento do setor estatal da economia, sobretudo dos bancos públicos; a subordinação constitucional efetiva das Forças Armadas ao poder civil e seu compromisso real e não apenas formal com a soberania nacional; e em especial a criação de salvaguardas constitucionais contra o uso de futuros “lawfare” com objetivos golpistas. Para isso é imprescindível a regulação democrática da mídia e a reforma do Judiciário.

10. Uma das tarefas centrais do PT é a de buscar, sob as mais variadas formas e espaços de luta, a unificação das forças democráticas e de esquerda. A discussão se é Frente de Esquerda ou Democrática é ociosa, pois para ser democrática tem de se organizar primeiro como uma frente de esquerda não sectária e sem pré-condições para 2022. O perfil dessa eleição presidencial vai ser construído pelas ações atuais do campo democrático e de esquerda, incluindo a forma e as consequências políticas de como será enfrentado o rápido desgaste político e moral de Bolsonaro.

11. A preocupação do PT é a de priorizar o trabalho de base e a ação unitária, com Haddad, nosso principal líder nacional depois de Lula, desempenhando um papel de locomotiva da frente democrática no país e de impulsionador da Frente Progressista Internacional. Isso não invalida Haddad de exercer uma função ligada ao PT, desde que não seja a presidência. Um exemplo inspirador da frente democrática é o Consórcio Nordeste, unificando os governadores e a sociedade civil dessa região. A unidade do Nordeste progressista representa um grande empurrão para a unidade nacional contra o retrocesso Bolsonaro.

12. A escolha do presidente ou presidenta do PT no 7º Congresso precisa considerar critérios políticos externos e internos. Independentemente do nome, porém, o princípio da direção coletiva deve ser fortalecido e exercitado, pois é isso que garante a força do partido. Externamente, no que pese a importância da nossa vitória eleitoral no Nordeste e deste ser a referência da luta pela democracia, devemos pensar num nome que melhor expresse a campanha nacional Lula Livre, eixo de nossa tática para a conjuntura atual. A recondução da deputada federal companheira Gleisi Hoffmann, seria um acerto político porque vivemos um momento em que a bandeira Lula Livre avança na sociedade, abre brechas políticas e tem condições de avançar no parlamento. Além desse aspecto, é muito relevante a companheira Gleisi representar o protagonismo da mulher e ser vista tanto pela oposição quanto pela reação como a defensora da liberdade do presidente.

13. Outra tarefa interna que continua pendente é de potencializar a paridade das mulheres no partido com a sua qualificação política para assumirem mais plenamente suas responsabilidades como dirigentes partidárias. A luta das mulheres por seus direitos, destacadamente as mulheres negras, vai além de seu caráter identitário e racial, sendo parte integrante essencial da luta geral da classe trabalhadora por sua emancipação social.

14. Finalmente temos de parabenizar a Direção Nacional do partido pela construção unitária da campanha de Lula Livre no campo democrático e de esquerda. Isso vai possibilitar um novo patamar de mobilização popular. A criação de um jornal, de uma campanha nas redes sociais e o reforço da rede de Comitês Lula Livre são elementos de uma estratégia de luta e de organização acertada. As manifestações espontâneas nos blocos do Carnaval nos apontam o caminho do enraizamento da mobilização popular por meio desses Comitês democráticos e suprapartidários.

Finalizando, se a CNB contribuir decisivamente para realizar esse conjunto de tarefas e organizar os Comitês Lula Livre, certamente terá cumprindo com responsabilidade e competência política o seu papel de Corrente Majoritária.

Val Carvalho – militante de base do PT-RJ

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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